AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

 

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Fundamento normativo

- Convenção Americana dos Direitos Humanos

- Resolução nº 213/2015 do CNJ

- Arts. 287 e 310 do CPP

 

Como deve ser a manifestação do membro do Ministério Público ao fim da audiência de custódia?

- Se a prisão for ilegal, pedir o imediato relaxamento pela autoridade policial, com expressa referência ao art. 283, art. 302, art. 310, inciso I, todos do CPP e art. 5º, LXI, da CF e §5º do art. 8º da Resolução n. 213/2015, CNJ.

- Se a prisão for legal, requerimento de homologação do Auto de Prisão em Flagrante Delito lavrado em desfavor do custodiado, com expressa referência à situação de flagrância disciplinada no art. 302 do CPP e observância das garantias constitucionais dos incisos LXII, LXIII e LXIV, todos do art. 5º, da CF e formalidades processuais dos arts. 304 a 306, ambos do CPP.

Em seguida, se presentes os requisitos e pressupostos legais (arts. 312 e 313, CPP) e mostrando-se insuficiente/adequada/desproporcional a aplicação de medidas cautelares diversas (art. 319, CPP), requerer a conversão do flagrante em prisão preventiva, com fulcro no art. 310, inciso II, do CPP. Explicitar o fumus comissi delicti (prova da materialidade e indícios suficientes de autoria) e o periculum in libertatis (risco que representa a liberdade do agente), fornecendo elementos concretos do delito praticado.

- Por outro lado, ausentes os requisitos e pressupostos que autorizam a decretação da preventiva, o MP deverá manifestar pela concessão de liberdade provisória com ou sem imposição de medidas cautelares, na forma do art. 310, inciso III, e art. 321, ambos do CPP e §5º do art. 8º da Resolução n. 213/2015, CNJ.

- Existe a possibilidade da prisão preventiva ser cumprida na forma de prisão domiciliar (art. 318, CPP). Contudo, a simples menção da defesa, em audiência de custódia, de que o agente se enquadra em alguma das situações previstas no referido artigo, não é suficiente para o deferimento da prisão domiciliar. Deve haver prova. Além do mais, não se trata de direito subjetivo do agente. Cabe ao juiz analisar caso concreto[1]. Por exemplo, se for presa uma mulher e ela alegar ter filho menor de 6 anos de idade, não é possível saber de antemão se a presença da autora é imprescindível aos cuidados do infante. Talvez a criança resida com o pai.

- Se o preso alegar que foi agredido por policiais?

Requerimento de extração de cópia integral do APF, acompanhado da mídia audiovisual constando a delação do custodiado, remetendo-a à Promotoria de Justiça com atribuições do controle externo da atividade policial e à correspondente Corregedoria (da PM ou PC) a que se encontra vinculado o agente policial, para a adoção de providências. Referência expressa ao art. 11 e a observância do Protocolo II, item “6”, inciso VIII, da Resolução n. 213/2015, do CNJ.

Em relação ao custodiado, vítima das agressões policiais, requerimento para que seja encaminhado à perícia (exame de corpo de delito), com referência expressa ao inciso VII, alínea ‘a’, do art. 8º e observância do Protocolo II, item “6”, inciso V, ambos da Resolução n. 213/2015, do CNJ.

- Se o preso alegar que foi agredido por populares?

Requerimento de extração de cópia integral do APF, acompanhado da mídia audiovisual constando a delação do custodiado, remetendo-a à autoridade policial para fins de abertura de procedimento investigatório próprio para apuração de noticiado ato atentatório à integridade física e saúde praticado pelos populares. Referência expressa ao art. 5º, inciso II, do CPP e art. 129, inciso VIII, da CF.

- Se o preso estiver respondendo a processo suspenso com base no art. 366 do CPP?

Requerimento de extração de cópia ou mesmo expedição de ofício ou comunicação/cientificação do Juízo da Xª Vara Criminal da Comarca de X da efetivação da prisão do custodiado, para fins de retomada da marcha processual em relação a feito objeto de suspensão do processo e prescrição naquela unidade (hipótese do art. 366 do CPP)

- Se o preso estiver em livramento condicional?

Requerimento de extração de cópia e expedição de ofício e/ou mesmo comunicação/cientificação ao Juízo da Xª. Vara Criminal da Comarca de X, pela noticiada prática pelo liberado de outra infração penal e para fins de apreciação de hipótese de suspensão do curso do livramento condicional e revogação, com referência expressa ao art. 145 da LEP.

- Se o preso estiver cumprimento pena no regime aberto?

Requerimento de extração de cópia e expedição de ofício e/ou mesmo comunicação/cientificação ao Juízo da Xª. Vara de Execuções Penais da Comarca de X, pela noticiada prática pelo liberado de crime doloso e para fins de apreciação de hipótese do art. 118 da LEP.

- Se houver apreensão de celular e o delegado de polícia representar para a imediata e urgente “autorização de acesso aos dados, conteúdo de mensagens SMS, contatos da agenda telefônica, fotos, vídeos e conteúdo de redes sociais, eventuais programas e aplicativos, incluído WhatsApp”?

Embora não seja essa a finalidade da audiência de custódia (deferir autorização para deflagrar medidas de natureza investigatórias)[2], segundo espelho do MPSC/2019, o Ministério Público deve pronunciar pelo afastamento de sigilo telefônico e telemático de aparelhos de telefone celular apreendidos (se for o caso). Demonstração de imperiosa necessidade. Referência expressa ao art. 5º, X e XII, da CF, bem como que o sigilo de dados telefônicos, como a inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet ou privadas armazenadas podem ser alvo de quebra a partir da existência de justa causa, corroborando a prevalência do interesse público à investigação sobre o direito fundamental de proteção à intimidade do indivíduo.

- Se o preso pretender liberdade provisória alegando ser doente e precisar de remédios para sobreviver?

Manifestar pelo indeferimento e, em seguida, requerer comunicação a unidade prisional em que se encontra o custodiado, a partir da notícia que possui problema de saúde e necessita de remédio de uso contínuo e regulares consultas, para assistência à saúde do preso provisório e/ou garantia à atenção médica. Referência expressa ao art. 14 e art. 41, inciso VII, ambos da LEP.

- Se o preso pretender liberdade provisória alegando existência de predicados pessoais favoráveis à soltura, tal como endereço certo e ocupação lícita?

Explicitar que a presença de circunstâncias pessoais ou subjetivos favoráveis não tem o condão, por si só, de afastar a conversão da prisão em flagrante delito em prisão preventiva se há nos autos elementos hábeis a recomendar a custódia cautelar. Tem jurisprudência em tese nesse sentido.

- Se o preso pretender liberdade provisória e nulidade do feito alegando atraso na entrega da nota de culpa (art. 306, §2º, CPP)?

Manifestar contrariamente a nulidade do feito pelo atraso na entrega ao custodiado da Nota de Culpa. Referência que mesmo o atraso na entrega ao agente da Nota de Culpa constitui-se em mera irregularidade, não sendo hábil, portanto, para contaminar com nulidade o feito. Ademais, constam do auto de prisão a observância quanto aos direitos constitucionais do flagrado. Não configuração de hipótese de prisão ilegal (inciso LXV do art. 5º da CF).

- Se o preso pretender liberdade provisória argumentando precariedade do sistema prisional e a hipotética permanência dos presos provisórios em cela com segregados definitivos?

Indeferimento da pretensão. Referência aos arts. 40, 84 e 85, ambos da LEP. Situações não demonstradas por prova pré-constituída. Não acolhimento da argumentação. A despeito da periclitante realidade do sistema prisional, não se pode, no caso, presumir violação de direitos. Pedido desacompanhado de elementos também quanto à hipotética permanência do preso provisório em cela com presos definitivos.

 

 

 



[1] “Para a concessão da prisão domiciliar, que traduz mera faculdade judicial, não basta a condição de maternidade, pois, para esse específico efeito, impõe-se ao Poder Judiciário o exame favorável da conduta e da personalidade da agente e, sobretudo, em face de seu inquestionável relevo, a conveniência e o atendimento ao superior interesse do menor. Todas essas circunstâncias devem constituir objeto de adequada ponderação, em ordem a que a adoção da medida excepcional da prisão domiciliar efetivamente satisfaça o princípio da proporcionalidade e respeite o interesse maior da criança. Esses vetores, por isso mesmo, hão de orientar o magistrado na concessão da prisão domiciliar (HC 134.734/SP)”. https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2017/05/05/condicao-de-maternidade-e-prisao-cautelar-domiciliar-direito-subjetivo-da-mae-ou-faculdade-juiz/

[2] Segundo Renato Brasileiro (2020, pag. 1016), duas são as finalidades precípuas da audiência de custódia: 1) coibir eventuais excessos como torturas e/ou maus tratos, verificando-se o respeito aos direitos e garantias individuais do preso; 2) conferir ao juiz das garantias, no caso da prisão em flagrante, uma ferramenta mais eficaz para fins de convalidação judicial, é dizer, para ter mais subsídios quanto à medida a ser adotada – relaxamento da prisão ilegal, decretação da prisão preventiva (ou temporária), ou concessão de liberdade provisória, com (ou sem) a imposição isolada ou cumulativa das medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 310, I, II e III), sem prejuízo de possível substituição da prisão preventiva pela domiciliar, se acaso presentes os pressupostos do art. 318 do CPP. Indiretamente, sua realização também visa à diminuição da superpopulação carcerária.

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TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

 

TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

Conceito

Segundo Fredie Didier, trata-se de um negócio jurídico extrajudicial com força de título executivo, celebrado por escrito entre órgãos públicos legitimados à proteção dos interesses tutelados pela lei e os futuros réus dessas respectivas ações. Constitui uma modalidade de autocomposição do litígio. Compõe a ideia de Justiça multiportas.

Fonte normativa

- Art. 5º, §6º, Lei 7.347/1985 (introduzido pelo CDC)

- Art. 211 do ECA (origem do TAC)[1]

- Foi vetado, em 1990, o §3º do artigo 82 do CDC, que autorizava expressamente TAC em matéria de consumo

- Art. 85 da Lei 12.529/2011

- Regulamentado pela Resolução nº 179/2017 do CNMP

 

Natureza Jurídica

A doutrina é divergente.

1C. CONTRATO ADMINISTRATIVO: há manifestação de vontade de órgão público e terceiros, formalizado mediante acordo, razão pela qual se está diante de contrato administrativo. Participação de entes públicos e indisponibilidade do direito material. Incide a supremacia do interesse público sobre o particular, com aplicação de cláusulas exorbitantes.

2C. ATO ADMINISTRATIVO NEGOCIAL à o TAC é um ato administrativo porque é realizado por órgão público, por meio do qual só o causador do dano se compromete. Não há bilateralidade, por isso é um ato e não um contrato. O órgão público que o toma não firma nenhuma obrigação perante o compromissário, exceto implicitamente não propor a respectiva ação coletiva caso cumprido o acordo assumido (MAZZILLI, Hugo Nigro).

Segundo Mazzilli, os legitimados têm disponibilidade sobre o CONTEÚDO PROCESSUAL, e não sobre o conteúdo material.

3C. TRANSAÇÃO SUI GENERIS à O caráter bilateral e consensual do TAC o aproxima de um contrato, uma transação (art. 840 e ss., CC), embora não possa o legitimado extraordinário dispor do direito material discutido, porque não é seu titular (FINK, Daniel Roberto). Obs: É uma transação sui generis, porque, como regra, a transação só pode ocorrer para direitos patrimoniais.

4C. ATO JURÍDICO UNILATERAL à Isso porque há apenas uma manifestação de vontade, que é a do compromissário. Só ele assume obrigações no bojo do TAC. Contudo, no tocante à formalização do TAC, ele tem natureza de ato jurídico bilateral, pois nele intervém o órgão público e o compromissário (CARVALHO FILHO, José dos Santos).

5C. NEGÓCIO JURÍDICO com eficácia de título executivo extrajudicial à Posição adotada pela Conselho Nacional do Ministério Público, com a Resolução 179/2017.

Legitimação

Segundo o ECA e LACP, apenas os órgãos públicos que detêm legitimidade para a propositura de ações civis públicas podem tomar compromisso de ajustamento de conduta.

Assim, conclui-se que as associações, sindicatos e fundações privadas NÃO podem celebrar TAC, uma vez que possuem personalidade jurídica de direito privado. Esse é o entendimento majoritário na doutrina.

Quanto às sociedades de economia mista e as empresas públicas, existem dois posicionamentos. 1ªC: nunca podem celebrar TAC, porque tais entidades detêm personalidade jurídica de direito privado. 2ªC: depende. Se prestarem serviços públicos, atuam como órgãos públicos, logo, são legitimadas. Já se seu objeto é exploração de atividade econômica, atuam como entes privados e, portanto, não detêm legitimidade.

ATENÇÃO!

Em março de 2018, na ADPF 165/DF, o Supremo Tribunal Federal permitiu associação autora celebrar acordo no curso de ação civil pública. O art. 5º, § 6º da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) prevê que os órgãos públicos podem fazer acordos nas ações civis públicas em curso, não mencionando as associações privadas. Apesar disso, a ausência de disposição normativa expressa no que concerne a associações privadas não afasta a viabilidade do acordo. Isso porque a existência de previsão explícita unicamente quanto aos entes públicos diz respeito ao fato de que somente podem fazer o que a lei determina, ao passo que aos entes privados é dado fazer tudo que a lei não proíbe. STF. Plenário. ADPF 165/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 1º/3/2018 (Info 892)

 

Compromisso de ajustamento preliminar ou parcial

Em casos muito complexos, pode ser conveniente tomar do investigado, de plano, compromisso de que ele cumpra obrigações para proteção imediata do direito coletivo violado, mas que ainda não são suficientes para sua tutela integral. Trata-se de uma solução momentânea e que dependerá da adoção de medidas futuras, voltadas para solução definitiva que garanta a completa proteção do direito difuso e coletivo violados. É esse o chamado acordo de ajustamento preliminar ou parcial.

Ex.: Polução no mar. É prudente firmar um acordo preliminar para que o poluidor contrate uma perícia para dimensionar o dano ambiental e, somente depois, celebrar um acordo definitivo.

ATENÇÃO!

Como se sabe, celebrado o Termo de Ajustamento de Conduta, se o membro do MP o considerar satisfatório para a proteção do direito coletivo envolvido, o inquérito civil deve ser arquivado e enviado para homologação do Conselho Superior do MP. O que se buscaria com o ajuizamento da ação civil pública (título executivo), já se consegue com o TAC (título executivo extrajudicial).

Se o compromisso for celebrado durante a fase do processo ou feito extrajudicialmente e submetido à homologação do Poder Judiciário, é o próprio juiz que fiscalizará seus termos, razão pela qual é dispensado o envio do TAC e do arquivamento de inquérito civil ao CSMP (ou CCR) (art. 6º, §1º, Res. 179/2017 do CNMP).

Contudo, em se tratando de compromisso de ajustamento de conduta PRELIMINAR, considerando que o problema investigado não foi integralmente solucionado, o CSMP (ou CCR) não irá homologar o respectivo arquivamento do inquérito civil. Em outras palavras, as investigações devem continuar e o CSMP (ou CCR) irá homologar apenas o TAC PARCIAL/PRELIMINAR[2].

 

Objeto, limites e cominações

O órgão público tomador do compromisso não é titular do direito coletivo, difuso ou individual homogêneo objeto do acordo. Ele atua, pois, como legitimado extraordinário. Logo, não pode renunciar ao direito material envolvido. A reparação ou recomposição do bem jurídico coletivo violado ou ameaçado de violação, sempre, deve ser INTEGRAL. Há, portanto, uma indisponibilidade do direito material.

Nesse sentido, o compromisso deve ser “formulado de maneira a fixar apenas o modo, o lugar e o tempo no qual o dano ao interesse transindividual deve ser reparado, ou a ameaça ser afastada, na sua integralidade” (Landolfo, 2017, pág. 231). Assim, fala-se que há uma disponibilidade do conteúdo processual do termo de ajustamento de conduta (Mazzilli, 2019, pág. 497).

As obrigações estipuladas no acordo devem ser CERTAS, DETERMINAS e EXIGÍVEIS, sob pena posteriormente de obstaculizar o cumprimento compulsório em juízo, ou seja, prejudicar a execução do título extrajudicial (art. 3º, Res. 179/2017). Obrigações incertas, ilíquidas e inexigíveis acarretam a nulidade da execução e extinção do processo sem exame de mérito (art. 803, CPC).

Ainda, convém pontuar que é obrigatória a previsão de COMINAÇÕES (sanções) ao compromissário em caso de descumprimento do acordo (art. 4º, Res. 179/2017). É possível que tais cominações sejam a imposição de multa, obrigações de fazer e não fazer. Sobre a multa, o Conselho Superior do MPSP entende que ela deve ser possuir um caráter cominatório e não compensatório, pois “nas obrigações de fazer ou não fazer normalmente mais interessa o cumprimento da obrigação pelo devedor do que o correspondente econômico”.

Quem estipula as cominações? Em regra, é o ente público compromitente. Mas caso, por relapso, o compromitente esqueça de prever as cominações no TAC, este não será nulo, podendo ser requerida sua fixação pelo juiz durante a execução título (art. 814, CPC).

Sabe-se que o termo de compromisso é sucedâneo (substituto) da ação civil pública. Com isso, em analogia, as cominações decorrentes do descumprimento do TAC deverão ser destinadas ao fundo federal ou estadual de reparação dos interesses transindividuais lesados (art. 13, LACP). Por essa razão, o STJ já decidiu ser nula a obrigação compensatória consistente em entregar equipamento de informática a órgão ambiental (STJ, REsp 625.4249/PR, DJ 31.08.2006).

ATENÇÃO!

Com o advento da Lei 13.964/2019, foi encerrada a discussão a respeito da possibilidade de se celebrar acordo em matéria de improbidade administrativa. Doravante, o art. 17, §1º, da LIA é expresso em admitir o acordo de não persecução cível, em sintonia do que já dispunha o art. 1º, §2º, da Resolução 179/2017 do CNMP.

Eficácia e controle interno do compromisso de ajustamento de conduta firmado pelo Ministério Público

Eficácia

A eficácia do compromisso de ajustamento de conduta é a partir de sua celebração (art. 1º, Res. 179/2017). Portanto, a eficácia do acordo não está condicionada a homologação dos órgãos de revisão do Ministério Público.

Contudo, se o acordo for realizado em juízo, no bojo de uma ação coletiva, sua eficácia se dá a partir da homologação judicial.

Controle interno

Se o compromisso de ajustamento de conduta for tomado por órgão do MP em autos de inquérito civil, deve-se assegurar ao órgão colegiado competente da instituição a revisão de suas cláusulas. Trata-se de hipótese de controle interno sobre os termos do acordo.

MP à revisão feita pelo CSMP (Conselho Superior do Ministério Público)

MPU à revisão feita pela CCR (Câmaras de Coordenação e Revisão)

Essa revisão, no entanto, não condiciona à eficácia do termo de ajustamento de conduta. Este já está produzindo efeito desde sua celebração. Contudo, a importância dessa revisão/fiscalização se dá porque “o compromisso importa, implícita ou explicitamente, o encerramento total ou parcial das investigações ministeriais a propósito da questão acordada” (Mazzilli, 2019, 526).

Por outro lado, nada impede que as partes, de comum acordo, difiram (diferir, adiar) a produção dos efeitos do TAC a partir do momento da homologação do arquivamento do inquérito civil pelo Conselho Superior da instituição.

Recebendo a promoção de arquivamento, com o respectivo termo de ajustamento de conduta, o órgão colegiado revisor poderá (art. 10, §4º, Res. 23/2007):

i) Homologar a promoção de arquivamento;

ii) Deixar de homologar e:

ii.a) Converter o julgamento em diligência para realização de atos imprescindíveis à sua decisão;

ii.b) Deliberar pelo prosseguimento das investigações;

ii. c) Ajuizar desde logo ação civil pública.

Portanto, viu-se o momento em que se dá a eficácia do termo de ajustamento de conduta, celebrado na fase extrajudicial, assim como o mecanismo de controle interno quando o acordo é entabulado pelo Ministério Público.

É importante observar que, na hipótese de TAC celebrado por outro órgão público (e não o MP), na fase extrajudicial, inexiste mecanismo de fiscalização automática, como se dá com os acordos celebrados pelo parquet. Essa revisão vai depender da “normatização de cada ente federativo”, segundo Landolfo Andrade.

Por fim, um último registro. O art. 112, §único, da LOMP de SP dispõe que o compromisso de ajustamento de conduta se se torna eficaz após a homologação do arquivamento pelo CSMP. Todavia, segundo Mazzilli, essa norma é inconstitucional e apresenta quatro argumentos. O principal é o de que o Estado não tem competência para tratar sobre eficácia de título executivo, matéria de processo civil e de competência privativa da união (art. 22, CF).

Então como compatibilizar o art. 112, §único, da LOMP de SP com o art. 5º, §6º, Lei 7.347/1985? As partes podem condicionar os efeitos do compromisso à homologação do arquivamento pelo CSMP. Essa era a resposta que o examinador do 93º Concurso do MPSP buscava.

O TAC não é instrumento para aplicar sanção

 

O TAC é instrumento de atuação resolutiva do MP, voltado para adequação da conduta irregular à legislação em vigor. Parte da doutrina preconiza que não se pode aplicar sanção no bojo do TAC. Para tanto, há outros instrumentos, como Acordo de Não Persecução Civil (para os atos de improbidade administrativa) e o Acordo de Leniência (para os atos de corrupção empresarial).

 

Ajuste de conduta em juízo

Possibilidade: É permitido ao Ministério Público (ou outro coletigimado) realizar a celebração de acordo no curso da ação coletiva. Dispõe Mazzilli que se “a própria lei admite que se tome extrajudicialmente do causador do dano o compromisso de ajustar sua conduta às exigências da lei, sob cominações, com maior razão nada impedirá que sobrevenha transação judicial nessas mesmas hipóteses.

