Diferença entre injusto penal e tipo total de injusto


Examinando a doutrina penal, percebe-se que o injusto penal e o tipo total de injusto são institutos que não se confundem, embora, no final, ambos convergem para mesmo resultado, que é a constatação de um fato típico e ilícito.

Para maior compreensão do leitor, teceremos informações imprescindíveis para melhor explicar a matéria.

O tipo total de injusto, como leciona Rogério Greco, consiste na terceira fase de evolução do tipo penal. Sendo assim, cumpre primeiro discorrer sobre as duas primeiras fases, antes de comentar a terceira.

Na primeira fase, o tipo penal possuía apenas o caráter descritivo, isto é, não existia nenhum juízo de valoração em relação à conduta. A função do tipo era apenas de definir os delitos. Constatada a adequação do fato à norma penal incriminadora, passava-se a um segundo momento, agora valorativo, que era a análise da antijuridicidade da conduta praticada pelo agente.

Beling, citado por Cirilo Vargas[1], dissertando sobre a primeira fase da evolução do tipo, pontua que:

“no primeiro momento, é concebida como descrição pura, sendo os fatos típicos conhecidos independentemente de juízos de valor”

Por outro lado, na segunda fase evolutiva do tipo, este passou revestir o caráter indiciário para a existência da antijuridicidade da conduta realizada pelo indivíduo.

Significa que se o agente cometer um fato típico, muito provavelmente este fato também será ilícito, ou seja, contrário ao direito. Aqui, portanto, o tipo exerce a função indiciária da inexistência de causa justificante em relação à ação realizada pelo agente.

Entretanto não é correto afirmar que a ação típica será igualmente antijurídica. Esta teoria apenas faz um juízo de probabilidade. Pode ser que o agente, em legítima defesa, cause lesão corporal no indivíduo que o estava agredindo visando, assim, cessar a agressão injusta da qual estava sendo acometido.

Zaffaroni[2], sobre o tema, elucida que:

“A tipicidade opera como indício de antijuridicidade, como um desvalor provisório, que deve ser configurado ou desvirtuado mediante a comprovação de causas de justificação. Devido a isto é que Max Ernst Mayer fazia um gráfico da relação entre a tipicidade e a antijuridicidade dizendo que ambas se comportavam como a fumaça e o fogo respectivamente, quer dizer a fumaça (tipicidade) seria um indício do fogo (antijuridicidade)”.

Em razão desta função indiciária do tipo, é que a doutrina o considera como a ratio congonoscendi da antijuridicidade.

Zaffaroni lembra, ainda, da comparação efetuada por Mayer para se referir à teoria da ratio cognoscendi, em que equiparava a tipicidade como sendo a fumaça, a qual, por sua vez, indicava a provável existência do fogo, representando, no caso, a antijuridicidade. Como dizia em suas aulas o professor e delegado Dr. Murilo Antonini: “onde há fumaça, provavelmente, mas nem sempre, haverá fogo”.

Segundo consta nos manuais, esta teoria é a mais aceita pela doutrina e jurisprudência brasileira. Em outras palavras, tem-se que o fato típico será também considerado antijurídico até que se prove o contrário. Enquanto o acusado não demonstrar que agiu acobertado com alguma causa justificante, terá em seu desfavor a presunção relativa que incorreu nas penas da norma penal que violou.

Pela teoria da ratio congnoscendi, não é ônus da acusação provar a inexistência de causa excludente de ilicitude, mas tão somente que o fato é típico, que se subsumiu perfeitamente a norma penal. Cumpre à defesa provar a existência da descriminante, demonstrando que o fato embora sendo típico, não é ilícito.

Em suma, depois de demonstradas as duas fases evolutivas do tipo, passa-se a análise da terceira fase, em que a tipicidade, a seu turno, consiste na própria razão de ser da antijuridicidade.

Esclarece César Roberto Bitencourt[3] que Mezger, em 1931, em seu famoso Tratado de Direito Penal, traz a público a estrutura bipartida do delito, onde o autor alemão inclui a tipicidade na antijuridicidade, sugerindo que a análise de ambos os institutos devem ser feitas em conjunto, de modo que a tipicidade seja a ratio essendi da antijuridicidade.

Para essa teoria, somente há fato típico se da mesma forma o fato for ilícito, ou seja, a tipicidade está intimamente ligada à antijuridicidade, de modo que o reconhecimento da primeira é condicionado à constatação da segunda. Desse modo, não seria típico o fato de um agente matar outrem em estado de necessidade.

Explicita Rogério Greco[4]:

“na terceira fase, o tipo passou a ser a própria razão de ser da ilicitude, a sua ratio essendi. Não há que se falar em fato típico se a conduta praticada pelo agente for permitida pelo ordenamento juídico. É como se houvesse uma fusão entre o fato típico e a antijuridicidade, de modo que, se afastássemos a ilicitude, estaríamos eliminando o próprio fato típico”.

Ressalta-se que esta é fase de evolução do tipo que os doutrinadores chamam de TIPO TOTAL DE INJUSTO.

Para os defensores desta teoria, como a tipicidade é analisada juntamente com a antijuridicidade, existe um tipo total de injusto. O crime, em seu conceito analítico, é formado por apenas dois substratos: o tipo total de injusto (tipicidade + antijuridicidade) e a culpabilidade.

Insta esclarecer que as causas justificantes, ao integrar o tipo total de injusto, funcionam como elementos negativos do tipo. Comprovando-se a licitude na conduta do agente, não há o que se falar em tipicidade, daí porque alguns penalistas denominaram as descriminantes, integrantes do tipo total de injusto, de elementos negativos do tipo.

Desse modo, tipo total de injusto consiste na fusão da tipicidade com a antijuridicidade, proposto pelos defensores da teoria da ratio essendi, na terceira fase da evolução do tipo.


Por outra via, injusto típico ou injusto penal, refere-se a uma conduta típica e ilícita, porém averiguada em substrato distinto e não fundido num mesmo plano, como o tipo total de injusto. Primeiro analisa se o fato é típico, para somente depois verificar se da mesma forma é antijurídico.

No tipo total de injusto, não há dois momentos distintos para se averiguar a tipicidade, bem como a antijuridicidade da conduta. Esse juízo de valoração, repita-se, é feito de forma conjunta.

Por fim, como inicialmente foi assinalado, tipo total de injusto e injusto típico são termos que não se confundem, embora finalisticamente ambos se referem a uma conduta típica e igualmente ilícita.





[1] BELING, Vargas, José Cirilo de. Do direito penal, p. 21.
[2] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de derecho penal – Parte geral, p. 387.
[3] BITERNCOURT, 2009, pág. 271
[4] GRECO, 2013, pág. 164.

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