Limites ao ajuste em juízo: Indisponibilidade do direito material.

Papel a ser desempenhado pelo juiz: Controle do conteúdo do ajuste. O juiz fiscaliza os termos do acordo. Se os interesses da coletividade estiverem resguardados, irá homologar a autocomposição e o processo será extinto. Tem-se, a partir daí, a formação do título executivo judicial. Por outro lado, compreendendo que acordo não é satisfatório, o magistrado deverá rejeitá-lo.

Segundo Mazzilli, caso seja o Ministério Público autor da ação civil pública, se o juiz reputar o acordo inadequado, deverá rejeitá-lo e na sequência enviar os autos ao respectivo órgão revisor (CSMP ou CCR), em analogia a regra do artigo 9º, §1º, da Lei 7.347/1985.

Ajuste em juízo firmado pelo Ministério Público. Necessidade ou não de oitiva prévia do órgão de controle: Divergência. 1ªC à a fiscalização sobre o conteúdo do acordo é feita apenas pelo juiz, dispensando, portanto, oitiva do órgão colegiado (maioria). 2ªC à exige-se, por cautelar, a oitiva do órgão de controle interno ainda que o acordo seja realizado no curso de ação coletiva.

Importante ressaltar que há autores, como Landolfo Andrade, que entendem não ser o acordo judicial em ação coletiva uma espécie de termo de ajustamento de conduta. São dois os motivos. Primeiro, o artigo 5º, §6º, da LACP se refere apenas à autocomposição extrajudicial. Segundo, os ajustes judiciais podem ser celebrados por qualquer legitimado ativo, enquanto que o TAC propriamente dito só é celebrado por órgão público.

Por fim, convém registrar que se o Ministério Público não atuar como autor da ação civil pública, sempre intervirá na lide como fiscal da ordem jurídica (art. 5, §1º, LACP). Ademais, qualquer legitimado ativo pode, posteriormente, executar o título executivo judicial decorrente do acordo, ainda que não tenha participado do processo (analogia do art. 15, LACP).

 

Discordância dos demais legitimados: medidas cabíveis

O compromisso de ajustamento de conduta como GARANTIA MÍNIMA: Isso quer dizer que o TAC não impõe um limite máximo de responsabilidade ao causador do dano transindividual. Pode outro órgão público colegitimado, por exemplo, tomar novo TAC com objeto mais abrangente ou acionar o Poder Judiciário contra o tomador do compromisso.

Compromisso extrajudicial: ainda que firmado o TAC por um órgão público, outro colegitimado pode entender que o ajuste não é satisfatório para a completa proteção do interesse coletivo. Assim, justamente por ser uma garantia mínima (e não máxima de responsabilidade), outro órgão poderá propor demanda coletiva ou realizar de novo ajuste, desde que com objetos mais abrangentes.

O STJ já reconheceu a legitimidade e o interesse processual do MP em defender o meio ambiente, apesar de o causador do dano já ter assumido TAC perante outro órgão estatal (Resp. 265.300-MG, Dju 02-10-06).

Ajuste em juízo. Havendo discordância de assistentes simples ou litisconsorciais, de litisconsortes na realização do acordo judicial feito pelo autor coletivo, tem-se o seguinte panorama:

i) se a discordância à transação se verificar DEPOIS de homologada judicialmente: os colegitimados podem interpor apelação visando a elidir a eficácia da autocomposição.

ii) se a discordância for manifestada ANTES da homologação judicial (a) por assistente simples, não impedirá a eficácia do acordo (art. 122, CPC); (b) já se a discordância for de assistente litisconsorcial ou de litisconsorte, o acordo não terá eficácia (art. 117, CPC).

E a situação do Ministério Público? Atuando como autor ou litisconsorte ativo da ação civil pública, sua discordância obsta à transação judicial. Não há divergência. E quando o parquet atua como fiscal da ordem jurídica? Igualmente, Mazzilli afirma que não é possível a realização do acordo judicial. O MP é legitimado ativo nato das ações coletivas, cabendo assumi-la em caso de desistência infundada e abandono. Logo, se o órgão ministerial discordar da autocomposição judicial proposta, o juiz não deve homologar o acordo. Pensar o contrário, seria uma “verdadeira desistência indireta” da ação coletiva que “poderia ser facilmente forjada” (STJ, Resp. 596.764-MG, Dje 23-05-12).

Porém, entendendo o juiz que a oposição do MP não é razoável e, homologue o acordo judicial, contra essa decisão cabe apelação por qualquer colegitimado (art. 1009, CPC).

Desconstituição do compromisso

Desconstituição por vício de consentimento ou social do negócio jurídico: o TAC pode ser desconstituído como qualquer outro negócio jurídico, seja por vício do consentimento (erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo) ou por vício social (simulação e fraude contra credores).

Desconstituição por objeto inidôneo ou vedado: se o objeto do TAC for ilícito, impossível ou indeterminável, o ajuste é nulo (art. 166, II, CC). Não pode haver disponibilidade do direito material.

Desconstituição voluntária ou contenciosa: celebrada a autocomposição extrajudicial, esta pode ser desconstituída voluntariamente pelas partes, através de outro ajuste. Igualmente, é possível a desconstituição do TAC de modo contencioso, por meio do ajuizamento de ação anulatória.

Via processual adequada. Realização de outro TAC ou ajuizamento de ação anulatória. Convém registrar que, ao homologar o acordo firmado em juízo, o processo é extinto com resolução de mérito (art. 485, III, “b”, CPC). Contudo, contra esta decisão é cabível ação anulatória e não ação rescisória (art. 966, §4º, CPC).

Legitimidade ativa e passiva para a demanda desconstitutiva: qualquer órgão público (e não somente o que participou do acordo) pode propor ação anulatória ou celebrar novo TAC, caso entenda que o ajuste anterior não protege o direito coletivo satisfatoriamente[3]. P.ex., acordo para recompor apenas 80% da área degradada. Logo, pode ser realizado outro acordo visando à reparação integral dos danos.

Como já mencionado, as obrigações assumidas pelo compromissário é uma garantia mínima e não máxima de responsabilidade. Com isso, o novo ajuste deve ser realizado de modo a aumentar a proteção do interesse transindividual (nunca para diminuí-la).

Uma observação importante merece ser feita. Se a ação anulatória for ajuizada por terceiro que não participou da autocomposição judicial ou extrajudicial, deve figurar no polo passivo tanto o compromissário como o órgão tomador do compromisso.

Hipótese de ação coletiva passiva: o compromissário que assumiu as obrigações, ao ajuizar uma ação anulatória para desconstituir o TAC, colocará no polo passivo o órgão público (entidade pública) tomador do compromisso. Nesse sentido, estar-se-á diante de uma ação coletiva passiva, uma vez que o órgão público atuará no polo passivo em defesa dos direitos da coletividade substituída.

Desconstituição por repactuação: o TAC produz efeito enquanto não for desconstituído pelas partes ou pelo juízo.

 

Observação:

Na 2ª fase do MPMG/2022, o juiz homologou TAC celebrado entre o MP e o réu, considerando “adequadas as condições estabelecidas no ajuste”, razão pela qual sua conduta não foi simplesmente homologatória, mas sim “adentrou no mérito do acordo”, razão pela qual sua desconstituição pode ser realizada mediante ação rescisória no prazo de 2 anos, por força do artigo 966 do CPC.

No caso, deveria figurar no polo passivo da ação rescisória o Estado de Minas Gerais e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais. A hipótese é de litisconsórcio passivo necessário e unitário (art. 114 e art. 116 do Código de Processo Civil). Há comunhão de obrigações entre os legitimados passivos, o objeto do processo é incindível, exige-se uma única decisão em relação a ambos e a eficácia da sentença depende da citação dos litisconsortes. A partir desse quadro fático, permite-se vislumbrar a existência de representantes adequados e de ação coletiva passiva.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

Inquérito civil nº

Compromitente

Compromissário

 

PREÂMBULO

No dia xx, na Comarca de xxx, reuniram-se MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO …., representado pelo Promotor de Justiça, doravante denominado de COMPROMITENTE e Fulano Prefeito de , endereço, doravante denominado como COMPROMISSÁRIO assistidos pelo Advogado Dr. ____, inscrito na OAB nº ___, na forma do artigo 5º, parágrafo 6º, da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), com redação dada pelo artigo 113, da Lei nº 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), celebrarem o presente COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO à vista do seguinte:

LEGITIMIDADE

CONSIDERANDO que o artigo 127 da Constituição Federal dispõe que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”;

CONSIDERANDO que a Resolução n. 179, de 26 de julho de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, regulamentou o § 6º do art. 5º da Lei nº 7.347/1985, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a tomada do compromisso de ajustamento de conduta;

DIREITO DISCUTIDO

CONSIDERANDO que o artigo 22 do CDC determina que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias, ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos;

CONSIDERANDO que o artigo 6º, inciso IV, do CDC, define como um dos direitos básicos do consumidor, a efetiva prevenção de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

CONSIDERANDO FATOS (aqui relatar objetivamente os fatos do problema)... a falta de atendimento conforme Inquérito Civil nº….

CONSIDERANDO que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 113, que deu nova redação ao art. 5º da Lei nº 7.347/85, permite que seja tomado Termo de Ajuste de Conduta dos interessados às exigências legais, com força de título executivo extrajudicial; vêm pelo presente ajustar o seguinte:

Cláusula 1º: Este TERMO tem como OBJETO a adequação do fornecimento de produtos aos consumidores… 3.2. OBJETO DO TAC

Cláusula 2º O COMPROMISSÁRIO, obriga-se a fazer no prazo de trinta (30) dias, contado da assinatura deste, a enviar à Câmara Municipal projeto de lei para criação dos cargos….

Cláusula 3º O COMPROMISSÁRIO compromete-se no prazo de 60 dias de fazer o plantio da área Parágrafo 1º: O comprovante do plantio deverá se dar mediante a apresentação de fotos nesta Promotoria.

Cláusula 4º O COMPROMISSÁRIO compromete-se a não fazer consistente em não utilizar a área degradada.

Cláusula 5º O Ministério Público compromete-se a não adotar nenhuma medida judicial coletiva relacionada ao ajustado contra a COMPROMISSÁRIA, caso venha a ser cumprido integralmente o avençado.

Cláusula 6º O presente compromisso será fiscalizado pelo COMPROMITENTE o qual poderá requerer documentos ou comparecimento a qualquer tempo etc. (FISCALIZAÇÃO)

Cláusula 7º No caso de descumprimento total ou parcial das obrigações assumidas, nos prazos estipulados e na forma prevista no presente termo, caberá a imposição de multa ao agente político que lhe der causa no valor de R$1000,00 (mil reais) e multa diária no valor de três por cento (3%) do salário mínimo por dia de atraso. Parágrafo: O valor das multas serão revertidos para o Fundo Nacional de Defesa dos Interesses Difusos, conforme a Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública ) (Art.5º Resolução 179/CNMP) (MULTA COMO CONDIÇÃO DE EFICÁCIA DO TAC – ART. 4º da Rel. 179)

OBS. Art. 5º As indenizações pecuniárias referentes a danos a direitos ou interesses difusos e coletivos, quando não for possível a reconstituição específica do bem lesado, e as liquidações de multas deverão ser destinadas a fundos federais, estaduais e municipais que tenham o mesmo escopo do fundo previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/1985. § 1º Nas hipóteses do caput, também é admissível a destinação dos referidos recursos a projetos de prevenção ou reparação de danos de bens jurídicos da mesma natureza, ao apoio a entidades cuja finalidade institucional inclua a proteção aos direitos ou interesses difusos, a depósito em contas judiciais ou, ainda, poderão receber destinação específica que tenha a mesma finalidade dos fundos previstos em lei ou esteja em conformidade com a natureza e a dimensão do dano

Cláusula 8º: Cláusula penal/moratória ou compensatória, interrupção da prescrição etc.

Cláusula 9ª – TÍTULO EXTRAJUDICIAL COMPROMITENTE E COMPROMISSÁRIO têm pleno conhecimento de que o presente termo de compromisso de ajustamento de conduta tem eficácia de título executivo extrajudicial, podendo ser executado imediatamente após o vencimento dos prazos avençados, independentemente de qualquer notificação.

Cláusula 10º Este compromisso produzirá efeitos legais a partir de sua celebração, e terá eficácia de título executivo extrajudicial, na forma do art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/85 e art. 784, IV, do Código de Processo Civil, após homologação do Conselho Superior do MP. (TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL)

Concordando com o disposto em todas as cláusulas acima, subscrevem o presente termo, em 3 (três) vias, após lido e achado conforme.

 

Local, data.

COMPROMITENTE

COMPROMISSÁRIO



[1] O ECA foi o primeiro diploma a tratar sobre o TAC no Brasil. O ECA foi promulgado antes do CDC

[2] Sobre o assunto, dispõe a Súmula 20 do CSMP-SP: “Quando o compromisso de ajustamento tiver a característica de ajuste preliminar, que não dispense o prosseguimento de diligências para uma solução definitiva, salientado pelo órgão do MP que o celebrou, o Conselho Superior homologará somente o compromisso, autorizando o prosseguimento das investigações”

[3] Isso porque o órgão público tomador do compromisso não é titular do direito material coletivo, mas apenas um dos “portadores adequados”, e a legitimidade para proteção dos interesses transindividuais é concorrente e disjuntiva.

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TRIBUNAS COMPILADAS – BLOG ELDIVINO


CUMPRIMENTO

 

CUMPRIMENTO O PROCURADOR Geral de Justiça e Presidente DA COMISSÃO de Concurso, Excelentíssimo Doutor SANDRO JOSÉ NEISS,

E estendo AOS MEMBROS da ILUSTRE banca as minhas SAUDAÇÕES.

 

FALAR DO TEM

 

O tema que me foi CONFIADO, de extrema relevância nos dias atuais, é o de número ... QUE diz respeito à/ao ...

 

FALAR DO MP

 

Nesse contexto, é inegável que o Ministério Público, a partir da Constituição da REPÚBLICA de 1988, ESTRUTURA-SE, tanto no ordenamento jurídico quanto no PLANO INTERNO, como INSTITUIÇÃO permanente e dotada de autonomia, CONSTITUINDO VERDADEIRA cláusula pétrea do sistema brasileiro.

 

E, SENDO essencial à prestação jurisdicional do Estado, deve ZELAR pelo INTERESSE PÚBLICO primário, promovendo a DEFESA da ordem jurídica, a MANUTENÇÃO do regime democrático e a PROTEÇÃO dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 

 

ISSO PORQUE, no Estado Democrático de Direito, onde o POVO é o titular do PODER SOBERANO, não se concebe que as ATIVIDADES PÚBLICAS, em particular no seu mínimo existencial – como a GARANTIA DA LIBERDADE, saúde, educação, segurança –, sejam TOLHIDAS POR CONTA DE fins escusos e antirrepublicanos.

 

VISTO SOB ESSA PERSPECTIVA, a Constituição DESTINA ao Ministério Público, de forma prioritária, o cuidado dos mais relevantes INTERESSES da coletividade.

 

 

PARA OBTER ÊXITO, CUMPRE-LHE vasto rol de FUNÇÕES, a exemplo do OFERECIMENTO da ação penal pública, a PROPOSITURA do inquérito civil e da ação civil pública, o controle de CONSTITUCIONALIDADE, a representação INTERVENTIVA, a REQUISIÇÃO de diligências e do inquérito policial.

 

 

CONCLUSÃO ECA

 

Traz-se a contribuição da pesquisadora Josiani Petry Veronese, para quem

“O Estatuto da Criança e do Adolescente tem a relevante função, ao regulamentar o texto constitucional, de fazer com que este último não se constitua em letra morta. 

No entanto, a simples existência de leis que proclamem os direitos sociais, por si só, não consegue mudar as estruturas. 

Antes há que se conjugar aos direitos uma política social eficaz, que de fato assegure materialmente os direitos já positivados”.

Atividade, essa, para concluir, que cabe ao Ministério Público, em conjunto com o Estado, a família e a sociedade, desempenhar.

 

CONCLUSÃO IDOSO

 

“Sociedades que excluem seus idosos oferecem poucas oportunidades às novas gerações de construir relações saudáveis com a própria velhice e prejudicam a continuidade cultural. A solução para essas ocorrências depende mais de ações que se cumprem e acompanham no dia a dia do que do voluntarismo ocasional dos idosos ou dos profissionais que os atendem, ou mesmo da existência de leis, decretos ou estatutos” (NERI, 2007, p. 44).

Guimarães Rosa bem disse que “as verdades da vida são sem prazo”.

Hermann Melville bem disse que "Saber envelhecer é a obra-prima da sabedoria e um dos capítulos mais difíceis na grande arte de viver."

Jean De La Bruyere bem disse que "Esperamos envelhecer e tememos a velhice; quer dizer, amamos a vida, e tememos a morte. "

 

CONCLUSÃO TRIBUTO

Nada demonstra tão claramente o caráter de uma sociedade e de uma civilização quanto a política fiscal que o seu setor público adota. (Schumpeter)

 

CONCLUSÃO MEIO AMBIENTE

“Quando a última árvore tiver caído, quando o último rio tiver secado, quando o último peixe for pescado, a humanidade irá entender que dinheiro não se come”. (Greenpeace)

 

 

CONCLUSÃO ACESSO À JUSTIÇA

 

Nosso sistema judiciário já foi descrito assim por Mauro Cappelletti e Bryan Garth: “Ele é, a um só tempo, lento e caro. É um produto final de grande beleza, mas acarreta um imenso sacrifício de tempo, dinheiro e talento”.

Como diz Norberto Bobbio, o problema grave do nosso tempo sobre os direitos do homem não é a justificação, e sim a garantia.

E aqui, finalizando com citação de Bryan Garth e Mauro Cappelletti, que bem elucida a busca pela proteção e a justiça dos vulneráveis: “A titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.

A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta (Rui Barbisa).

“Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada” (Rui Barbosa).

 

CONCLUSÃO IMPROBIDADE

 

A moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito de bom administrador, o que nos leva a considerar, segundo o legislador grego Sólon (594 a. C), que “O homem desmoralizado não poderá governar”.

O ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética, porque nem tudo que é legal é honesto. A moral comum é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve a finalidade de sua ação: o bem comum (MEIRELLES, Hely Lopes).

“Uma conduta compatível com a lei, mas imoral será inválida”. (Justen Filho, Marçal).

 

CONCLUSÃO PENAL

Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências. (Pablo Neruda)

 

CONCLUSÃO LIBERDADE

A liberdade não é um luxo dos tempos de bonança; é, sobretudo, o maior elemento de estabilidade das instituições (Rui Barbosa).

 

 

CONCLUSÃO IGUALDADE

 

Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem; lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize (Boaventura de Souza Santos).

Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades (Boaventura de Souza Santos).

A força do direito deve superar o direito da força (Rui Barbosa).

 

CONCLUSÃO ELEITORAL

 

CONCLUSÃO GENÉRICA

 

ENCERRAMENTO

Agradeço o tempo que me foi disponibilizado, 

Coloco-me à disposição para eventuais questionamentos

E EXTERNO minha satisfação em estar aqui presente.

Muito obrigada.

Sumário

1. A IMPORTÂNCIA DA CONAMP NA EVOLUÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 6

2. O uso de algemas - GIAN 7

3. RELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COM OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL 9

4. 5. A atuação do Ministério Público como alternativa à prestação jurisdicional - GIAN 11

5. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 14

6. 7. INQUÉRITO CIVIL - FELIPE 16

7. 8. Descriminalização do uso de tóxicos 18

8. Pedido de absolvição pelo Promotor de Justiça no Tribunal do Júri 21

9. 10. Ofensas irrogadas em plenário do júri e os crimes contra a honra 22

10. A INFLUÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA NO JULGAMENTO DO JÚRI 22

11. LIMITES ÉTICOS NA PERSUASÃO DOS JURADOS 22

12. 14. O Ministério Público e a tutela dos hipossuficientes - GIAN 25

13. Reforma do Judiciário. Emenda Constitucional nº 45/2004.  Esquematização das principais novidades 27

14. DANO MORAL COLETIVO 35

15. 18. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – FELIPE 38

16. EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO 40

17. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A ASSISTÊNCIA À ACUSAÇÃO 43

18. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A AÇÃO DE ALIMENTOS. 45

19. ADOÇÃO INTERNACIONAL 48

20. A IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 50

21. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IMPUNIDADE 53

22. 25. Pena de Morte e Prisão Perpétua: Visão Crítica 55

23. LITISCONSÓRCIOS  ENTRE MINISTÉRIOS PÚBLICOS 58

24. A REDUÇÃO DA MAIORIDADE CIVIL E PENAL 60

25. 31. O Ministério Público e a Atividade Político-Partidária 62

26. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O INTERESSE PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL 64

REFERÊNCIAS 66

27. RACIONALIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL 67

REFERÊNCIAS 69

28. 28. O Ministério Público e o Regime Democrático 69

29. 32.  Relações entre Ministério Público e o Poder Judiciário – DÉBORA 72

30. O CRIME ORGANIZADO E PROPOSTAS PARA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 74

31. - Influência dos cursos de Direito no processo de seleção das carreiras jurídicas 78

32. CASUÍSMO DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 80

a) Conseqüências do Casuísmo no Direito Penal 80

33. A ANENCEFALIA E O DIREITO 82

Anencefalia: conceito. 82

34. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - INTERCEPTAÇÕES DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS: LIMITES E POSSIBILIDADES NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL VIGENTES 86

35. VIDEOCONFERÊNCIA (NO PROCESSO PENAL) 89

36. 39. A Atuação do Parquet nos 20 anos da Constituição da República 91

37. 40.  Ministério Público nos 20 anos da cidadania – DÉBORA 93

38. A ATUAÇÃO DO MP CONTRA A CORRUPÇÃO E O QUE VOCÊ TEM A VER COM A CORRUPÇÃO? 95

39. O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO FATOR DE REDUÇÃO DE CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DA PAZ SOCIAL. ÁREA CRIMINAL: JUSTIÇA PENAL E PACIFICAÇÃO 98

40. 46. O MP como fator de redução de conflitos e construção da paz social: Áreas da Política Institucional e Administrativa – Interação corporativa e responsabilidade funcional como condição de fortalecimento  institucional. 100

41. 41. A Aproximação do Ministério Público com a sociedade – DÉBORA 103

42. 48.  O Ministério Público na Tutela do SUS 105

43. 49.  O MP e a Proteção do Idoso 108

A atuação do Ministério Público na Proteção dos direitos do idoso. Roberta Terezinha Uvo. Atuação – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. V.4, n. 8, jan/abr. 2006 – Florianópolis – pp. 123 a 132. 110

44. 50 - A atuação do Ministério Público Estadual na proteção do meio ambiente 111

45. 41. A evolução do Ministério Público e a responsabilidade ambiental – DÉBORA 113

46. DEONTOLOGIA 114

47. 53. MINISTÉRIO PÚBLICO: ESTRUTURA, ORGANIZAÇÃO E FUNÇÕES INSTITUCIONAIS – FELIPE 117

48. 54. NEPOTISMO – FELIPE 119

49. 55. Reformas no Processo Penal – MÁRCIA 122

50. 56. Ações Afirmativas e Política de Cotas na Educação 127

51. PLANO GERAL DA ATUAÇÃO 130

52. SANEAMENTO BÁSICO 134

53. LEI MARIA DA PENHA 137

54. Nova súmula vinculante garante acesso aos autos - Caroline 140

55. Alimentos Gravídicos: Aspectos da Lei 11.804/08 - Caroline 142

56. ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS 143

57. UNIÃO HOMOAFETIVA 146

58. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA 148

59. SERVIÇOS PÚBLICOS E PRIVATIZAÇÃO – Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) 151

60. SÚMULA VICULANTE 153

61. A prova ilegal no Processo Penal. 155

62. Relativização da coisa julgada material. 158

63. A defesa do consumidor como elemento de fortalecimento da cidadania 160

64. A revisão jurisprudêncial do STJ sobre o alcance objetivo e subjetivo dos efeitos da sentença coletiva 162

65. A LEI MARIA DA PENHA E A ATIVIDADE DO MP 166

66. PRESSUPOSTOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 168

67. O tema que me foi confiado é afeto à tutela do idoso em situação de risco e o Ministério Público. 171

68. LIMITES DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO 174

69. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: LIMITES NA APLICAÇÃO PELO MP 177

70. O CONSELHO NACIONAL DE POLÍCIA E O CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 179

71. O instituto da falência e a ação de cobrança 181

72. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 182

73. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E PRISÕES PROCESSUAIS 190

74. COMPATIBILIDADE ENTRE O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E AS PRISÕES CAUTELARES. 193

75. A PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA E O MINISTÉRIO PÚBLICO 197

76. A redução da maioridade penal 199

77. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: AFASTAMENTO DE AGENTE PÚBLICO - PODER GERAL DE CAUTELA 201

78. LEI MARIA DA PENHA 203

79. O MP E O CUMPRIMENTO EFETIVO DAS DECISÕES JUDICIAIS 205

80. RESIDÊNCIA DO PROMOTOR DE JUSTIÇA 207

81. Tributação Ambiental: Princípio do preservador premiado ou protetor-recebedor 209

82. 14 - Lei de Responsabilidade Fiscal e a atuação dos municípios. -  Thiago 213

83. OS MEMBROS DO MP COMO AGENTES POLÍTICOS 215

84. UM NOVO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO PARCIAL 218

85. ATO INFRACIONAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA 224

86. Sistema PRISIONAL 228

87. atuação social do mp 231

88. DIFERENÇA DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM RELAÇÃO À DEFENSORIA PÚBLICA 233

89. O ECAD E A FISCALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 236

90. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 240

91. Fungibilidade das Tutelas de Urgência 245

92. O MINISTÉRIO PÚBLICO COM A IMPRENSA 248

93. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 250

94. INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 253

95. O Ministério Público e o Planejamento Urbano 256

96. Reflexos da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, nas Justiças Militares Estaduais 259

97. Relacionamento do mp com o poder judiciário 263

98. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA 265

99. A importância do SUS e a sua implementação 269

100. TRANSGÊNICOS E O DIREITO À INFORMAÇÃO 271

101. Tribunal do Júri 273

102. O uso de algemas - GIAN 277

103. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 281

104. O MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA A CORRUPÇÃO 284

105. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 286

106. OFENSAS NO JÚRI 289

107. O Ministério Público e o Planejamento Urbano 291

108. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 293

109. DEFESA DOS VULNERÁVEIS 297

 

1. A IMPORTÂNCIA DA CONAMP NA EVOLUÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Disponível em http://www.conamp.org.br/index.php?a=conamp_historico.php.

 

 

A história da CONAMP nasce no final dos anos 60. O país vivia sob a ditadura militar quando o presidente Castelo Branco enviou ao Congresso Nacional um projeto de Constituição, que resultaria depois na Carta de 1967.

Em um período de censura, corria-se o risco de que se centralizasse o modelo do Ministério Público, e que se tivesse o padrão do Ministério Público Federal - o que não convinha aos Estados. Na época, não existia a concepção de que o Ministério Público se dedicasse exclusivamente à defesa da sociedade, o que acabava induzindo o legislador a seguir o modelo federal: o Procurador da República era, ao mesmo tempo, membro do MP e Advogado da União. Um modelo prejudicial, pois o advogado representa o cliente. E o Ministério Público não poderia representar a vontade do Governo e, ao mesmo tempo, defender interesses sociais colidentes com as pretensões do governante. Promotores de Justiça não concordavam com isso.

Por este motivo, enquanto o projeto da Constituição de 67 tramitava no Congresso, membros do Ministério Público estiveram em Brasília para tentar manter os direitos e prerrogativas já assegurados a eles pela Legislação então vigente. Percebeu-se então a necessidade de um organismo de representação nacional, para que os Promotores se fizessem ouvir.

As Associações Estaduais passaram a trocar mais informações, a se unir em um momento em que a palavra autonomia do Ministério Público não era muito receptiva. O Estado do Rio de Janeiro fazia anualmente um congresso, convidando Promotores de todo o Brasil. Foi em um destes encontros que nasceu a idéia de se fundar uma entidade que reunisse todas as Associações do MP do país.

Em 1971, a entidade foi fundada em Ouro Preto, Minas Gerais, para que houvesse cada vez mais um aperfeiçoamento institucional e fosse promovida a defesa dos direitos e interesses gerais dos Promotores. Os pioneiros foram João Lopes Guimarães, Oscar Xavier de Freitas, Lauro Guimarães, Amâncio Pereira, José Cupertino e Castellar Guimarães, Pedro Iroíto, Valderedo Nunes, Massilton Tenório e Jerônimo Maranhão.

O primeiro nome foi Confederação das Associações Estaduais do Ministério Público - CAEMP. Mais tarde, com a adesão dos ramos do Ministério Público da União, o nome mudou para Confederação Nacional do Ministério Público - CONAMP. Recentemente, a entidade, buscando alcançar legitimação para propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade - Adin's, mudou a natureza jurídica e passou a chamar-se Associação Nacional dos Membros do Ministério Público. Mas manteve a sigla CONAMP, por já estar consagrada na história da instituição.

A união de Promotores por meio das Associações e o nascimento da CONAMP levaram o Ministério Público a inúmeras conquistas: em 1981, a Lei Orgânica Nacional do MP (Lei Complementar 40) – a primeira que unificou a organização dos MPs nos Estados.

Em 1985, veio a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347), que conferiu legitimação para o Ministério Público atuar na defesa dos interesses difusos e coletivos.

Já em 1988, o Ministério Público passou a ser uma instituição independente e defensora dos interesses da sociedade, como prevê a Constituição. Muitos estados tiveram dificuldade de adotar o modelo implantado pela Lei Maior, principalmente no que se referia às autonomias administrativa e financeira. Vieram, então, em 1993, a nova Lei Orgânica Nacional - Lei 8.625, dispondo sobre normas gerais para organização do Ministério Público dos Estados e a Lei Complementar 75, sobre a organização, as atribuições e o Estatuto do Ministério Público da União. Ambas regulamentaram os avanços obtidos com a nova Carta Política.

Após um período de conquistas e com a consolidação do Ministério Público, foi inevitável o aparecimento de reações contra a instituição e tentativas de se diminuir as atribuições dos Promotores e Procuradores, como a "Lei da Mordaça”, que pretende inibir a atuação livre e independente do MP. Por isso, a CONAMP hoje entra numa nova luta, exercendo um papel de vigília permanente para a manutenção das prerrogativas e atribuições de defesa da sociedade.

 

2. O USO DE ALGEMAS - GIAN

 

Inicialmente, cumpre mencionar que embora frequente o uso de algemas na atividade policial repressiva e na rotina de condução de pessoas presas, visando sempre à manutenção da segurança da população, a verdade é que nossa legislação processual penal, até o presente momento, não disciplinou a utilização do objeto em questão, sendo omisso, nesse particular, o nosso Código de Processo Penal. Registre-se que a única referência expressa na legislação, no que diz repeito às algemas, foi taxada no art. 199 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), dispositivo que remete a regulamentação de seu emprego à emissão de decreto federal, o qual jamais restou elaborado.

Diante da situação lacunosa instalada no que toca ao uso de algemas, a possibilidade de emprego do objeto começou a ser analisada por intermédio de interpretações doutrinárias dos institutos jurídicos em vigor, mas respeitando, principalmente, a disciplina trazida no art. 5º, incisos III (2ª parte) e X, da Constituição Federal, dispositivos estes que proíbem a submissão do agente a tratamento desumano e garantem o direito à intimidade, à imagem e à honra. Vale lembrar que a Carta Magna, em seu art. 1º, prevê como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, regra da qual decorrem os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Nesse mesmo passo, convém trazer à tona que as regras mínimas da ONU a respeito do tratamento de prisioneiros, quando trata dos instrumentos de coação, estabelecem que o uso de algemas jamais poderá ocorrer como medida de punição. Inexiste dúvida de que as regras mínimas da ONU não possuem a natureza de norma cogente, mas indubitavelmente serviram como parâmetro para a interpretação da validade do emprego das algemas.

Por outro lado, mesmo não fazendo menção expressa no que refere ao uso de algemas, o Código de Processo Penal, em alguns dispositivos, admite a utilização de força física, desde que a estritamente necessária, nos casos de resistência à prisão ou tentativa de fuga, conforme previsão dos art. 284 e 292 da lei em comento. Dessa maneira, partiu-se do entendimento de que, quando realmente necessário o uso de força, a utilização de algemas poderia ser aceita, a fim de impedir fuga ou conter a violência de pessoa que está sendo segregada. Constata-se, assim, que o emprego do objeto em ações policiais sempre foi tratado de modo excepcional, nas situações relacionadas.

De acordo com o entendimento firmado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) por vezes entendeu que não existiria constrangimento ilegal no uso de algemas, quando necessárias para a ordem dos trabalhos e à segurança da população. Em contrapartida, havia entendimentos na jurisprudência no sentido da anulação de sessões de julgamento pelo Tribunal do Júri, quando da utilização de algemas sem a necessidade fundada na possibilidade de fuga do agente.

Foi assim que, considerando a omissão legal no que toca à possibilidade de utilização de algemas, além da superveniência de decisão no sentido da anulação de julgamento perante o Tribunal de Júri da comarca de Laranjal Paulista/SP, por ter havido o uso abusivo do objeto (HC nº 91.952-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 7/8/2008), o Supremo Tribunal Federal acabou editando, no dia 13 de agosto de 2008, a Súmula Vinculante nº 11, que possui o seguinte teor: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência ou de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. Portanto, logo se nota que a posição tomada pelo Supremo, quando da elaboração do enunciado da Súmula Vinculante nº 11, veio apenas referendar os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais atinentes à possibilidade do uso de algemas.

Atente-se a patente pertinência das decisões tomadas pelo Supremo, no que diz respeito à anulação do julgamento e edição da Súmula Vinculante nº 11, pois objetivam, sem dúvida, a adequação e coerência na interpretação do uso da algema, além da prevenção ao cometimento de abusos diuturnamente cometidos por agentes policiais no exercício de suas atividades. É bem verdade que tal medida deveria ser tomada no âmbito legislativo ou valendo-se do que a Lei de Execução Penal dispõe acerca da regulamentação do tema, entretanto, não se questiona o objetivo buscado pela Suprema Corte, no sentido de dar concreção aos direitos dos presos, em especial o direito ao resguardo de sua dignidade humana e de sua intimidade. Mencione-se que tal parâmetro serviu como base para vários precedentes do Supremo Tribunal Federal, em casos dessa natureza.

Examinando, ainda que superficialmente, o teor da Súmula Vinculante nº 11, percebe-se que o entendimento firmado pelo STF parte de três requisitos básicos, justificadores do uso de força e, em consequência, do emprego de algemas, quais sejam: a) a indispensabilidade dessa medida; b) a necessidade do meio utilizado; c) a justificação, consubstanciada para a defesa ou para vencer a resistência. Assim se denota a imprescindibilidade da concomitância desses três elementos para tornar legítimo o uso de algemas.

Ressalte-se a preocupação no que pertine à observância dos termos trazidos na Súmula Vinculante nº 11, a fim de que não sejam cometidos abusos, pois: a) eventual abuso constitui crime; b) o desatendimento dos requisitos poderá importar violação ao princípio de presunção de inocência; c) a dignidade da pessoa humana é princípio expresso na Constituição Federal. Portanto, o cuidado do Supremo Tribunal Federal foi no sentido de taxar que não se proíbe o uso de algemas, mas sim o seu abuso, sendo que estabeleceu parâmetros visando à verificação de eventual excesso, circunstância que tornaria a prisão ou a medida ilegal.

Nesse ponto, importante aduzir que a prisão, mesmo que legal, torna-se humilhante e até mesmo vexatória quando há abuso no uso de algemas, sendo que a previsão não autoriza esse tipo de constrangimento. Desse modo, o uso de algemas deve ficar restrito aos casos extremos de resistência e oferecimento de real perigo por parte do preso. Havendo excesso, poderá estar configurado crime de abuso de autoridade, nos termos do arts. 3º, alínea “i” (atentado contra a incolumidade do indivíduo) e 4º, alínea “b” (submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei), ambos da Lei nº 4.898/65.

Por essas razões, que o teor da Súmula Vinculante nº 11 previamente controlou eventual excesso no emprego das algemas, tendo em vista que obriga a fundamentação escrita do modo excepcional que justificará o uso do objeto. Havendo irregularidade nesse ponto, referente à desnecessidade da utilização de algemas, poderá, inclusive, ser tratava a prisão em flagrante como ilegal, importando imediato relaxamento.

Relevante, por fim, apontar que mesmo diante da preocupação tomada pelo STF quanto ao alcance da Súmula Vinculante nº 11, o subjetivismo de seus termos poderá gerar discussões no momento do exame do caso concreto, especialmente no que toca aos limites dos requisitos    de indispensabilidade, necessidade e justificação.

Concluindo, no entanto, deve-se dar todo crédito ao Supremo, pois a Súmula Vinculante nº 11 veio inspirada pelo elogiável intenção de evitar o aviltamento da dignidade da pessoa humana de indivíduos presos, evitando 

excessos e constrangimentos desnecessários.

3. RELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COM OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

A relação do Ministério Público com os meios de comunicação social pode ser analisada sob duas óticas distintas:

1) o papel do Ministério Público no controle dos meios de comunicação social e;

2) o papel da mídia como instrumento de legitimação social do Ministério Público.  (mais importante e que gera mais desconforto aos que detêm o poder político e econômico).  

1) Após os anos setenta, a mídia tem cada vez mais exercido um papel predominante na formação de opinião pública por dificultar a formação do senso crítico e massificando determinado pensamento. A mídia faz caminhar a imagem do mundo como um todo, com a capacidade de alterar conteúdos e a própria realidade de um determinado fato. Esta característica faz surgir a preocupação com o controle dos abusos nos meios de comunicação. Em nosso ordenamento jurídico, tivemos recentemente dois modelos de controle dos meios de comunicação social: o controle total, caracterizado pela censura do regime ditatorial pós-1964 e a fase de liberdade de imprensa, percebida com o advento da CF/88, e caracterizada apenas pelas recomendações de caráter etário.

Nesta fase em que estamos vivendo percebe-se que o relaxamento do controle dos meios de comunicação fez com que fatores econômicos ditassem as regras da seleção da programação das rádios e canais televisivos, o que por seu turno desvinculou o seu conteúdo do interesse público. Por exemplo, o papel da televisão não é mais o de informar, mas sim, como toda empresa, vender os seus espaços de propaganda. 

Neste sentido o Ministério Público, em face de suas funções institucionais de proteção dos interesses sociais preconizadas pela CF/88, possui legitimidade para exercer o controle dos meios de comunicação social, buscando adequar os excessos das programações aos padrões de normalidade e respeito aos direitos e interesses previstos na Constituição Federal. 

Exemplos desta atuação podem ser sentidos nas ações tomadas pelo Ministério Público:

a) Programa do Ratinho exibido pelo SBT viesse a se adequar aos padrões ditados pela ordem pública, especialmente no que concerne ao respeito à dignidade humana. 

b) Filme Calígula – ofensa ao direito das crianças e dos adolescentes;

c) mais recentemente, a condenação na editora Abril S/A em ação civil pública movida pelo Ministério Público de Santa Catarina porque ela divulgou anúncio de circulação nacional intitulado “filhota”. No a anúncio, uma menina obtém autorização do pai para fazer "sexo selvagem" e acordar "a vizinhança toda";

d) igualmente, a condenação da empresa de telefonia Claro, postulada pelo Ministério Público de Santa Catarina, porque veiculou publicidade considerada abusiva. Na peça publicitária, o menino chama o pai de "picareta", porque teria adivinhado o valor da fatura telefônica que a mãe manuseia.

2) Devido às atribuições definidas para o Ministério Público pelo texto constitucional resta claro que este se tornou um dos mais importantes agentes políticos que compõe nossa estrutura social. Esse fato impõe ao parquet um relacionamento estreito com a sociedade, principal destinatária de sua atuação. 

Por isso, deve o Ministério Público divulgar didaticamente sua atuação e demonstrar o sentido e a finalidade de suas ações. O membro do Ministério Público deve considerar que a maior parte da população não tem o mínimo conhecimento de seus direitos básicos e, neste sentido, a divulgação didática e importância de sua atuação, além de legitimar a instituição perante a sociedade também cumpre uma finalidade social, que é a dar à sociedade o conhecimento mínimo de seus direitos e deveres. 

Porém, essa divulgação por meio da imprensa das atuações do Ministério Público deve ser pautada pela precaução e cautela, principalmente quando se tratar de ações penais ou relacionadas à improbidade administrativa. 

É que a imprensa tem o poder de distorcer, ainda que involuntariamente, o sentido das informações apresentadas pelo membro do Ministério Público. Além disso, as informações oferecidas pelo membro do Ministério Público à imprensa podem dar início a chamada publicidade opressiva, que pode estigmatizar uma pessoa inocente perante a sociedade. 

Não faltam exemplos de julgamentos antecipados pela mídia, destacando-se no cenário nacional o caso da Escola Base de São Paulo . O direito à imagem e à intimidade dos “investigados” é o principal argumento contra a divulgação das investigações para os meios de comunicação social e destes para o público. Com a cautela necessária, o membro do Ministério Público evita de ser taxado de autoridade-show e não compromete a imagem da instituição como um todo.  

Outra crítica sofrida pelo Ministério Público está relacionada ao abastecimento da imprensa com notícias de crimes e investigações, que depois são utilizadas pelo próprio Ministério Público como “prova” nas ações que ajuíza. Ou seja, alimenta a imprensa e depois se vale dela para justificar suas ações.   

Os abusos cometidos e das críticas recebidas nasce a vontade política de restringir o campo de atuação do Ministério Público e limitar sua relação com os meios de comunicação social, como, por exemplo, a lei da mordaça, que estipula sanções penais ao agente público que “revelar (...) ou permitir, indevidamente, que cheguem ao conhecimento de terceiro ou aos meios de comunicação fatos ou informações de que tenha ciência em razão do cargo e que violem o sigilo legal, a intimidade, a vida privada e a honra das pessoas”. 

Disso tudo, pode-se concluir que:

a) No controle dos abusos dos meios de comunicação social o membro do Ministério Público deve se pautar pelos termos da lei, pelo interesse público e pela própria convicção.

b) No uso da mídia como instrumento de legitimação da atuação do Ministério Público, o Promotor ou Procurador de Justiça deve agir com cautela e 

procurar sempre fazer deste um canal em benefício da sociedade e da 

 

própria instituição. 

 

4. 5. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO ALTERNATIVA À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - GIAN

De início, necessário mencionar que o Ministério Público é classificado na Constituição Federal como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal). Nessa linha, o art. 129 da Carta Magna arrola várias funções institucionais do Ministério Público, inerentes à natureza da instituição, as quais são simetricamente dispostas nas leis correlatas, referentes ao órgão e a sua atuação em juízo. Muito embora a legislação discipline o exercício de atividades que se empreendem essencialmente em juízo, o Ministério Público também possui instrumentos efetivos na esfera extraprocessual, revelando-se parcela substancial da atuação ministerial.

Sempre que possível, é preferível que o Ministério Público atue extraprocessualmente, de modo a evitar o dificultoso caminho das ações judiciais. Mais que simples recomendação, tal atuação é dever do membro do Ministério Público. Nesse ponto, disciplina o art. 82, inciso IV, da Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina que: “são funções institucionais do Ministério Público, nos termos da legislação aplicável, realizar audiências públicas sobre temas afetos a sua área de atuação, visando dirimir, prevenir conflitos e buscar soluções, envolvendo a sociedade civil e os setores interessados”. Da mesma forma, prescreve o art. 81 da referida lei: “o órgão do Ministério Público, nos inquéritos civis ou nos procedimentos administrativos preparatórios que tenha instaurado, e desde que o fato esteja devidamente esclarecido, poderá formalizar, mediante termo nos autos, compromisso do responsável quanto ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ou das obrigações necessárias à integral reparação do dano, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”. Atente-se que existem disposições correlatas na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e na Lei do Ministério Público da União, sedimentando a atuação extraprocessual da instituição.

Como decorrência da obrigação institucional de defesa do regime democrático, o órgão do Ministério Público deve exercer sua atuação extraprocessual observando dois aspectos em especial: a) colaborando com o processo de organização da sociedade civil; b) implementando o contato com a sociedade. No que diz respeito à colaboração na organização social, o órgão ministerial deve manter relação próxima com entidades que tenham objetivos relacionados a suas funções institucionais, as quais fornecerão ao Ministério Público informações, subsídios e orientações técnicas para o aprimoramento da instituição. Com relação à aproximação com a sociedade, cumpre ao membro Ministério Público manter contato constante com associações de moradores, sindicatos, comunidades de base ou qualquer outro agrupamento organizado de cidadãos que busque a defesa de direitos ou a realização de um fim social. Nesse aspecto, vê-se, frequentemente, a atuação ministerial na realização de audiências públicas, com objetivo de solucionar problemas que afetam diretamente a comunidade.

De outra parte, necessário referir que os principais focos desta atuação extrajudicial são conflitos envolvendo interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, os quais por vezes são solucionados por meio dos compromissos de ajustamento de condutas. É bem verdade que a esta atuação preventiva da instituição não fica circunscrita a atividades na defesa de interesses difusos e coletivos, pois o órgão ministerial também terá a oportunidade de atuar previamente em outras áreas. São exemplos a defesa de interesses individuais indisponíveis, ainda que não homogêneos (p. ex., num conflito envolvendo a prestação de alimentos a menor, bem poderá o Ministério Público referendar um instrumento de transação entre o devedor da prestação e o representante do menor, o qual terá a natureza de título executivo extrajudicial, nos termos do art. 585, inciso II, do Código de Processo Civil). Pode-se citar, ainda, sua atuação na área dos direitos da criança e do adolescente, por intermédio da concessão da remissão, antes mesmo de iniciado o processo judicial para a apuração de ato infracional, o que acarreta exclusão do processo em tela, na forma do disposto no art. 126 da Lei nº 8.069/90.

Vamos nos fixar, entretanto, nos conflitos que envolvem os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, tendo em vista constituírem o campo onde a atuação do Ministério Público, como alternativa à prestação jurisdicional, se encontra mais desenvolvida.

Nesse particular, o primeiro caso de atuação extrajudicial do Ministério Público que se tem notícia, envolvendo interesses dessas espécies, ocorreu em 1980 e ficou conhecido como o caso da “Passarinhada do Embu”, referente a uma ação civil pública movida contra Prefeito da cidade, que havia oferecido a seus correligionários um churrasco de cinco mil passarinhos. Após a condenação definitiva do Prefeito no processo de conhecimento, transacionaram as partes – Prefeito e Ministério Público –, durante o processo de execução, no sentido de que o pagamento da condenação seria realizado em diversas parcelas, assegurado o recolhimento de juros e correção monetária.

Ainda não possuíamos na época, contudo, legislação que legitimasse a transação destes direitos, o que era essencial, tendo em vista que, tratando-se de interesses transindividuais, em tese, não poderiam os legitimados extraordinários disporem sobre o conteúdo material da lide. A consagração da possibilidade excepcional de transação nessas espécies de ações surgiu somente com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, que em seu art. 211 dispôs que os órgãos públicos legitimados poderiam tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual teria eficácia de título executivo extrajudicial. A atuação preventiva, contudo, era limitada à resolução de conflitos envolvendo crianças e adolescentes. Entretanto, não tardou para que adentrasse em nosso ordenamento jurídico o Código de Defesa do Consumidor, legislação que, ao inserir um novo parágrafo ao art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, permitiu fosse celebrado compromisso de ajustamento em matéria relacionada à tutela de qualquer interesse transindividual.

Portanto, a transação nas ações para defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos ganhou nome especial: compromisso de ajustamento de conduta. Ressalte-se que tal instrumento de atuação preventiva não é exclusivo do Ministério Público, podendo dele se utilizar qualquer dos órgãos públicos legitimados à ação civil pública ou coletiva.

Assim, as principais características do compromisso de ajustamento de conduta são as seguintes: a) é tomado por termo por um dos órgão públicos legitimados à ação civil pública (por isso muitas vezes os operadores jurídicos a ele se referem como termo de ajustamento de conduta); b) por meio dele o causador do dano assume obrigação de fazer ou não fazer ou mesmo de indenizar o dano, sob pena de multa cominatória, podendo, caso não honradas as obrigações pactuadas, ser executado; c) não são necessárias testemunhas; d) em regra, não é colhido nem homologado em juízo, o que não impede que venha a ser, caso a transação só ocorra após o ajuizamento da ação civil pública ou coletiva.

O compromisso de ajustamento de conduta, uma vez firmado pelo Ministério Público e independentemente de homologação do Conselho Superior da instituição, torna-se plenamente eficaz. Pode, porém, tratando-se de compromisso de ajustamento tomado antes da propositura da ação judicial, o Conselho rever o ato e, se entender insatisfatória a solução alcançada, determinar outras diligências no inquérito civil ou até mesmo determinar a propositura de ação civil pública por outro membro da instituição. Caso o compromisso tenha sido tomado após a propositura da ação judicial, ensina a doutrina que, entendendo-o o juiz inadequado, deve, em analogia com o disposto no art. 9º da Lei da Ação Civil Pública, remeter os autos ao Conselho Superior do Ministério Público.

Cabe consignar que, após tomado o compromisso de ajustamento de conduta, deve o Ministério Público velar pelo seu efetivo cumprimento e, em caso de não observância dos termos pactuados, aí sim buscar a tutela estatal por meio de processo de execução.

Concluindo, resta clara a atuação do Ministério Público como alternativa à Prestação Jurisdicional, sendo que sua atividade pode partir de diversas possibilidades, das quais se destaca o compromisso de ajustamento de conduta.

5. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Com o advento da Constituição Federal de 1988, surgiu em nosso ordenamento um novo Ministério Público, voltado para o exercício de relevantes atribuições na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses individuais indisponíveis.

Nesse contexto, dentre as várias funções institucionais atribuídas ao Ministério Público, encontradas no art. 129 da Constituição Nacional, destaca-se o exercício do controle externo da atividade policial, objetivando, assim, a fiscalização de atos que digam respeito à chamada "polícia judiciária" e à apuração de infrações penais, quando exercidas pela Polícia Civil. Pode, ainda, o Ministério Público, excepcionalmente, controlar as atividades da Polícia Militar, desde que esta esteja atuando na função de polícia judiciária repressiva, como nos casos do Inquérito Policial Militar.

Tal função institucional e constitucional fundamenta-se na defesa da ordem jurídica e, principalmente, na defesa do regime democrático, e tem por origem abusos cometidos pela polícia durante o período da Ditadura Militar.

No Estado Democrático de Direito, é de fundamental importância a participação efetiva de uma instituição capaz de conter os arroubos autoritários verificados em face do Estado. Daí a função do Ministério Público no controle da atividade policial, fazendo com que esta atue sempre pautada nos princípios constitucionais e legais regentes do inquérito policial, salvaguardando a sociedade de quaisquer medidas que tendam à violação de direitos constitucionais sociais e individuais indisponíveis.

Com este desiderato, a Constituição Nacional garante à instituição ministerial sua independência funcional, tendo o constituinte originário desmembrado o liame que a vinculava e a subordinava ao Executivo, conforme previa o ordenamento constitucional anterior.

Com a edição da Carta Constitucional de 1988, coube ao Ministério Público a titularidade exclusiva da Ação Penal Pública, com a única ressalva da Ação Penal Privada Substitutiva, na hipótese de omissão daquele. Daí porque ser o maior interessado na verificação da normalidade e eficácia com que se procedeu ao procedimento investigatório do delito, diga-se, o Inquérito Policial, do qual se servirá para formação de sua opinio delicti, para eventual propositura da peça acusatória.

O controle externo da atividade policial tem a exata dimensão da atribuição dominus litis, permitindo-se afirmar que nem todas as atividades praticadas pela Policia Civil estão sob a tutela deste controle. Não há, portanto, poder disciplinar. Em tais casos, a própria Administração Pública detém o poder de controlar os seus próprios atos, através da chamada autotutela administrativa, consoante entendimento evidenciado pela súmula 473 do STF: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, por que deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".

Por duas razões básicas a Constituição Federal conferiu ao Ministério Público o controle externo da atividade policial. Primeiramente, para garantir a qualidade da investigação, estando o Parquet na condição de seu destinatário imediato, principalmente no que se refere à fidelidade e voluntariedade dos testemunhos, bem como para dar maior valoração à prova técnica, visando revestir o inquérito policial de elementos fortes de convencimento, e suficientes à propositura da ação penal. Ou seja, o controle externo deve ser entendido como um instrumento de realização do jus puniendi. Seu objetivo é dar ao Ministério Público um comprometimento maior com a investigação criminal e, consequentemente, um maior domínio sobre a prova produzida, a qual lhe servirá de respaldo na denúncia, sempre na busca dos elementos indispensáveis para a instrução do processo. Além disso, Constituição da República, ao conferir ao Ministério Público a atribuição do controle externo, teve em vista a teoria da separação de poderes, conjugada com a teoria de freios e contrapesos.

Encontram-se, na Lei Complementar n.º 75, de 25/05/93, e na Lei n.º 8.625, de 12/06/93, vários dispositivos que tratam, direta ou indiretamente, do controle externo, pelo órgão ministerial, das atividades policiais. Saliente-se que as regras referentes ao Ministério Público da União são subsidiariamente aplicáveis aos Ministérios Públicos dos Estados, por expressa disposição legal (art. 80, Lei 8.625/93).

Regulamentando o art. 129, VII, da Constituição Federal, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 20, de 28.05.2007.

No Estado de Santa Catarina, o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público está devidamente regulado pelo Ato 63/2006, da Procuradoria Geral de Justiça.

Incluem-se, entre as prerrogativas conferidas ao Ministério Público, ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais; ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial; representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder; requisitar à autoridade competente a instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial; promover a ação penal por abuso de poder.

Não se deve esquecer que, de acordo com o art. 129 de nossa Lei Maior, ao Promotor de Justiça cabe zelar pelos serviços de relevância pública. Sempre que observar abuso de poder praticado por policial ou qualquer omissão ao princípio administrativo da indisponibilidade do interesse público, deve ele atuar em defesa da ordem jurídica, usando dos instrumentos legais ao mesmo dispensados, tais como o uso de requisições, notificações e procedimentos administrativos, adotando, inclusive, as medidas cabíveis no âmbito administrativo e judicial.

Munido dos instrumentos legais supra, revela o Ministério Público sua importante responsabilidade de não apenas defender a ordem jurídica e a democracia, mas principalmente de atuar em defesa dos anseios da sociedade e na busca incessante pela promoção da justiça.

 

 

REFERÊNCIAS

 

TOLEDO NETO, Geraldo do Amaral. O Ministério Público e o Efetivo Controle da Atividade Policial. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2812.

PALADINO, Carolina de Freitas. Investigação pelo Ministério Público e controle externo da atividade policial: limites e possibilidades. Disponível em http://www.lfg.com.br.

FONTANELLA, Ricardo. Controle Externo da Atividade Policial. Disponível em www.mp.rr.gov.br/Intranet/pageDirectory/artigos/controleexterno.pdf.

LUZ, Rafael Meira e ZIESEMER, Henrique da Rosa Obrigatoriedade do inquérito policial: insegurança e retrocesso. Disponível em www.conamp.org.br/index.php?a=mostra_materia_capa.php&ID_MATERIA=2969.

6. 7. INQUÉRITO CIVIL - FELIPE

O inquérito civil foi introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 7.347/85, em seus arts. 8º, § 1º, e 9º. Com a boa receptividade que teve, foi constitucionalizado na mesma década pela Carta Magna de 1988, que, no art. 129, inciso III, previu-o como uma das funções institucionais do Ministério Público. Depois da promulgação da Constituição da República, alguns outros diplomas legais trouxeram a figura do inquérito civil, com textos semelhantes àquele da Lei da Ação Civil Pública. Foi o que fez a Lei nº 7.853/89 (dispõe sobre apoio a portadores de deficiência física), Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), Lei nº 8.628/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e Lei Complementar nº 75/2000 (Lei Orgânica do ministério Público da União). Com isso, o inquérito civil ampliou seu objeto, passando a ser o instrumento capaz de amealhar elementos para o ajuizamento de Ação Civil Pública, visando a defesa dos interesses individuais indisponíveis, além dos interesses individuais homogêneos, difusos e coletivos.

O inquérito civil é um instrumento administrativo, pré-processual, que se realiza extrajudicialmente. É privativo do Ministério Público, constituindo meio destinado a coligir provas ou quaisquer outros elementos de convicção, que possam fundamentar a atuação processual do Parquet. Em suma, é um procedimento preparatório destinado a viabilizar o exercício responsável da ação civil pública. Com ele, frustra-se a possibilidade, sempre eventual, de instauração de lides temerárias.

Além da exclusiva titularidade do Ministério público, o inquérito civil possui como características a facultatividade, a inquisitividade, a publicidade mitigada, a formalidade restrita e a auto-executoriedade. 

A instauração do inquérito civil não é obrigatória. Se o Ministério público possuir outros elementos de convicção para o ajuizamento imediato da ação civil pública (representação de terceiros, outros procedimentos administrativos, inquérito policial, etc), poderá fazê-lo. Em outras palavras, o inquérito civil é útil, mas não imprescindível para o ajuizamento da demanda.

Diz que o inquérito civil é inquisitivo, pois a ele não se aplicam os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Não se trata de processo administrativo (com possível aplicação de sanção ), mas procedimento preparatório.

A despeito de ser inquisitivo, o inquérito civil é público, em regra. Deve respeitar o princípio constitucional da publicidade (tanto em sua instauração quanto em seu arquivamento). No entanto, quanto à vista dos autos, pode-se determinar o seu sigilo por necessidade da própria investigação.

O inquérito civil possui, ainda, como característica a formalidade restrita. As normas que disciplinam sua instauração e tramitação têm caráter administrativo, de organização interna da própria instituição. Eventuais irregularidades não têm o condão de invalidar a ação civil pública ajuizada.

Por fim, o inquérito civil é auto-executável. Detém o Ministério Público o poder de realizar por si próprio as diligências investigativas ou de determinar sua realização diretamente a terceiros.

No tocante as fases do inquérito civil, têm-se: 1) instauração; 2) instrução; e 3) conclusão.

A instauração do inquérito civil, nos termos do art. 2º da Resolução n. 23 do CNMP, se dará: I – de ofício; II - em face de requerimento ou representação formulada por qualquer pessoa ou comunicação de outro órgão do Ministério Público, ou qualquer autoridade, desde que forneça, por qualquer meio legalmente permitido, informações sobre o fato e seu provável autor, bem como a qualificação mínima que permita sua identificação e localização; e III - por  designação do Procurador-Geral  de  Justiça,  do Conselho Superior  do Ministério Público, Câmaras de Coordenação e Revisão e demais órgãos superiores da Instituição, nos casos cabíveis. A instauração é feita por portaria (art. 4º da Res. 23 do CNMP).

N instrução, o Ministério Público detém amplos poderes para produzir provas suficientes para o aforamento da Ação Civil Pública. O órgão ministerial pode realizar as diligências investigativas ou determinar a sua realização diretamente a terceiros, sem a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário ou qualquer outro ente público. Dentre os poderes investigativos conferidos ao Parquet podemos citar: requisição de entrega de certidões e documentos, realização de exames e perícias, uso de força policial, poder de notificação para depoimentos e esclarecimentos, poder de inspeção e requisição de matérias protegidas por sigilo.

Possível, no bojo do inquérito civil, o Ministério Público expedir recomendação e firmar compromisso de ajustamento de conduta (art. 5º, § 6º, Lei 7.347/85).

As recomendações devem ser devidamente fundamentadas, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como aos demais interesses, direitos e bens cuja defesa lhe caiba promover (art. 15 da Res. 23 do CNMP). O compromisso de ajustamento de conduta, por sua vez, é firmado com o responsável pela ameaça ou lesão aos interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais indisponíveis, visando à reparação do dano, à adequação da conduta às exigências legais ou normativas e, ainda, à compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam ser recuperados (art. 14 da Res. 23 do CNMP).

Na conclusão do inquérito civil, ou ele é arquivado (art. 9º da Lei 7.347/85) ou o Ministério Público ajuíza a ação civil pública.

Esgotadas todas as possibilidades de diligências, caso se convença da inexistência de fundamento para a propositura de ação civil pública, o membro do Ministério Público promoverá, fundamentadamente, o arquivamento do inquérito civil (art. 10 da Res. 23 do CNMP). Essa promoção de arquivamento deve ser submetida, em três dias, ao Conselho Superior do Ministério Público. Este órgão colegiado pode: 1) homologar o arquivamento; 2) converter o julgamento em diligências; e 3) rejeitar a promoção de arquivamento, designando outro membro para a propositura da ação.

De outro lado, havendo provas ou quaisquer outros elementos de convicção da lesão aos interesses e direitos difusos, coletivos ou individuais indisponíveis, o ajuizamento da ação civil pública é medida que se impõe.

No âmbito do Ministério Público catarinense, o inquérito civil está regulamento pelo ato 81/2008/PGJ.

Trata-se, portanto, de importante instrumento destinado privativamente ao Ministério Público. Mais do que um eficiente instrumento de investigação, o inquérito civil tem sido um meio extrajudicial de solução de conflitos, não só pela pactuação de compromissos de ajustamento de condutas, como também pela realização imediata, por parte dos infratores, de atos voltados à prevenção ou reparação de danos, em atendimento a solicitações informais apresentadas por membros da instituição.

 

7. 8. DESCRIMINALIZAÇÃO DO USO DE TÓXICOS

Droga é toda substância entorpecente que causa no homem alteração em seu estado psíquico, dando-lhe sensação de mudança da realidade.

Por convenção legal, no Brasil algumas são toleradas socialmente e outras não.

A Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, é a nova Lei Antitóxicos.

Essa lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção do usuário e dependentes de drogas, e estabelece normas para a repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito, além de definir ilícitos penais.

As Leis n. 6.368/76 e 10.409/02, que tratavam do tema, foram expressamente revogadas.

O tratamento jurídico dispensado ao usuário de drogas é um tema que, com a edição da Lei 11.343/06, em seu art. 28, tem sido foco de constantes críticas e ensejado posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais divergentes.

A descrição do tipo penal, embora tenha se mantido próxima da anterior (art. 16, da Lei 6.368/76), refere-se agora ao consumo pessoal de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal:

Lei n. 6.368/76, art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Lei n. 11.343/06, art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas.

 

Há posicionamento no sentido de que a posse de droga para consumo pessoal deixou de ser formalmente crime, bem como há entendimento a conduta continua a ser crime. Uma terceira tese, classifica-a como uma nova infração penal, ao lado das contravenções penais e dos crimes.

A primeira corrente, a discussão em volta da descriminalização do uso de drogas seria hipótese de abolitio criminis, para tanto, ele se vale do artigo 1º da LICP. Segundo Luiz Flávio Gomes, se crime é a infração penal punida com reclusão, a posse de droga para consumo pessoal (com a nova lei) deixou de ser “crime” porque as sanções impostas para essa conduta não conduzem a nenhum tipo de prisão. Tampouco passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa).

Para a segunda corrente (Capez e Nucci), o fato continua a ter a natureza de crime, na medida em que a própria Lei o inseriu no capítulo relativo aos crimes e as pena (Capítulo III), além do que as sanções só podem ser aplicadas por juiz criminal e não por autoridade administrativa, e mediante o devido processo legal (no caso, o procedimento criminal do Juizado Especial Criminal, conforme expressa determinação legal do art. 48, § 1º, da nova Lei), portanto, caráter de infração de ínfimo potencial ofensivo.

Há, ainda, uma terceira corrente, que sustenta que o art. 28 encerra nova infração penal, ao lado dos crimes e das contravenções penais, tendo sido operada uma “descriminalização branca”. Os defensores dessa tese afirmam que, em termos de Política Criminal, a Lei de Drogas não atendeu à corrente doutrinária que defendia a pura e simples descriminalização da conduta consistente no porte para uso pessoal de substância entorpecente. Mas, também não manteve a solução da lei anterior, que cominava pena privativa de liberdade para esse tipo de infrator.

Isto porque, a rigor, a conduta de porte para consumo pessoal não pode ser considerada crime ou contravenção, que são as duas espécies de infração admitidas em nosso sistema penal. Nos termos do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, crime é a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. 

Concluem asseverando que a Lei Antidrogas acabou criando uma nova espécie de infração criminal para a qual foram cominadas penas distintas da detenção e da reclusão. Assim, a partir de agora, nosso sistema penal estaria convivendo com duas espécies de crimes, quanto à natureza das penas cominadas. A conduta típica de consumir drogas seria o único crime não punido com pena de detenção ou reclusão, enquanto que todos os demais crimes, previstos no Código Penal ou nas leis especiais, continuariam legalmente classificados pela marca da pena privativa de liberdade.

Nada obstante as correntes contrárias, analisando-se os termos do dispositivo legal que trata do porte de drogas para consumo próprio, observa-se que o legislador, em vários momentos, sinalizou sua manutenção como crime, seja inserindo-o no Capítulo “Dos Crimes e das penas”, seja ao afirmar que quem cometer uma das condutas descritas no caput do artigo 28 será submetido às penas de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

E não há que falar em contrariedade ao art. 5º, XLVI, da Constituição da República, porquanto esse dispositivo prevê que “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes”.

A pena de advertência - até então, desconhecida do Direito Penal brasileiro - representa uma autêntica inovação, e consiste no esclarecimento, pelo juiz, ao condenado, sobre as conseqüências, nocivas à saúde, do uso de drogas. 

A pena de prestação de serviço à comunidade já integra o rol das penas restritivas de direitos previsto no art. 43, do CP.

Quanto à medida educativa de comparecimento a programa ou curso, trata-se de sanção penal nova. Deve o programa ou curso ser previamente habilitado para que a nova medida possa ser aplicada pelo juiz.

Desta forma, o fato de o art. 28 da Lei n. 11.343/06 não mais prever (assim como fazia a Lei n. 6.368/76) a aplicação de pena privativa de liberdade em caso de posse de droga para consumo pessoal, não lhe retira o caráter criminoso e punível do fato. 

O STF, no RE-QO 430105/RJ, cujo relator foi o Ministro Sepúlveda Pertence, adotou a segunda corrente, consolidando o entendimento doutrinário já prevalecente, de que o art. 28 da nova lei de drogas não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal. E, para tal conclusão, sustentou os seguintes argumentos: 

1. “O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII)”. 

2. “Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30)”. 

3. “Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30)”. 

 

Diante do exposto, conclui-se pela não descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal, continuando as condutas previstas no art. 28 da Lei 11.343/06, não obstante a não aplicação de pena privativa de liberdade, serem consideradas crimes e, como tal, penalizadas.

Nesse contexto, a Lei 11.343/06 apresenta o artigo 28 como uma medida despenalizadora mista, pois as hipóteses dos incisos I e III (advertência sobre os efeitos das drogas e comparecimento a programa ou curso educativo) configuram medidas despenalizadoras próprias ou típicas, pois afastam, por completo, a aplicação de uma pena – aplica-se uma medida educativa, e a hipótese do inciso II configura medida despenalizadora imprópria ou atípica, pois apesar de evitar a prisão, não afasta a aplicação de uma pena prevista na Constituição da República (art. 5º, XLVI, "d") e no Código Penal (art. 32, II, c/c art. 43, IV, CP) - prestação de serviços à comunidade.

Vale destacar, por fim, que o maior significado penal dessa alteração foi, sem, dúvida a opção por uma Política Criminal de rejeição da prisão como instrumento válido de resposta punitiva à conduta do consumidor de drogas.

 

 

Fontes:

http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/4460/Houve-descriminalizacao-da-posse-de-drogas-para-consumo-pessoal

http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2922/Politica-criminal-e-a-Lei-no-11343-2006-descriminalizacao-da-conduta-de-porte-de-drogas-para-consumo-pessoal

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8949

http://jusvi.com/artigos/37125

8. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA NO TRIBUNAL DO JÚRI

O tema a ser discutido é o pedido de absolvição pelo Promotor de Justiça no Tribunal do Júri.

 

Primeiramente, deve-se levar em consideração que o Promotor de Justiça não pode ser visto como acusador insano, querendo de todas as formas condenar o réu mesmo diante da comprovação efetiva de total irresponsabilidade pela prática do crime que lhe foi imputado.

 

Aliás, diante do novo Sistema Constitucional, compete ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme estabelece o art. 127, da Carta Magna, circunstância que evidencia a necessidade de os membros buscarem a efetivação da verdade processual e não a condenação de alguém a qualquer custo, incumbência habitualmente relegada aos assistentes de acusação. 

 

Os membros do Ministério Público não são acusadores autômatos, máquinas produzidas para, infalivelmente, acusar, tendo a obrigação primordial de zelar para que haja justiça nos julgamentos.

 

Existem abalizados julgamentos no sentido de que deve ser utilizada a regra exposta no art. 385, do Código de Processo Penal, que por extensão e na falta de outro dispositivo, aplica-se também ao processo dos crimes da competência do Júri.

 

Outrossim, o Promotor de Justiça precisa atuar com ética, analisando o réu não como mero objeto do processo, mas como sujeito de direitos para o qual a Constituição Federal previu uma série de garantias processuais que devem ser obrigatoriamente respeitadas.

 

Ademais, já se foi a época que o Promotor de Justiça era um cego e sistemático acusador público, perseguidor implacável do réu, profissional que representava a sociedade e tentava a todo custo a condenação, pouco importando que tivessem sido dadas ao acusado as condições plenas de provar a sua inocência. Ele não pode contribuir para a condenação de alguém, sem que para isso haja justa causa indiscutível, ou seja, uma consistência probatória tendente a efetivar a responsabilização penal absoluta do réu, principalmente ante a existência de um leque probatório à sua disposição.

 

A propósito, o Promotor de Justiça deve ser imparcial, pois ao mesmo tempo em que lhe cabe a condição de parte acusadora, deve promover e fiscalizar a lei, nos termos do art. 257, do Código de Processo Penal.

 

Embora a acusação pública seja feita em nome da sociedade, jamais pode ser movida por sentimentos de ódio ou vingança, deixando-se de lado a lógica jurídica e sustentando a acusação apenas numa eloqüência vazia de argumentação.

 

O verdadeiro papel do Promotor de Justiça é a busca incessante da justiça. Por isso, é seu dever propugnar pela verdade real, zelar cuidadosamente para que os julgamentos sejam imparciais, tentando evitar, assim, eventual erro judiciário.

 

Atue na área criminal ou não, o membro do Ministério Público deve procurar sempre a verdade, devendo conhecer com altivez, quando for o caso, a improcedência da sua pretensão.

 

Em face do preceito constitucional, a instituição do Ministério Público deve ser sempre legal e juridicamente democrática, cuidando para que haja coerência em todos os julgamentos, sejam eles proferidos pelo Juiz Singular ou pelo Tribunal do Júri, sendo certo que tais ações caracterizarão, sem sombra de dúvidas, o verdadeiro, real e responsável papel de guardião da Constituição da República e fiscal da lei.

 

Então, se estiver presente no julgamento em plenário do Júri qualquer causa que possa redundar na decretação da inocência do réu pronunciado por quaisquer dos crimes dolosos contra a vida, cumpre ao Ministério Público, operador do direito e defensor do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis (dentre os quais a liberdade de um cidadão que foi injustamente acusado da prática de um delito), postular sua absolvição, mesmo que ele seja condenado posteriormente pelo Conselho de Sentença.

Assim, estará cumprindo seu mister institucional, bem como tranqüilizando sua consciência, posto que a função de Promotor de Justiça não se coaduna com a possibilidade de ser cometida qualquer injustiça.

Concluindo, cumpre salientar que o próprio Montesquieu já deixou registrado que “a injustiça feita a um é uma ameaça feita a todos”.

(O texto acima foi extraído do material para a prova de Tribuna que foi elaborado pelos candidatos do Concurso do MP/SC de 2005). 

 

9. 10. OFENSAS IRROGADAS EM PLENÁRIO DO JÚRI E OS CRIMES CONTRA A HONRA

 

O Código Penal tipifica, nos artigos 139 a 140, os crimes contra a honra, que são: calúnia, injúria e difamação.

Honra é o conjunto de atributos morais, físicos e intelectuais de uma pessoa, que a tornam merecedora de apreço no convívio social e que promovem a sua auto-estima. Divide-se em: honra objetiva (sentimento que o grupo social tem a respeito dos atributos físicos, morais e intelectuais de alguém) e honra subjetiva (sentimento que cada um tem acerca dos próprios atributos).

O Código Penal pune quem caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime (calúnia); quem difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação (difamação); e quem injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro (injúria).

A calúnia e a difamação ferem a honra objetiva, sendo necessário à consumação o conhecimento de terceiros, enquanto a injúria atinge a honra subjetiva, consumando-se quando a ofensa chega ao conhecimento do ofendido.

O Código Penal prevê, no art. 142, algumas causas de exclusão da antijuricidade dos crimes de difamação e injúria, dentre as quais se destaca a do inciso I, também chamada de imunidade judiciária, segundo a qual não constitui injúria ou difamação punível a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador.

Quanto à natureza jurídica desse dispositivo, a doutrina diverge: o art. 142 contém causas excludentes de ilicitude; b) a hipótese é de inexistência do elemento subjetivo do tipo, afastando a tipicidade penal; e c) trata-se de causa excludente da punibilidade. Prevalece o entendimento de que o art. 142 elenca causas excludentes de ilicitude ou da antijuridicidade, de maneira que haverá o fato típico na injúria e na difamação, porém, nas hipóteses elencadas, ele não será antijurídico.

Essa excludente abrange tanto a ofensa oral, que pode ocorrer em Júris e debates em audiência, quanto a ofensa escrita, por meia de petições, alegações finais, recursos e outras peças processuais, desde que exista nexo entre a ofensa e a discussão da causa.

Vale destacar que o dispositivo abrange apenas ofensas feitas em juízo, que não consistam na imputação de crimes, porquanto apenas afasta a difamação e a injúria.

Ponto que precisa ser esclarecido refere-se aos limites subjetivos (ativo e passivo) da imunidade judiciária.

No que concerne aos limites subjetivos, é necessário que a conduta tenha sido praticada pela parte ou seu procurador, tal como dispõe expressamente o texto legal, ou pelo Ministério Público quando intervir como parte processual. Parte é qualquer dos sujeitos da relação processual: autor, réu, litisconsorte e interveniente etc.; procurador, por sua vez, é o representante legal da parte com capacidade postulatória, ou seja, o advogado, que "é indispensável à administração da justiça" (art. 133 da CF, 1a parte).

Ainda, no caso do Ministério Público, o art. 41, V, da Lei n. 8.626/93 (LONMP) prevê a inviolabilidade dos membros do MP pelas opiniões externadas ou pelo teor de suas manifestações processuais ou em procedimentos, nos limites de sua independência funcional.

Outros "agentes processuais", como, por exemplo, juiz, escrivão, perito, testemunha não estão acobertados pela imunidade judiciária, podendo, eventualmente, resguardarem-se pelo inciso III, na condição de funcionário público ou, ainda, pelo art. 23, III (1a parte), desde que ajam no "estrito cumprimento de dever legal".

Como o texto legal não refere que a injúria ou difamação deve ser dirigida contra a parte contrária ou seu procurador, não exclui a imunidade mesmo quando a ofensa é dirigida contra alguém estranho à relação processual (exemplo: testemunha, perito ou qualquer terceiro), desde que haja conexão com a causa em discussão. Essa ausência de restrição legal adequa-se ao princípio da ampla de defesa.

Há divergências apenas no tocante à ofensa ao juiz. Para alguns aí existiria o crime, por ser o magistrado imparcial e presidir o processo. Para outros não subsiste a ofensa uma vez que a lei não ressalva, além do que eventual ofensa, ainda que relacionada ao processo, poderia configurar desacato.

No caso dos advogados, o art. 133 da Constituição da República dispõe que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seu atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Essa lei era justamente o artigo 142, I, do Código Penal. Porém, com relação aos advogados, surgiu uma regra especial que se encontra no artigo 7º, § 2º, da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da OAB):

O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.

 

Trata-se de regra mais abrangente, pois exclui a injúria e a difamação até fora do Juízo estendendo-se à esfera policial, civil, comissão parlamentar de inquérito etc. Não ficando também restrita a causa sub iudice, bastando que esteja no exercício regular da advocacia. 

Por essa regra, aplica-se o art. 142, I, apenas a quem não exerce a advocacia, já que para estes prevalece o tratamento especial do artigo 7º, § 2º, do Estatuto da OAB.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 1127 e 1105 que questionavam diversos dispositivos do Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/94), julgou constitucional a norma que estabelece que no exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações. Todavia, derrubou a expressão “ou desacato” no parágrafo 2º do artigo 7º do Estatuto. Com essa decisão, o desacato passou a ser punido.

Quanto aos limites objetivos, a regra é a mesma para o Júri, para audiências ou mesmo no caso de ofensas em petições. Para que haja a exclusão, a ofensa deve relacionar-se diretamente com a causa em questão, ou seja, somente incidirá a excludente se a ofensa irrogada em juízo tiver nexo com a discussão da causa. Logo, dois requisitos precisam fazer-se presentes: a) que a ofensa seja irrogada em juízo; e b) que se relacione com a causa em discussão, havendo, necessariamente, relação causal entre o embate e a ofensa.

A excludente, neste caso, justifica-se por duas razões básicas: de um lado, para assegurar a mais ampla defesa dos interesses postos em juízo, sem o receio de que determinado argumento ou determinada expressão possa ser objeto de imputação criminal; de outro lado, a veemência dos debates, o ardor com que se defende esses direitos pode resultar, eventualmente, em alusões ofensivas a honra de outrem, embora desprovidas do animus ofendendi.

Em suma, deve-se ter em mente que é o ânimo de debater, movido pelo interesse público e pela utilidade processual, que justifica a exclusão do crime, e não de ofender a honra dos denunciantes, havendo limites à imunidade judiciária.

 

Fonte:

Capez

Sinopse 8

http://www.conjur.com.br/2006-mai-17/supremo_derruba_dispositivos_estatuto_advocacia

 

10. A INFLUÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA NO JULGAMENTO DO JÚRI

 

 

O funcionamento do Tribunal do Júri é pautado pela conjugação do entendimento do senso comum de justiça do homem, representado pelo jurado, com a aplicação técnico-jurídica do conhecedor do Direito (o Juiz togado). Sua essência reside, pois, não na idéia de que os leigos em Direito julgam melhor do que os conhecedores da técnica jurídica, e sim na lógica de que uma pena quase não deve ser aplicada enquanto a culpa não for manifesta aos olhos do senso comum.

Paralelamente a isso, tem-se o papel da imprensa na construção, solidificação e expansão da democracia, uma vez considerado que, inegavelmente, as informações veiculadas na mídia influenciam sobremaneira a opinião pública, como tal considerada o senso comum vigente na sociedade civil a respeito de um determinado assunto. Contudo, sem liberdade de imprensa certamente não há democracia. 

De todo modo, as relações entre imprensa e o Poder Judiciário nunca deixaram de ser conturbadas, e na geografia do Júri a questão adquire maior relevo, dada a emotividade em que ordinariamente são envolvidos os julgamentos em plenário. E isso possui um forte apelo junto à opinião pública. Mães de vítimas que pranteiam durante a sessão de julgamento; advogados que anunciam novos fatos bombásticos, capazes até de mudar o curso do processo; grupos organizados que mobilizam protestos, com faixas, cartazes e alto-falantes, defronte ao prédio do Fórum, e exigindo a condenação ou – o que é menos corrente – a absolvição do réu. Tudo isso é notícia, a matéria-prima da imprensa.

Some-se a essa observação a circunstância de que a imprensa possui uma função social, cumprindo-lhe noticiar adequadamente como se desenvolvem as atividades jurisdicionais, inclusive, um julgamento em plenário.

Ocorre que a imprensa desconhece, em todos os seus meandros, a estrutura e o modus faciendi da atividade jurisdicional. Em determinados casos, as cautelas legais, que em sua maioria se justificam em respeito aos princípios constitucionais garantidores de certos direitos aos réus, são confundidos com regalias e benesses concedidas graciosamente pelos magistrados. Daí origina-se uma distorção no conteúdo da informação levado ao cidadão que, por esse motivo, passa a formar uma opinião a respeito do assunto a partir de premissas equivocadas ou insuficientes.

Em verdade, a imprensa possui o poder de absolver ou condenar previamente um réu perante a opinião pública e, com isso, influir no convencimento dos jurados e na atuação da acusação e da defesa em plenário. Há sempre muitos interesses em jogo, principalmente em se tratando de casos que alcançam repercussão maciça. Em situações tais, quando a concorrência imprime entre os setores da imprensa uma verdadeira competição pela informação privilegiada, os chamados "furos de reportagem", a primeira vítima é sempre a verdade.

Tem-se tornado comum que repórteres e redatores de jornais, iludidos pelas primeiras aparências, no atabalhoamento da vida jornalística, cometam gravíssimas injustiças, lavrando a priori “sentenças” de condenação ou absolvição, que pesam na opinião pública e têm grande responsabilidade pelos veredictos.

Ora, poder-se-ia dizer justamente que, em razão do livre exercício do direito à informação, que de uma só vez assiste ao cidadão e ao agente de imprensa, não há controle algum sobre o conteúdo da notícia que se dá a respeito do aludido caso, de tal sorte que a imprensa, ou uma parte dela, poderá apresentar sem maiores obstáculos a sua própria versão, atribuindo desde logo a responsabilidade pelo delito ao réu ou, o que nem sempre acontece, absolvendo-o da acusação. 

Por esse motivo, cumpre à própria imprensa realizar um autocontrole prévio – o que em hipótese alguma se confunde com censura – a fim de preservar a imagem das pessoas submetidas a investigação ou julgamento em juízo e, principalmente, os valores intrínsecos ao processo criminal. Trata-se de entender que a atividade jurisdicional se realiza com sustentação em determinados princípios, tais como o do devido processo legal e o da presunção de inocência. Se o limite da legalidade se antepõe até mesmo ao julgador, com maior razão a premissa se aplica aos agentes de informação. 

A imprensa responsável está preocupada na mantença da ordem democrática, o que é vital para o seu livre desempenho, mas também deve estar consciente de que a liberdade de informação jornalística não pode ultrapassar os limites da legalidade, ameaçando e lesando direitos. Cabe à própria imprensa, pois, no nascedouro de suas publicações e edições, coibir abusos e excessos que constituam mácula à legalidade e aos princípios democráticos.

Se os jurados são prestigiados em nosso ordenamento pelo fato de julgarem com um "sentimento de justiça", torna-se importante que somente os fatos atinentes à causa sejam trazidos à sua apreciação, nunca as versões de determinados segmentos da imprensa, revestidos de aparente legitimidade em função da aquiescência que a opinião pública lhes outorga. A pressão da opinião pública afeta sobremaneira a atuação do jurado na sessão de julgamento, a tal ponto que, principalmente em casos de grande repercussão, seu veredicto já encontra-se elaborado antes mesmo do sorteio de seu nome para compor o Conselho de Sentença, a despeito do que ele possa ouvir ou ver durante a sessão. Decerto, à imprensa cabe noticiar, ainda que emitindo juízos de valor, mas em hipótese alguma lhe é deferido o direito de julgar, à mercê dos princípios processuais que assistem ao acusado. 

Conseqüências processuais ocasionadas pela influência da opinião pública no julgamento dos crimes afetos ao Júri

Atualmente os limites territoriais do País não mais são obstáculos à mobilização da população pela opinião pública nos casos de grande repercussão, em face do papel fundamental que exerce a imprensa, de difundir nacionalmente a matéria jornalística.

Entretanto, na tentativa de ao menos minorar os efeitos que a pressão popular pode exercer sobre o julgamento pelo Júri, o Código de Processo Penal disciplinou o desaforamento, que nada mais é do que o deslocamento da competência para o julgamento de um foro para outro nos casos em que a ordem pública o reclamar, ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri, segurança pessoal do réu ou mora na realização do julgamento.

Interessa, para efeito da presente abordagem, o desaforamento quando houver dúvida sobre a imparcialidade do júri, fundamental que é na realização da justiça. Estará ela comprometida quando o crime, apaixonando a opinião pública, gera no meio social animosidade, antipatia e ódio ao réu. Evidentemente, o simples noticiário não reflete, em regra, manifestação da coletividade ou estado de ânimo da população, sendo necessário comprovação de que existe uma predisposição desta contra o acusado para que se defira o desaforamento, comprovação que se faz por meio de indícios capazes de produzir receio fundado sobre a mesma, não necessitando de juízo de certeza. 

 

11. LIMITES ÉTICOS NA PERSUASÃO DOS JURADOS

 

O ponto culminante do procedimento dos delitos dolosos contra a vida é, sem dúvida, o julgamento pelo Tribunal do Júri. 

Para seus defensores, o júri é a garantia democrática do indivíduo, em determinados crimes, ser julgado por seus concidadãos, acima das normas inflexíveis da lei. Entendem que a sociedade é representada por membros de ilibada idoneidade, que procura restabelecer o equilíbrio quebrado pela ofensa ao direito. Afirmam que o júri, julgando o criminoso e não o crime, não está adstrito ao critério legal e às prevenções profissionais, é capaz de humanizar a lei e melhor discernir sobre os réus merecedores de pena. Por fim, sustentam que a verdade proclamada por sete cidadãos é mais segura que a proclamada por apenas um. A este respeito Canelutti formulou a seguinte metáfora: “O juízo colegiado é comparado a uma visão binocular: se a natureza nos dotou de dois olhos, em lugar de um só, é porque uma única imagem não basta para que seja visto o que deve ser completamente visto e o que devemos ver”.

Para outros, certo é que o Júri, nos seus primórdios, foi um respiradouro às reinvindicações populares, suprimindo o julgamento dos acusados pelos juízes togados, integrantes da nobreza que desapareceram depois que os ditos juízes passaram a vir do povo. Afirmam, no entanto, que a justiça comtemporânea assumiu feições que está a exigir pessoas especializadas e de alto espírito crítico, deixando-se os juízes leigos demasiadamente a julgar pelo sentimentalismo, para deixarem impunes os mais graves crimes. Acrescentam que, a julgar pelos resultados alcançados em outros países, o júri somente aprova quando existem condições favoráveis para uma democracia direta, o que não existe no Brasil devido à condição geográfica, ao baixo nível cultural, à baixa moralidade, à falta de educação cívica e ao desinteresse pela coisa pública.

Essa corrente foi capitaneada por Nelson Hungria, para o qual “O famigerado Tribunal do Júri, osso de megatério que persiste em ligar repressão penal e regime democrático, redundou pela sua incompetência e frouxidão, em favor indireto da criminalidade”.

Para opositores ou defensores dessa instituição, no entanto, é certo que nela os debates provocam as mais desencontradas paixões.

A cumulação na instrução em Plenário e nos debates, dos sistemas da concentração, oralidade e imediatidade oferecem condições especiais de expressividade às provas produzidas durante o processo. 

 Na dialética desse momento, o debatedor vale-se de duas contigências que, mesmo separáveis, no mais das vezes são apresentadas juntas: 

a) O discurso, como manifestação oral persuasiva, utilização da retórica, da “conversa amiga, macia”, da contundência ordinatória, do apelo emocional, etc. 

b) A interpretação cênica, mímica, teatral, irreverente, gesticular. 

 A importância deste desempenho está em alcançar os limites da verdade possível, extraída dos elementos autuados ou, do plano sociológico, filosófico, antropológico de elementos não necessariamente contidos no processo. É a interpretação oral ou cênica de tudo que pudesse ter animado o fato e tem a finalidade maior de ampliar imaginariamente os detalhes da hipótese defendida. 

 E é justamente essa representação em plenário, feita pelo Promotor de Justiça e pelo Advogado de defesa, com seus poderes informativos, que possui poder persuasivo sobre os jurados, induzindo-os a projetarem-se mentalmente à situação de violência do caso concreto para que possam avaliar a conduta do agente nas circunstâncias em que agiu. 

 O importante é identificar no ato violento contra a vida a censura ou aprovação da conduta do agente, com a mais ampla visão fática, pois o Júri não está adstrito ao alegado e provado nos autos, nem à estreiteza dos textos, e não seria Júri se deixasse de sentir o conjunto das realidades individuais e sociais atinente ao caso concreto. Por todas essas razões, necessário é que se imponham limites éticos à atuação em plenário por parte dos debatedores, de forma a não afastar os princípios constitucionais e legais atinente ao processo criminal. 

 O Tribunal do Júri não pode ser apresentado como um espetáculo burlesco, de guerra entre o bem e o mal, como se o Promotor de Justiça personificasse um acusador intransigente, que quer prender o réu, tira-lo do convívio de sua família e transferi-lo para o Presídio; e o Advogado de Defesa caricaturado como figura do bem e do perdão, sempre pugnando pela liberdade de todos os acusados. 

 O plenário do Júri não é local para gritos, choros, simulação de desmaios, piadas ou xingamentos, pois desvirtuam a função de socialização e democratização de Justiça atribuída ao Conselho Popular, que deve se aproximar ao máximo da verdade dos fatos para que possa aprovar ou reprovar a conduta ilícita que lhes é posta para exame e deliberação, pois julgam segundo a sua consciência e os ditames da justiça, fazendo a lei para cada caso. 

Assim, dentro de uma representação destinada a informar o jurado, pode-se fazer apelo tanto à sugestão afetiva quanto à persuasão puramente racional, mas sempre dentro de determinados limites éticos, tanto da parte acusatória, como da defensora. É que um julgamento feito pelo Tribunal do Júri, ao contrário do que muitos pensam, não é loteria. Depende, sim, de algumas peripécias, mas deve ser o seguro resultado de uma conduta bem planejada e executada com rigor, desde a fase do inquérito policial até o plenário do Júri. 

 O Júri não é uma aventura a que se atrevam os que se distingüem somente pela audácia e sede de fama, é tarefa destinada aos mais aptos, aos mais preparados e conscientes, que tenham as qualidades mínimas necessárias à magnitude da atividade, e que não ponham em risco a liberdade do réu ou a segurança da sociedade tão-somente para a satisfação de vaidades mal disfarçadas. 

 A advertência se impõe: acusadores e defensores só terão a perder com divagações impertinentes, hipérboles vazias ou embustes patéticos.

O acusador, por decoro próprio e, sobretudo, por obrigação estrita, jamais deverá injuriar o réu, ou por qualquer forma olvidar-se do respeito devido ao Tribunal. Pelo contrário, refletido e moderado, embora enérgico em sua argumentação, deve produzir a acusação sem cólera, sem arrebatamento, sem exageração. Jamais deve o acusador dirigir-se ao acusado, e sim ao Júri, expondo os fatos e as circunstâncias, estes sim, com toda pujança e eloqüência. 

O defensor, exímio tribuno de defesa, do mesmo modo, deve apresentar seus argumentos dentro de um plano previamente traçado, de acordo com uma linguagem fluente e clara, sem rodeios e tiradas literárias, ferindo os pontos em debate. O discurso do causídico há de ser simples, objetivo, convincente. Isso não quer dizer vulgaridade, que seria o contrário do preciosismo.

Na esteira dessas afirmações, não se quer criticar a instituição, que deve persistir, mas tão-só alertar que a atividade do debatedor em plenário, por envolver interpretação informativa, persuasiva, indutora, perfeitamente adequada e necessária ao Tribunal do Júri, deve pautar-se pela obediência aos princípios éticos e as provas colhidas durante a instrução criminal.

O orador deve empenhar-se em persuadir de que está certo e de que sua tese deve ser vencedora, usando linguagem intelegível para que, efetivamente, a “transformação” do jurado seja “conseqüência de sua fala”, mas usando de seu poder de persuasão deve ter cuidados com a teatralização, para que não decaia ao nível de um espetáculo burlesco, nem à linguagem deficiente ou vulgar a ponto de prejudicar a substância do bom senso. 

Conjugada a arte de persuadir com a ética, manter-se-á a dignidade do Tribunal do Júri, o respeito aos cidadãos-jurados e a justiça ao réu. 

Ganha, pois, a sociedade.

 

Fontes: 

- Material de apoio que alguns promotores utilizaram no último concurso do MP/SC.

- TROVÃO, Edilberto de Campos. Reflexões de um aprendiz de promotor de justiça no Tribunal do Júri. Curitiba : J.M, 1995. 

12. 14. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A TUTELA DOS HIPOSSUFICIENTES - GIAN

De início, necessário mencionar que o Ministério Público é classificado na Constituição Federal como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal). Nessa linha, o art. 129 da Carta Magna arrola várias funções institucionais do Ministério Público, inerentes à natureza jurídica da instituição, as quais são simetricamente dispostas nas leis correlatas, referentes ao aludido órgão e a sua atuação em juízo.

Explicitando a atuação do Ministério Público, dispõe o art. 82 do Código de Processo Civil que os órgãos da instituição intervirão nas demandas em que há interesses de incapazes, nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder (hoje poder familiar), tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última vontade, nas ações que envolvem litígios coletivos pela posse de terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.

Nesse ponto, revela-se importante referir que especificamente no processo não criminal, o Ministério Público pode figurar como órgão agente e órgão interveniente. O agir como órgão interveniente fica patente quando o Ministério Público atua como fiscal da lei (custos legis), sendo que ao exercer atividade de substituto processual, como parte pro populo, na chancela dos interesses transindividuais e nas ações de cunho político, se revela como órgão agente. Se não bastasse, poderá atuar fora do âmbito processual, na homologação de acordos extrajudiciais.

Em contrapartida, ao Judiciário foi outorgada a tarefa de exercer jurisdição, e para que esteja descomprometido com qualquer dos litigantes, deverá ser inerte. Em razão disso, foi deferida ao Ministério Público a atribuição de quebrar a inércia, movimentando o Poder Judiciário, isso porque o Estado não pode ficar imóvel frente a determinadas situações que lhe cabe resolver. Assim, quando o Ministério Público toma a iniciativa de provocar a jurisdição, está desenvolvendo atividade de natureza processual na tutela de determinados interesses, atuando, assim, como órgão agente.

Destaca-se a atuação ministerial, como órgão agente, quando figura como substituto processual e como parte pro populo. Dessa forma, agirá como substituto processual quando atuar em defesa de direito personalizado, sendo sua legitimação extraordinária. Nesses casos, o direito que se põe em causa não lhe pertence, motivo pelo qual somente poderá agir quando demonstrado o interesse público. Quando agir em defesa de direito despersonalizado, sua atuação será denominada como a parte pro populo.

Como órgão interveniente, o Ministério Público não atua de forma parcial, mas sim oficia no estrito cumprimento das normas jurídicas, na chamada condição de custos legis (fiscal da lei). Está, pois, de certa forma desvinculado dos interesses das partes. Cumpre ressaltar, todavia, que o Ministério Público, mesmo quando atuar como órgão agente, não deixará de exercer a função de fiscal da lei, eis que jamais perderá seu compromisso com o fiel cumprimento e aplicação do ordenamento jurídico vigente.

Portanto, pode-se dizer que o Ministério Público deverá agir no processo sempre que houver previsão legal expressa ou quando houver interesse público decorrente da natureza da lide ou qualidade da parte. Nesse passo, uma das situações que caracteriza o interesse público para a atuação ministerial é a presença em juízo dos hipossuficientes. Caracterizada estará a presença de um hipossuficiente na relação processual quando houver em desequilíbrio ou desigualdade entre as partes litigantes. Lembre-se a clássica definição de Rui Barbosa acerca do conceito de igualdade: “a igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais, na proporção da desigualdade”. É exatamente este o critério que fundamenta a atuação do Ministério Público em relação aos hipossuficientes.

Atente-se que sempre que existir uma parte hipossuficiente em relação à outra, o Ministério Público deverá intervir no processo como fiscal da lei, verificando a correta aplicação dos ditames firmados pelo ordenamento jurídico no caso concreto. Cite-se, como exemplo, a situação em que um incapaz é parte, hipótese em que o Ministério Público deve ser chamado a se manifestar nos autos.

Haverá situações em que o Ministério Público deverá exercer atividades como órgão agente em defesa dos hipossuficientes. Como exemplo, mencione-se a atuação em defesa das populações indígenas, devendo-se ressaltar que a Constituição Federal de 1988 expressamente conferiu atribuição ao órgão ministerial na defesa em juízo dos interesses das populações dessa natureza (art. 129, inciso V, da Constituição Federal).

Outra situação é a defesa das pessoas necessitadas, incluindo entre estas as crianças, adolescentes e incapazes em geral. Há, em inúmeras situações, expressa previsão legal autorizando o Ministério Público a ter a iniciativa de processualmente buscar satisfazer o direito pleiteado por um necessitado como substituto processual. Como exemplo, pode-se apontar a legitimidade ativa do Ministério Público em ações de investigação de paternidade.

No mais, matéria frequentemente trabalhada pelo Ministério Público quando da atuação em juízo, especificamente na tutela do hipossuficientes, diz respeito à defesa dos interesses difusos e coletivos. Nesses casos, a atuação ministerial revela-se imprescindível, pois possivelmente se um indivíduo tivesse que pleitear a tutela de interesse dessa natureza contra aquele que causou lesão, não lograria êxito, pois normalmente a situação do agente causador do dano é privilegiada frente ao individuo particularmente considerado, o que evidencia efetiva hipossuficiência. Poderá ocorre, por outro lado, que o interesse lesado seja de valor ínfimo a ponto de não justificar a ação pelo particular, mas uma vez que muitas pessoas foram lesadas, admitida será a defesa coletiva (ex.: pequenas lesões a inúmeros consumidores), isso porque em tais hipóteses o causador do dano acaba por ficar em situação de extremo privilégio.

Com relação às pessoas hipossuficientes relacionadas aos interesses difusos e coletivos, embora estejam implicitamente consideradas na maior parte da legislação que trata sobre o tema, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) fez menção expressa à situação de hipossuficiência, inclusive facilitando a defesa de seus direitos em juízo.

Assim, para evitar que interesses dessas espécies fiquem desprotegidos, o Ministério Público detém instrumentos eficazes para a tutela das pessoas em situação de hipossuficiência, dentre os quais se destaca a Ação Civil Pública. Prevista na Lei nº 7.347/85, a Ação Civil Pública destina-se à proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e, embora o seu art. 5º traga hipóteses de legitimação concorrente para sua propositura, o seu manejo é diuturnamente realizado pelo Ministério Público. É bem verdade que a Lei nº 7.347/85 inicialmente delimitou o âmbito de abrangência da Ação Civil Pública, arrolando determinadas matérias para a tutela, no entanto, o Código de Defesa do Consumidor ampliou o objeto da norma, destinando-a a qualquer interesse difuso e coletivo. Cite-se como exemplos as ações em defesa do meio ambiente, ao consumidores, ao patrimônio público, etc.

Registre-se que, na defesa dos interesses em questão, poderá ocorrer que o Ministério Público atue extraprocessualmente, exercendo atividades no bojo de Inquéritos Civis, dos quais poderão resultar Compromissos de Ajustamento de Condutas.

Destaque-se, por fim, que o Ministério Publico está legitimado também a zelar pela efetiva prestação de serviços de relevância pública, isso porque, por vezes, os destinatários não teriam condições de sozinhos pleitearem a sua correta concessão, cabendo ao órgão ministerial agir para que sejam oferecidos corretamente.

Concluindo, resta clara a atuação do Ministério Público na defesa dos hipossuficientes, sendo que sua atividade pode partir de diversas situações, expressamente autorizadas na legislação vigente.

13. REFORMA DO JUDICIÁRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. 

ESQUEMATIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS NOVIDADES

Pedro Lenza (Texto extraído do Jus Navigandi http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6463)

O objetivo deste estudo não é aprofundar as mudanças, mas, simplesmente, identificar, esquematizar e organizar as principais novidades para facilitar o estudo, após ter apresentado um brevíssimo histórico com um alerta sobre a redação do texto da emenda. Em outras oportunidades, certamente, poderemos analisar cada um dos itens da Reforma.

1. Breve histórico de sua tramitação

(...)

2. Esquematização das alterações trazidas pela EC n. 45/2004

Podemos destacar as principais novidades:

1) A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (art. 5.º, LXXVIII, e art. 7.º da EC n. 45/2004).

2) A previsão do real cumprimento do princípio de acesso à ordem jurídica justa, estabelecendo-se a Justiça Itinerante e a sua descentralização, como a autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria Pública Estadual (arts. 107, §§ 2.º e 3.º; 115, §§ 1.º e 2.º; 125, §§ 6.º e 7.º; 134, § 2.º; 168, e art. 7.º da EC n. 45/2004).

3) A possibilidade de se criar varas especializadas para a solução das questões agrárias. Nessa linha de especialização em prol da efetividade, sugerimos também varas especializadas para as áreas do consumidor, ambiental, coletiva etc. (art. 126, caput);

4) A "constitucionalização" dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que aprovados pelo quorum qualificado das emendas constitucionais (art. 5.º, § 3.º).

5) A submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI), cuja criação tenha manifestado adesão (art. 5.º, § 4.º).

6) A federalização de crimes contra direitos humanos, por exemplo, tortura e homicídio praticados por grupos de extermínio, mediante incidente suscitado pelo Procurador-Geral da República (PGR) no STJ, objetivando o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Busca-se, acima de tudo, adequar o funcionamento do Judiciário brasileiro ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos (art. 109, V-A e § 5.º).

7) Previsão do controle externo da Magistratura por meio do Conselho Nacional de Justiça, como a criação de ouvidorias para o recebimento de reclamações (arts. 52, II; 92, I-A, e § 1.º; 102, I, "r"; 103-B, e art. 5.º da EC n. 45/2004).

8) Previsão do controle externo do MP por meio do Conselho Nacional do Ministério Público, como a criação de ouvidorias para o recebimento de reclamações (arts. 52, II; 102, I, "r"; 130-A e art. 5.º da EC n. 45/2004).

9) A ampliação de algumas regras mínimas a serem observadas na elaboração do Estatuto da Magistratura, todas no sentido de se dar maior produtividade e transparência à prestação jurisdicional, na busca da efetividade do processo, destacando-se: a) a previsão da exigência de três anos de atividade jurídica para o bacharel em Direito como requisito para o ingresso na carreira da Magistratura; b) aferição do merecimento para a promoção conforme o desempenho, levando-se em conta critérios objetivos de produtividade; c) maior garantia ao magistrado para recusar a promoção por antiguidade somente pelo voto fundamentado de 2/3 de seus membros, conforme procedimento próprio e assegurasda a ampla defesa; d) impossibilidade de promoção do magistrado que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão; e) previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento; f) o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta (e não mais 2/3) do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa; g) previsão de serem as decisões administrativas dos tribunais tomadas em sessão pública; h) o fim das férias coletivas do Poder Judiciário, tornando a atividade jurisdicional ininterrupta; i) a previsão de número de juízes compatíveis com a população; j) a distribuição imediata dos processos em todos os graus de jurisdição (art. 93).

10) Ampliação da garantia de imparcialidade dos órgãos jurisdicionais pelas seguintes proibições: a) vedação aos juízes de receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; b) instituição da denominada quarentena, proibindo membros da Magistratura de exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastaram, por aposentadoria ou exoneração, pelo prazo de três anos. A quarentena também se aplica aos membros do MP (art. 95, par. ún., IV e V, e 128, § 6.º).

11) Previsão de que as custas e os emolumentos sejam destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça, fortalecendo-a, portanto (art. 98, § 2.º).

12) Regulação do procedimento de encaminhamento da proposta orçamentária do Judiciário e solução em caso de inércia. Proibição de realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais (art. 99, §§ 3.º, 4.º e 5.º).

13) A extinção dos Tribunais de Alçada, passando os seus membros a integrar os TJs dos respectivos Estados e uniformizando, assim, a nossa Justiça (art. 4.º da EC n. 45/2004).

14) Transferência de competência do STF para o STJ no tocante à homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias (art. 102, I, "h" (revogada); 105, I, "i", e art. 9.º da EC n. 45/2004).

15) A ampliação da competência do STF para o julgamento de recurso extraordinário quando se julgar válida lei local contestada em face de lei federal. Muito se questionou sobre essa previsão. Observa-se que ela está correta, já que, quando se questiona a aplicação de lei, acima de tudo, há um conflito de constitucionalidade, pois é a CF que fixa as regras sobre competência legislativa federativa. Por outro lado, quando se questiona a validade de ato de governo local em face de lei federal, acima de tudo, estamos diante de questão de legalidade a ser enfrentada pelo STJ, como mantido na Reforma (art. 102, III, "d", e 105, III, "b").

16) A criação do requisito da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso para o conhecimento do recurso extraordinário. Essa importante regra vai evitar que o STF julgue brigas particulares de vizinhos, como algumas discussões sobre "assassinato" de papagaio ou "furto de galinha", já examinadas pela mais alta Corte (art. 102, § 3.º).

17) A adequação da Constituição, no tocante ao controle de constitucionalidade, ao entendimento jurisprudencial já pacificado no STF, constitucionalizando o efeito dúplice ou ambivalente da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) como o seu efeito vinculante. Ampliação da legitimação para agir. Agora os legitimados da ADC são também da ADI (e não mais somente os quatro que figuravam no art. 103, § 4.º, revogado). Apenas para se adequar ao entendimento do STF e à regra do art. 2.º, IV e V, da Lei n. 9.868/99, fixou-se, expressamente, a legitimação da Câmara Legislativa e do Governador do DF para a propositura de ADI, e, agora, ADC (art. 102, § 2.º; 103, IV e V; revogação do § 4.º do art. 103 e art. 9.º da EC n. 45/2004). (1)

18) Ampliação da hipótese de intervenção federal dependendo de provimento de representação do Procurador-Geral da República para, além da já existente ADI Interventiva (art. 36, III, c.c. 34, VII), agora, também, objetivando prover a execução de lei federal (pressupondo ter havido a sua recusa). A competência, que era do STJ, passa a ser do STF (art. 34, VI, primeira parte, c.c. o art. 36, III; revogação do art. 36, IV, e o art. 9.º da EC n. 45/2004).

19) Criação da Súmula Vinculante do STF (art. 103-A e art. 8.º da EC n. 45/2004).

20) A aprovação da nomeação de Ministro do STJ pelo quorum de maioria absoluta dos membros do SF, equiparando-se ao quorum de aprovação para a sabatina dos Ministros do STF, e não mais maioria simples ou relativa como era antes da Reforma (art. 104, parágrafo único).

21) Previsão de funcionamento no STJ: a) da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira; b) e do Conselho da Justiça Federal como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante (art. 105, par. ún., I e II).

22) No âmbito trabalhista, dentre tantas modificações, podemos destacar: a) o aumento da composição do TST de 17 para 27 Ministros, deixando-se de precisar convocar juízes dos TRTs para atuar como substitutos; b) em relação ao sistema de composição, reduziram-se as vagas de Ministros do TST oriundos da advocacia e do Ministério Público do Trabalho. Dessa vez, eles ocupam somente 1/5, os outros 4/5 são preenchidos entre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, provenientes da Magistratura da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior; c) fixação do número mínimo de sete juízes para os TRTs; d) modificação da competência da Justiça do Trabalho; e) previsão da criação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, este último deverá ser instalado no prazo de 180 dias; f) a lei criará varas da Justiça do Trabalho, podendo, nas comarcas não abrangidas por sua jurisdição, atribuí-las aos Juízes de Direito, com recurso para o respectivo Tribunal Regional do Trabalho; g) previsão de criação, por lei, do Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas, integrado pelas multas decorrentes de condenações trabalhistas e administrativas oriundas da fiscalização do trabalho, além de outras receitas (arts. 111, §§ 1.º, 2.º e 3.º (revogados); 111-A; 112; 114; 115 e arts. 3.º, 6.º e 9.º da EC n. 45/2004);

23) Fixação de novas regras para a Justiça Militar (art. 125, §§ 3.º, 4.º e 5.º);

24) Como fixado para a Magistratura (art. 99, §§ 3.º ao 5.º), regulação do procedimento de encaminhamento da proposta orçamentária do MP e solução em caso de inércia. Proibição de realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais (art. 127, §§ 4.º, 5.º e 6.º).

25) Nos mesmos termos da Magistratura, diminuição do quorum de votação para a perda da garantia da inamovibilidade de 2/3 para a maioria absoluta (art. 128, § 5.º, I, "b").

26) Ampliação da garantia de imparcialidade dos membros do MP: a) vedação do exercício de atividade político-partidária, sem qualquer exceção; b) vedação do recebimento, a qualquer título ou pretexto, de auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; c) instituição, conforme já vimos, e nos termos da Magistratura, da denominada quarentena, proibindo-os de exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastaram, por aposentadoria ou exoneração, pelo prazo de três anos (art. 128, § 5.º, II, "e", "f", e § 6.º).

27) Conforme já vimos para a atividade jurisdicional, também no sentido de se dar maior produtividade e transparência no exercício da função, na busca da efetividade do processo, destacam-se, para o MP: a) a obrigatoriedade de as funções só poderem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição; b) a previsão da exigência de três anos de atividade jurídica para o bacharel em Direito como requisito para o ingresso na carreira do MP; c) a distribuição imediata dos processos; d) e, no que couber, as regras já apresentadas em relação ao art. 93 para a Magistratura (art. 129, §§ 2.º, 3.º, 4.º e 5.º).

28) A EC n. 45/2004 entrou em vigor na data de sua publicação, em 31 de dezembro de 2004, e foi promulgada em 8 de dezembro de 2004 (art. 10 da EC n. 45/2004).

3. Ações diretas de inconstitucionalidade já propostas até a presente data (2.2.2005)

(...)

4. Conclusão

A emenda, de um modo geral, nesse primeiro balanço, parece bastante adequada, abrindo as portas para que as reformas processuais se implementem na busca e na retomada da credibilidade do Judiciário, infelizmente abalada pela ineficiência processual dos últimos anos. Esperamos que não seja apenas mais uma lei, mas, acima de tudo, o despertar de uma nova mentalidade.

14. DANO MORAL COLETIVO

O dano, além da ação lesiva e do nexo causal, é um dos pressupostos da responsabilidade civil, e sua definição pode ser resumida como sendo uma lesão a bens juridicamente protegidos, como vida, liberdade, imagens, crédito comercial, propriedade, entre outros.

Para a sua caracterização jurídica, é necessária a demonstração do prejuízo e da lesão jurídica, que são os elementos de fato e direito, respectivamente. Porém, para ser passível de concretizar o direito à reparação, há de ser injusto, certo, atual, pessoal e direto, admitindo-se, excepcionalmente, a perda de uma chance e os danos futuro, a pessoas da família, e reflexo.

A doutrina faz uma divisão relativa ao dano em patrimonial e moral, a depender dos reflexos da esfera de direitos atingida. Este, especificamente, é o resultado de uma agressão direcionada ao mundo interior do psiquismo do homem, ocasionando sensações desconfortáveis e constrangedoras.

O dano moral é reconhecido pela doutrina, jurisprudência e legislação, inclusive no art. 5º, V e X, da Constituição Federal de 1988 (CF), in verbis:

“V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

As mudanças profundas da organização social, que podem ser visualizadas por meio da globalização atual, modificaram o Direito como um todo, especialmente o Direito Civil, conduzindo a preponderância do coletivo sobre o individual.

Esse panorama, por sua vez, originou o dano moral coletivo, que seria o prejuízo ocasionado em desfavor de toda uma comunidade, ou seja, contra um conglomerado de pessoas que estão unidas em um determinado território, em decorrência de fatores comuns.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei n. 8.078/1990), aliás, no art. 6º, VI, menciona expressamente o direito do consumidor à reparação por danos morais coletivos e difusos.

Veja-se:

“Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:

[...]

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.

Entre as diversas possibilidades existentes, está o dano ambiental; situação em que se lesiona o equilíbrio ecológico e, ao mesmo tempo, se afetam valores comunitários como a qualidade de vida e a saúde.

O ambiente habitado pela população, ademais, deve ser entendido como unitário e de responsabilidade de preservação por todos, conforme determina a própria CF em seu art. 225, caput:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Essa norma constitucional demonstra a preocupação com a manutenção de ambientes sadios e equilibrados.

Qualquer deterioração cometida contra o espaço de uma sociedade é particularmente perversa, pois rompe o equilíbrio do ecossistema e coloca em risco todos os seres vivos que possuem uma interdependência naquele meio, incluindo-se, aí, o homem.

O instrumento processual adequado para que se promova a defesa dos valores coletivos, na ocorrência de dano contra o meio ambiente, entre outras situações, é a ação civil pública aplicável nesse caso, regulamentada pela Lei n. 7.347/1985.

Dessa feita, o amparo legislativo que possibilita a reparação de dano moral a interesses coletivos, como é a hipótese do meio ambiente, está calcado no art. 6º, VI, do CDC e no art. 1º, I, da Lei referida, com a redação conferida pelo art. 88 da Lei n. 8.884/1994, a seguir transcrita:

“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I – ao meio-ambiente”.

Os malefícios causados não estão ligados somente às repercussões físicas no patrimônio ambiental, mas, também, ao sentimento dos habitantes de determinada zona urbana ou rural, tanto no aspecto íntimo do homem quanto na qualidade de vida.

Diz-se zona urbana porque, assim como em locais onde predominam as matas e florestas, os danos ambientais podem ser verificados nas cidades, como ocorre, por exemplo, quando há a supressão de certas árvores ali existentes.

É certo que, a partir da universalização do meio ambiente consagrada pela CF, este passou a pertencer a todos e se tornou um bem de uso comum, tutelado pelo Poder Público e pela sociedade.

Os dispositivos legais até então mencionados estabelecem, portanto, a possibilidade real de reparação civil por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, cumulados e independentes um do outro.

Primeiro porque o art. 225, § 3º, da CF estabelece a reparação dos danos perpetrados contra o meio ambiente, nos planos administrativo, penal e civil. Segundo porque o já aludido art. 5º do mesmo Diploma reconhece a legalidade do pleito indenizatório em casos de abalo moral.

Não bastasse isso, a leitura dos arts. 1º, I, e 10, da Lei da Ação Civil Pública aponta na mesma direção.

Ante tudo o que foi exposto, é possível concluir que a responsabilidade pelo dano moral coletivo caminha no coerente e indispensável rumo da coletivização, ampliando o raio de incidência do ato ilícito pelo dano injusto, dentro de um contexto amplo e globalizado.

Tal fato aumenta as perspectivas de uma consolidação da ordem jurídica mais justa e eficaz.

Isso porque a gravidade do dano moral coletivo causado ao meio ambiente impõe a necessidade de uma efetiva coibição, para a qual o ordenamento jurídico está amparado com a legislação infraconstitucional da ação civil pública e do código consumerista, além da carta constitucional.

 

 

 

 

Referências:

 

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6183

 

http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/3625/DANO_MORAL_COLETIVO_E_OS_DIREITOS_METAINDIVIDUAIS

 

http://www.azevedosette.com.br/noticias/noticia?id=1583

 

http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=%22dano+moral+coletivo%22&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4

 

15. 18. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – FELIPE

 

A legitimidade do Ministério Público no exercício da investigação criminal tem sido tema de intenso debate na doutrina e jurisprudência pátrias, especialmente nas últimas décadas.

Por muito tempo, o Ministério Público realizou, de forma direta, a investigação criminal, sem que se fosse questionada a sua legitimidade. Todavia, a partir de 1992, com as Promotorias de Justiça e as Procuradorias da República agindo de forma eficiente e chegando em figuras criminosas até então inatingíveis, surgiu, de forma mais vigorosa, forte oposição às investigações criminais realizadas pelo Órgão Ministerial.

A posição daqueles que se opõem à atividade investigativa pelo Ministério Público sintetiza-se, basicamente, em dois argumentos: a investigação pré-processual é de monopólio da Polícia Judiciária, conforme o disposto no art. 144, § 1º, incisos I e IV, e § 4º, da Constituição da República; e, a norma constitucional e infraconstitucional não contemplou qualquer hipótese de o Ministério Público apurar, diretamente, infrações penais, o que não lhe confere legitimidade para realizar a investigação criminal.

Esses argumentos, no entanto, não têm qualquer fundamento. 

Não há monopólio da Polícia na investigação criminal. Analisando o art. 144, § 1º, I e IV, e § 4º, da Constituição da República, verifica-se existir tão-somente uma exclusividade da polícia federal no exercício na função de polícia judiciária (que é diferente da função de apurar infração penais) da União. Isso significa, apenas, segundo afirma Ela Wiecko Wolkmer de Castilho , que a polícia civil estadual, por exemplo, não pode investigar crimes de competência da Justiça Federal.

Além de nenhuma norma conferir a exclusividade das investigações criminais às Polícias Federal e Estadual, abundantes são as que a afastam. O Código de Processo Penal, por exemplo, deixa claro que a apuração de infrações penais pode ser realizada por outros órgãos e que o Ministério Público pode dispensar o inquérito policial para o oferecimento da denúncia (arts. 4º; 12; 27; 39, § 5º; 46, § 1º; e 47).

Assim, não há qualquer usurpação de competência. As polícias civil e federal investigam por meio de inquérito policial – este, sim, é um instrumento exclusivo seu -, enquanto o Ministério Público apura os ilícitos penais por meio de seus procedimentos administrativos próprios (PIC – procedimento investigatório criminal, no âmbito do MPSC). O que deve haver é uma cooperação entre as instituições para a consecução de objetivo comum, qual seja, diminuir a impunidade na seara criminal.

De outra ponta, há previsões constitucionais e legais no ordenamento jurídico pátrio conferindo ao Ministério Público a legitimidade para exercer a investigação criminal.

Além da Constituição da República incumbir ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), promoveu-lhe, entre outras, as seguintes funções: exercer, privativamente, a ação penal pública; expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los; exercer o controle externo da atividade policial; e requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (art. 129).

Não bastassem as abrangentes funções investigatórias atribuídas pelo constituinte, a legislação infraconstitucional traz diversas abribuições do Órgão Ministerial nessa seara, principalmente, nos arts. 8º da LC 75/93 e 26, I, da Lei 8.625/93.

Portanto, sem qualquer sustentação a tese contrária à investigação criminal pelo Ministério Público. Como se vê, a atividade de investigação criminal não está restrita às instituições policiais, e o Ministério Público é uma das instituições que tem atribuição para procedê-la.

Para reforçar a tese favorável à legitimidade do Ministério Público na investigação criminal, lança-se mão de outros argumentos.

1. Pela teoria dos poderes implícitos (quem pode o mais pode o menos), o simples fato de a Constituição da República conferir ao Ministério Público o exercício, privativo, da ação penal pública (art. 129, I, da CF) já lhe dá a atribuição para investigar. Do contrário, afirma René Ariel Dotti , o Órgão Ministerial ficaria refém da Polícia para uma possível deflagração de ação penal, ou seja, tornar-se-ia um mero repassador de provas colhidas por outra instituição.

Destarte, se a finalidade das investigações criminais é recolher indícios suficientes para a propositura da ação penal e se o Ministério Público, a teor do que dispõe o art. 41, parágrafo único, do Código de Processo Penal, prescinde do inquérito policial para a deflagração desta, é possível concluir que tal investigação é apenas um dos meios para a constituição da justa causa, estando em grau inferior de importância em relação a denúncia. Em outras palavras, é possível concluir que a denúncia do Ministério Público é o mais, e a investigação criminal, o menos, e quem tem a função maior também tem a menor.

2. No direito comparado, aliás, encontram-se diversos sistemas jurídicos em que o Ministério Público tem poderes investigatórios na seara criminal. Países como França, Portugal, Espanha, Alemanha, Itália e Estados Unidos atribuem ao Promotor a função de exercer atos de investigação pré-processuais. A plena atividade de investigação criminal é, portanto, uma tendência dos ordenamentos jurídicos contemporâneos. Negá-la no Brasil seria um verdadeiro retrocesso social.

3. Há, também, determinadas situações que recomendam a atuação do Ministério Público e não da Polícia. Em alguns casos, seja pela magnitude da infração, seja pelas pessoas envolvidas na autoria do delito, é mais coerente que o Ministério Público exerça diretamente as investigações criminais, sobretudo pelos princípios e garantias que lhe foram atribuídos na Constituição da República (principalmente a independência funcional e a inamovibilidade). Em função disso, situando-se as investigações no campo da macrocriminalidade e figurando autoridades administrativas ou agentes policiais como protagonistas do delito, deve o Ministério Público apurar tais infrações por estar imune a injunções indevidas e a influências externas capazes de mitigar ou inviabilizar as investigações.

4. A legitimidade do Ministério Público para promover o inquérito civil é incontestável (MP é o titular exclusivo). No exercício dessa função, inúmeras são as ocasiões em que o Órgão Ministerial, exercendo uma investigação de natureza não criminal para a proteção de direitos difusos e coletivos, vislumbra a ocorrência de um ilícito penal. Nesses casos, não se justifica a instauração de inquérito policial, pois diligências complementares – quando necessárias - são suficientes para a formação da convicção acerca da propositura ou não da ação penal. Assim, nada mais razoável do que se instaurar uma ação penal com subsídio nos autos de um inquérito civil (hoje, no âmbito do MPSC, existe um instrumento próprio – o PIC, já mencionado acima).

5. Por fim, o próprio Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP -, órgão que exerce o controle externo do Ministério Público, regulamentou a investigação criminal pelo Órgão Ministerial na resolução n. 13/2006. Antes disso, o MPSC já havia disciplinado essa função ministerial por meio do Ato conjunto n. 001/2004/PGJ/CGMP. A investigação criminal deve ser exercida por meio do procedimento investigatório criminal – PIC.

Diante de todos esses argumentos, é inegável a possibilidade de o Ministério Público exercer a investigação criminal. Não se quer, aqui, defender Promotor de Justiça faça às vezes de autoridade policial e saia à caça de bandidos, como se policial fosse. As Polícias civil e federal têm as funções de polícia judiciária e de investigação criminal, sendo órgãos de extrema importância dentro da administração, devendo continuar seu ofício de repressão a criminalidade. Contudo, em determinados casos, quando o dominus litis entender necessário, pode ele mesmo colher elementos que configurem justa causa para oferecimento de denúncia, pois tem legitimidade para tanto.

 

 

16. EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

As raízes históricas do Ministério Público, embora possam ser encontradas na história antiga entre os egípcios, gregos e romanos, certamente é na França do século XIV que o seu perfil institucional é idealizado na figura dos então denominados “procuradores do rei”, corpo de funcionários encarregados da tutela dos interesses do Rei, o qual na época encarnava o Estado. 

Historicamente o principal interesse do Rei consistia em exercer o controle social por meio da justiça criminal, delegando os poderes de denunciar e perseguir os criminosos aos seus Procuradores, os quais detinham essa iniciativa ao lado dos juízes inquisidores – mais ou menos na forma como o CPP de 1941, nos artigos 26 e 531, em sua redação original, previa o procedimento judicialiforme. Além de acusadores públicos, os Procuradores defendiam outros interesses do Rei, verdadeiro longa manus do soberano naquele turbulento período da história francesa em que o extremo absolutismo do monarca imperava. 

O direito brasileiro, inspirado na legislação portuguesa do século XVI o qual, por sua vez em muito se parece com os institutos jurídicos franceses, dado o tronco comum do sistema jurídico romano-germânico, basicamente seguiu os contornos institucionais conferidos aos Procuradores do Rei franceses para organizar o que mais tarde viria a ser a instituição do Ministério Público. Com a criação dos Tribunais de Relação na Bahia em1609, fez-se necessário a atuação do Procurador da Coroa e da Fazenda naquela instituição, o que seria desempenhada pelo então denominado Promotor de Justiça. Porém, em 1763, diante do imenso avanço econômico que o ciclo da mineração causou, transfere-se a sede da Colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, fundando-se nesta cidade a Casa de Suplicação em 1808 – órgão recursal das decisões da Relação da Bahia, na qual se exige a atuação do Promotor de Justiça, o que motiva que este cargo e aquele de Procurador dos feitos da Coroa e da Fazenda sejam cingidos, passando a serem ocupados por dois titulares. É o primeiro passo para a separação total das funções da Procuradoria Jurídica do Império e do Ministério Público em suas feições atuais. 

Por muitos anos, inclusive após a proclamação da República, já sob a égide da Constituição de 1891, a função criminal desempenhada pelos membros do Ministério Público é de longe a mais importante, tendo inclusive o Código Criminal de 1832 reservado uma seção para tratar dos Promotores de Justiça. Não é por outra razão que ainda hoje quando se fala em Promotores de Justiça pessoas leigas imediatamente o associem à acusação criminal. 

Propositadamente, a carta constitucional de 1937 esvazia por completo a abordagem jurídica do Ministério Público como instituição. Porém, logo em seguida com a edição do CPP em 1941, atribui-se ao Órgão poderes de requisição de inquérito policial e diligências, tornando-se regra legal a sua titularidade na promoção da ação penal pública. Ainda sob a ditadura Vargas, o CPC de 1939 atribui ao Ministério Público atribuições como órgão interveniente no processo civil em algumas demandas, fato este que, de algum modo, pode ser explicado pelas raízes históricas da instituição, sempre ligada aos interesses do “Rei”. 

Entretanto, é durante as décadas de 70 e 80 que o Ministério Público começa a se firmar como instituição essencial a função jurisdicional a partir da emenda constitucional 77 de 1977 que exige a edição de lei complementar a fim de estabelecer as normas gerais de organização dos Ministérios Públicos estaduais, o que é feito logo em seguida com a LC nº 41-81. Além disso, a Lei nº 6.938-81 afeta ao Ministério Público a ação reparatória de danos ao meio ambiente e a terceiros, o que ensejou a criação da ação civil pública pela Lei nº 7.347-85. O Ministério Público está definitivamente abrindo espaço para sua autonomia financeira e institucional frente aos demais poderes instituídos, deixando de ser órgão coadjuvante especialmente no cenário criminal, para assumir as suas feições atuais de instituição essencial à democracia republicana. 

Nesse sentido, a Constituição da República de 1988 sedimenta as bases institucionais do Ministério Público atual, tratando-o como instituição permanente – da mesma forma que o fez em relação às forças armadas – pautada pelos princípios da unidade, indivisibilidade e independência funcional. Em que pese haver diversas discussões acadêmicas a fim de localizar o Ministério Público dentre os poderes da República – a história brasileira justifica essa discussão ao centralizar o MP ora dentro do poder executivo (CF de 1934; emenda de 1969 à CF de 1967), ora do judiciário (CF de 1891; CF de 1967), ora de forma independente (CF de 1949 e CF de 1988) – o certo é que tais discussões se mostram inócuas, pois irrelevante sob à ótica institucional do MP localizá-lo dentro desse ou daquele poder constituído, ou ainda como formador de um quarto poder. Tanto é assim que a preocupação da CF de 1988 pautou-se em conceder ao MP atribuições e garantias de poder. Nesse sentido a afirmação de Mazzilli segundo a qual o “MP sem ser poder, possui atribuições e garantias de poder”. 

Sob a nova ordem constitucional, editam-se a LC 75-93 que regulamenta e organiza do MPU e Lei nº 8.625-93 denominada de Lei Orgânica Nacional do Ministério Público que trata das normas gerais de organização dos Ministérios Públicos Estaduais.

 A grande quebra de paradigma, dessa forma, sem sombra de dúvida, são os contornos constitucionais dado ao MP pela CF de 1988 em relação às suas atribuições. Segundo o art. 127, caput, da CF, incumbe ao MP a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Não por outra razão em tema de direitos difusos e coletivos, a legislação que se seguiu ao texto constitucional ampliou extraordinariamente as atribuições do MP em diversas áreas: pessoa portadora de deficiência (Lei nº 7.853-89); investidores no mercado de valores mobiliários (Lei nº 7.913-89); criança e adolescente (Lei nº 8.069-90); consumidor e outros interesses difusos e coletivos (Lei nº 8.078-90); patrimônio púbico (Leis nº 8.429-92; 8.625-93 e LC 75-93); ordem econômica e livre concorrência (Lei nº 8.884-94) dentre tantas outras leis. 

A defesa da ordem jurídica e do regime democrático, por outro lado, revelam a importância do MP não só como função essencial à administração da justiça, mas sim à própria existência do Estado, na medida em que o cumprimento da lei, em uma ordem democrática, é condição para liberdade das pessoas. Nesse sentido a LONMP bem desenvolveu a vontade constitucional, ao devotar a instituição à promoção das medidas necessárias para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela CF; exercer o controle externo da atividade policial tendo em vista os valores democráticos; ao conferir-lhe funções institucionais ligadas à soberania e representatividade popular e à defesa dos direitos políticos no processo eleitoral; a iniciativa de ações em defesa de direitos constitucionais bem como a promoção de responsabilidade de autoridades e a defesa do estado de Direito e das instituições democráticas. Dessa forma, o modelo de mero agente processual foi deixado de lado pela CF de 1988, exigindo-se do MP no mais das vezes uma atuação incansável na esfera extrajudicial de modo a buscar efetivamente sua autonomia institucional. 

A função no processo penal, por outro lado, não deixou de ter importância ao MP; porém, deixou de representar a sua quase única atuação. Veja que a legitimidade política e democrática do Poder Judiciário repousa no resguardo de sua independência, para o qual concorre a iniciativa do MP, desonerando os juízos do absurdo lógico numa democracia de atuarem de ofício no processo penal, acusando e julgando. 

Assim, passando pela história da instituição do MP, e à luz da suas novas atribuições constitucionais, impõe-se que seus membros, não mais do Estado, mas Procuradores e Promotores de Justiça sejam realizadores de positivas transformações sociais, sendo insuficiente sua atuação meramente processual como fiscalizador da ordem jurídica. O débito político contraído pelo MP perante o poder constituinte é grande e por isso deve ser adimplido em toda a sua amplitude, exigindo-se da instituição um novo paradigma capaz de equacionar harmonicamente as expectativas sociais e os resultados objetivamente alcançados. 

 

 

17. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A ASSISTÊNCIA À ACUSAÇÃO

 

A Constituição Federal de 1988 outorgou ao Ministério Público a função institucional de promover, privativamente, a ação penal pública. 

No entanto, sendo o ofendido o titular do bem jurídico lesado ou posto em perigo, o art. 268 do Código de Processo Penal, confere-lhe a faculdade de auxiliar a Instituição na acusação de quaisquer crimes que se apuram mediante ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação, denominando-lhe assistente. 

A titularidade da assistência à acusação pertence ao próprio ofendido ou seu representante legal e, na falta destes, ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. 

Tal intervenção como auxiliar do Ministério Público se dá através de advogado constituído mediante procuração com poderes expressos e o ingresso nos autos é permitido a partir do recebimento da denúncia até enquanto não houver trânsito em julgado da sentença. Em casos de admissão em segunda instância, cabe ao relator a admissão do assistente (analogia ao art. 557, CPP). 

O Ministério Público deve ser necessariamente ouvido acerca do pedido de assistência, podendo impugná-lo tão somente no caso de ilegitimidade de parte ou se constatar irregularidades na documentação que instruir pedido. 

Após a manifestação do Promotor de Justiça, ao Magistrado compete decidir, admitindo ou não o assistente, sendo que, contra tal decisão não cabe qualquer recurso, embora a jurisprudência entenda cabível o mandado de segurança ou a correição parcial. 

As atribuições do assistente estão previstas no art. 271 do Código de Processo Penal, sendo a primeira delas propor meios de prova. Tourinho Filho entende que o assistente não pode arrolar testemunhas, uma vez que o momento oportuno para tal ato é o oferecimento da denúncia e seu ingresso ocorre após tal recebimento. Já para Mirabete, nada impede que o Juiz defira a inquirição de testemunhas arroladas pelo assistente, desde que não excedam ao limite legal, pois as mesmas poderiam ser ouvidas como testemunhas do Juízo. Entretanto, antes de decidir sobre a realização de qualquer prova proposta pelo assistente, deverá ouvir o Ministério Público. 

Ademais, poderá requerer perguntas às testemunhas; participar dos debates orais em qualquer procedimento, em ambos os casos logo após a intervenção do Promotor de Justiça; e arrazoar quaisquer recursos interpostos pelo Ministério Público e, consoante a doutrina, contra-arrazoar os recursos da defesa. Não havendo interposição de recurso pelo acusador oficial no prazo legal, poderá fazê-lo o assistente dentro de quinze dias, em caráter supletivo. 

O assistente receberá o processo no estado em que ele se encontrar, não tendo direito à reprodução de atos praticados sem a sua interferência, ainda quando posteriores ao pedido de intervenção. Após a sua admissão, será intimado de todos os atos do processo, por intermédio de seu procurador. Não comparecendo, sem motivo de força maior devidamente comprovado, o processo prosseguirá a partir de então, independentemente de nova intimação. 

Oportuno mencionar a celeuma em torno da amplitude deste instituto após o advento da Constituição Federal de 1988. 

Há quem defenda que a atuação do assistente é limitada, não lhe sendo possível modificar, ampliar ou corrigir a atividade do titular da ação penal. 

Faz-se uma análise das razões históricas que fizeram com que o legislador, quando da elaboração do Código de Processo Penal, na década de quarenta, adotasse o instituto da assistência da acusação. 

Sustenta-se que, nessa época, o Órgão do Ministério Público era visto como parte parcial no feito, voltado par atender certas pretensões do Poder Executivo, razão pela qual a assistência tinha como razão de ser a desconfiança no Ministério Público, o temor da parcialidade e favoritismo no monopólio do exercício da ação penal, a preocupação pelas possíveis influências do poder a que estava vinculado. Atualmente tais preocupações não têm razão de ser, diante da robustez teórica do Ministério Público, sua atuação imparcial, autonomia e independência funcional. 

Além disso, a figura do assistente de acusação encontrava respaldo em um sistema em que a promoção da ação penal pública não era conferida com exclusividade à instituição do Ministério Público, o que não mais ocorre após a Constituição de 88, que instituiu o monopólio em favor da Instituição. 

Dessa forma, adota-se a idéia que, intervindo no processo criminal, ele passa a ser coadjuvante do Ministério Público, auxiliando-o apenas na colheita de provas, bem como na exposição da verdade dos fatos para a aplicação da lei, ressaltando-se, porém, que a ação penal pública é privativa do Promotor de Justiça e, por isso, a atuação do assistente é meramente participativa. 

Tal afirmação decorre do fato de que o interesse do bem público geral do Ministério Público no exercício da ação penal pública não coincide com o interesse secundário do assistente. Enquanto este busca a condenação criminal e reparação do dano, aquele busca, imparcialmente, a aplicação da lei, tanto que pode pedir a absolvição do acusado, se assim resultar do conjunto probatório. 

Enquanto o  Promotor de Justiça preocupa-se com o devido processo legal e a busca da verdade real, pois não interessa à comunidade a condenação de pessoa inocente, aduz-se que o assistente é parcial, pois intervém na ação penal almejando seu interesse civil na reparação decorrente do ato ilícito, motivo pelo qual aduz-se que a atuação do assistente deve ser limitada e não pode interferir na atuação do Ministério Público. 

Outra corrente entende que a posição da vítima, no processo penal, atuando como assistente de acusação, não mais pode ser analisada como mero auxiliar da acusação, que almeja unicamente conseguir a sentença condenatória, para que sirva de título executivo judicial a ser deduzido no cível. 

A assistência pode ter interesse social, tendo como finalidade a cooperação na repressão do crime e na justa aplicação da pena, não sendo norteada apenas pelo sentimento de vingança e reparação civil, motivo pelo qual o assistente exerce nitidamente o direito de agir, manifestando pretensão contraposta à do acusado. 

Conclui-se que a admissão da vítima e dos demais legitimados como assistente permite a realização de todos os atos que lhe são atribuídos pelo Código de Processo Penal, atuando de forma conjunta e harmônica com a acusação, não apenas como parte interessada na indenização civil, mas também visando à justiça da decisão para a efetiva prevenção e repressão da criminalidade.  

 

18. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A AÇÃO DE ALIMENTOS.

 

Primeiramente, cumpre destacar que a participação do Ministério Público no processo de alimentos deve ser analisada tendo-se em consideração que ele pode exercer a função de custus legis ou de parte, em razão da função institucional de defesa dos interesses individuais indisponíveis preconizada no art. 127 da Constituição Federal de 1988. 

A legitimação do Parquet para atuar como fiscal da lei encontra-se fundamentada no art. 82 do Código de Processo Civil. Além disso, a Lei n. 5.478/68 (Lei de Alimentos), em seus arts. 9º e 11, impõe a obrigatoriedade da intervenção do representante do Ministério Público em tais ações, sem necessidade de distinguir os casos em que haja interesse de menores e incapazes daqueles em que as partes sejam maiores e capazes. 

Isso decorre do fato de que a presença do Ministério Público na ação de alimentos justifica-se pela necessidade de se examinar o fiel cumprimento das disposições processuais e materiais, além de atentar para que haja repartição equânime dos encargos da obrigação alimentar. 

A intervenção se faz necessária quer se trate da ação ordinária, da ação de execução, revisional ou exoneratória, implicando nulidade do feito a ausência de intimação do Ministério Público para manifestar-se. 

Ainda, é obrigatória a manifestação do Ministério Público em acordo extrajudicial firmado por pais de menores em ação de alimentos, a fim de evitar prejuízos aos interesses de incapazes. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (Notícia do STJ de 12/2/2009), em votação unânime, deu provimento ao recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul, para anular a sentença que havia declarado extinta a ação de alimentos de dois menores representados pela mãe contra o pai, sem a intervenção do órgão Ministerial. 

Importante registrar que o Ministério Público de Santa Catarina possui o ato n. 103/2004/PGJ, que orienta acerca da racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil, sem caráter vinculativo, em respeito ao princípio da independência funcional, permitindo aos Órgãos de Execução, não se vislumbrando interesse relevante a reclamar a sua tutela, manifestar-se apenas formalmente, declinando de maneira sucinta as razões do seu posicionamento.

Dentre as hipóteses elencadas no ato, tem-se: “ação de alimentos e revisional de alimentos entre pessoas capazes”. 

Destaca-se que, conforme prevê o § 1º do art. 3º: “a prerrogativa de optar pela intervenção meramente formal, nos termos deste Ato, não implica renúncia ao direito de receber os autos com vista nas hipóteses em que a lei prevê a participação do Ministério Público no feito”.  

Em relação à legitimidade ativa, verifica-se que a atribuição Ministerial para promover e acompanhar ações de alimentos está expressamente estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente, como conseqüência imediata da Doutrina da Proteção Integral, consoante dispõe o art. 201, III, do ECA

Nesse contexto, o Promotor da Infância e da Juventude, agindo como órgão de Estado, em defesa das crianças e dos adolescentes – merecedores de um tipo todo especial de atenção e proteção – terá legitimidade para a iniciativa da ação de alimentos quando incidentes, no caso concreto, duas condições: alimentando com idade até dezoito anos incompletos (art. 2º do ECA) e que o direito do tutelado se encontre ameaçado ou violado por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis. Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: REsp n. 659.498/PR, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 14/2/2005.

O posicionamento adotado tem como fundamento o disposto no art. 148, parágrafo único, “g”, do ECA, acerca da competência da Justiça da Infância e da Juventude para conhecer somente de ações de alimentos quando se tratar de criança ou adolescente que se encontrar nas situações previstas no art. 98.  

Contudo, há decisão reconhecendo a legitimidade do Ministério Público, caso não exista Defensoria Pública no município, para propor ação de execução de alimentos quando ele mesmo já a havia referendado. O entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça é que, se o Ministério Público teve legitimidade para promover o acordo, terá também para executá-lo, independentemente de o menor encontrar-se sob a guarda e responsabilidade de sua mãe (REsp 510969 / PR, rela. Mina. Nancy Andrighi, j. em 6/10/2005). 

Entendeu a relatora do processo, Ministra Nancy Andrighi, que o art. 201, III, do ECA dá ao órgão ministerial pertinência subjetiva para promover e acompanhar as ações de alimentos, não figurando – no referido dispositivo de lei – qualquer ressalva ou condição capaz de limitar a atuação do Ministério Público na defesa dos interesses da infância e da juventude. Segundo ressalta a relatora, é preciso observar que "a proteção do ECA é ampla, no sentido de salvaguardar os direitos das crianças e dos adolescentes em todos os casos, inobstante a existência de ‘situação irregular’ ou de abandono, visto que à própria condição de pessoa em desenvolvimento subjaz a vulnerabilidade e fragilidade a serem tuteladas pela sociedade”. 

Para a ministra, os dispositivos inseridos no Estatuto não podem ter aplicação restrita aos procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude, já que isso dificultaria a principal finalidade da lei – que é a ilimitada e incondicionada proteção da criança e do adolescente. A relatora salientou que é possível verificar a violação de direito da criança, qual seja: não-cumprimento de obrigação de prestar alimentos assumida pelo alimentante em termo de acordo referendado pelo Ministério Público, o qual, diante da ofensa a direito indisponível da menor e da inércia do Estado em prover a comarca local da Defensoria Pública, invocou para si a defesa do direito subjetivo, em nome próprio, como substituto processual.

Além disso, explicou que o caso trata da execução de acordo referendado pelo Ministério Público, no atendimento à comunidade, com o objetivo de preencher lacuna relativa à ausência de Defensoria Pública no município paranaense de Francisco Beltrão. "Se não amparada pelo Ministério Público, como poderia se socorrer a população que não tem condições de arcar com as despesas advindas de um processo, notadamente em uma comarca destituída de Defensoria Pública?", questionou a ministra.

Tal enfoque, segundo a relatora, seria suficiente para conferir legitimidade ativa ao Ministério Público para a propositura da ação em questão. Assim sendo, de acordo com ela, "encontra-se perfeitamente caracterizada a legitimidade do Ministério Público para atuar como substituto processual na ação de execução de prestação alimentícia em face do pai e em favor do menor, nos termos da literalidade do artigo 201, III, do ECA (...) não se descurando que a execução encontra-se fundada em acordo que o próprio MP referendou". Diante disso, a ministra Nancy Andrighi deu provimento ao recurso para declarar o reconhecimento da atuação do órgão ministerial como "legitimado extraordinário" na defesa do interesse da criança.

Registra-se, ainda, outra hipótese de legitimidade ativa do Ministério Público para requerer alimentos prevista na Lei n. 8.560/92. 

Com efeito, esta lei concede legitimação ao Parquet para ação de investigação de paternidade ao dispor em seu art. 2º, § 4º, que “se o suposto pai não atender no prazo de 30 dias a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o Juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade”. 

Tal legitimidade se subordina a indisponibilidade do interesse individual, sendo, portanto, conferida mesmo nos casos em que o registro de nascimento tenha sido lavrado anteriormente à edição do referido diploma legal. 

O art. 7º da mencionada lei dispõe que “sempre que nas sentenças de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite”.

Por conseguinte, sempre que o Ministério Público estiver legitimado para a investigação de paternidade, em idênticas circunstâncias está o mesmo legitimado para requerer alimentos em favor do investigando.  

Concluindo, o Promotor de Justiça deve atuar, tanto como custos legis quanto como legitimado ativo, pautado sempre na sua função constitucional de defesa dos interesses indisponíveis, dentre eles o direito a alimentos, participando em todas as causas que envolver interesse de menores e incapazes, sendo-lhe facultada a manifestação em se tratando de maiores e capazes, sempre fundamentada, bem como agindo como parte nos casos afetos à Infância e Juventude e nas hipóteses em que a tutela dos interesses do menor esteja prejudicada pela omissão do Estado em prestar a devida assistência judiciária gratuita, tendo em vista que a atuação do Ministério Público deve ser eficaz e completa na defesa integral dos direitos indisponíveis, mormente das crianças e dos adolescentes. 

 

19. ADOÇÃO INTERNACIONAL

A adoção, instituto civil de direito de família, é um ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas para as quais tal relação não existe naturalmente. Trata-se de uma ficção jurídica segundo a visão clássica de Arnaldo Wald. 

É certo que os institutos jurídicos ao longo da historia modificam-se na medida em que as relações sociais de cada época o exigem, não sendo diferente com o instituto da adoção que remonta ao direito romano, evoluindo por meio do direito canônico até chegar aos dias atuais cujo trato legislativo, no Direito brasileiro, encontra-se no Código Civil e na Lei 8.069-90, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nesse sentido, a legislação, em regra reflexo do tempo e da cultura vivida pela sociedade em que ela emergiu, partiu de uma total discriminação quanto à figura dos filhos adotados, para a elevação destes à igualdade plena com relação aos filhos biológicos. 

É certo que o atual texto normativo constitucional, em seu art. 227, § 6º, revela o valor da igualdade entre os filhos como um dos princípios vetores do Direito de Família: "os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação." Daí porque as discriminações legalizadas pelo revogado Código Civil de 1916 não poderem subsistir ante a nova ordem jurídico constitucional pós 1988, fato que se consolidou em termos legais com a edição do ECA em 1990 e do novo Código Civil, em 2002. Imagine-se que a adoção pelo antigo Código não concedia direitos hereditários ao adotado e que todos os direitos e deveres que advinham do parentesco natural permaneciam inalterados pelo novo vínculo criado pela adoção, à exceção do poder familiar, à época denominado de pátrio poder. O filho, portanto, pelo Código revogado, sofria um processo de "coisificação", isto é, constituía-se em mero objeto de um quase empréstimo, na qual a titularidade de possuidor poderia ser transferida com possibilidade de retorno ao status quo ante. Essa realidade não mais subsiste em razão da supremacia dos direitos constitucionalizados decorrente da força normativa da Constituição. 

Com base na nova principiologia constitucional, o ECA introduz em suas disposições a “doutrina da proteção integral”, baseada no reconhecimento de direitos especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes. É possível, assim, em nível normativo, afirmar que além dos direitos fundamentais da pessoa humana, goza a criança e o adolescente do direito subjetivo de desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, preservando-se sua liberdade e dignidade. O ECA ainda estabelece o dever em se assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade absoluta, dentre outros direitos, a convivência familiar, tornando-se, agora, o instituto da adoção, como uma efetiva ferramenta para minimizar os efeitos devastadores do abandono moral e afetivo que assolam milhares de jovens brasileiros. 

Nesse sentido, a adoção deve sempre pautar-se em expandir a proteção dos direitos fundamentais do adotado, pois a sua única finalidade atual é garantir a efetiva convivência familiar de modo a fortalecer o desenvolvimento emocional da criança e do adolescente. Não por outra razão deixou de existir com edição do novo Código Civil a adoção simples, passando esta a ser sempre plena e irrestrita. Limita-se este novo Diploma legal a repetir as previsões do ECA trazendo poucas modificações e, em tema de adoção por estrangeiros, remete toda a sua regulamentação à lei especial (ECA). De qualquer maneira, é certo que segundo ambas as legislações no que se refere à adoção, há preferência na adoção de crianças e adolescentes brasileiros por pessoas nacionais, sendo a adoção estrangeira encarada como medida excepcional. Isso é facilmente explicável considerando o histórico no desvirtuamento que recorrentemente havia nas denominadas “adoções internacionais”, pois é certo que essas são mais suscetíveis de fraudes e ilicitudes possibilitando o tráfico de crianças e adolescente. 

Não por outra razão o Brasil, por meio do decreto legislativo nº 3.087-99, ratificou a convenção de Haia, cujo texto normativo enumera diversos requisitos para se possibilitar a adoção de crianças de um dos países signatários por casais estrangeiros. São exigidos, dentre outros requisitos, que a adoção atenda o interesse superior da criança; a existência de estudo social realizado no país do casal pretendente, noticiando a impossibilidade de colocação da criança em família substituta de seu país de origem; a inexistência de alguma forma de pagamento na constituição da adoção; haja, quando possível, o respeito pela vontade da criança ou do adolescente etc.

Segundo o ECA, o casal estrangeiro pretendente em adotar uma criança brasileira deverá se habilitar perante a comissão estadual judiciária de adoção (CEJA) a qual compete emitir um laudo de habilitação para instruir o processo de adoção. No Estado de Santa Catarina, essa comissão foi instituída pelo provimento 01-93 da Corregedoria-Geral de Justiça, com suas atribuições definidas no provimento nº 12-93. Os Casais estrangeiros deverão apresentar dentre outros documentos, estudo biopsicossocial elaborado no local de sua residência, atestados de saúde físico e mental, certidão de antecedentes criminais; certidão de casamento; passaporte; atestado de residência; declaração de rendimentos; documento expedido pela autoridade estrangeira do respectivo domicílio, comprovando estar o casal habilitado a adotar consoante as leis de seu país. 

É certo lembrar que antes de deferida a adoção, o art. 51, § 4º do ECA veda a saída do infante do país em qualquer hipótese. Assim, o estágio de convivência deverá ser realizado em território nacional por período não menor de 15 dias – para crianças de até 2 anos de idade – ou não menor de 30 dias, quando o adotando superar àquela idade. 

Não se deve esquecer, ainda, que o art. 45 do ECA estabelece que é necessária a autorização dos pais do adotante para que a adoção ocorra, ou ainda, a destituição do poder familiar. Importante destacar que a doutrina majoritária, capitaneada pelo magistério de Maria  erenice Dias, entende ser possível cumular os pedidos de destituição e adoção na mesma demanda, entendimento este que vem sendo seguido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Ap. 2005.005558-1;  Ap. 2007.061277-2 e Ap. 2007.014052-5). Vale ressaltar, porém, que o STJ, em julgados de sua 3º Turma, ainda mantém sua orientação no sentido de ser necessária ação própria de destituição do poder familiar a fim de que os genitores biológicos exerçam com plenitude o contraditório e a ampla defesa (Resp nº 283092 e Resp nº 476382).

O processo de adoção é de competência da vara especializada da Infância e Juventude e, por esta razão, incumbe ao Ministério Público fiscalizar a sua tramitação, desde a fase de habilitação no cadastro de pretendentes, até a fase de ultimação do vínculo adotivo a ser entabulado por meio de uma sentença constitutiva da autoridade judiciária competente. 

Em razão da peculiaridade que as adoções internacionais envolvem, deve o Ministério Público estar atento a qualquer indício indicativo de desvirtuamento do procedimento adotivo, o qual pode servir de fachada para ação de grupos criminosos voltados à prática do tráfico de crianças. Além do que, conforme o ECA prevê, deve-se tentar esgotar todas as possibilidades de colocação do menor em família substituta nacional para só assim se abrirem as portas à adoção estrangeira. 

De outro lado, recentes estatísticas apontam que os casais estrangeiros, diferente dos brasileiros, constantemente realizam adoções visando à ajuda humanitária, estando mais abertos a adotar crianças de etnias diferentes das suas, bem como de mais idade, crianças que em nosso país são consideradas inadotáveis. Há grande procura pelos casais brasileiros por filhos adotivos que possuam características físicas semelhantes às suas, visando, desta forma, evitar a constatação imediata da origem da filiação por parte de terceiros. Além disso, a baixa taxa de natalidade dos países desenvolvidos impulsiona cada vez mais a adoção por estrangeiros em países mais pobres como o Brasil. 

Assim, as restrições existentes na legislação brasileira à adoção por estrangeiros devem ser entendida pelos órgãos responsáveis pelo processamento e fiscalização de tal procedimento, como medidas preventivas e protetivas aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes brasileiros, priorizando a manutenção de sua nacionalidade originária e convivência com famílias brasileiras. Entretanto, em não sendo possível sua adoção por pessoas brasileiras, deve-se oportunizar aos infantes por meio da “adoção internacional”, o convívio familiar de modo a garantir um desenvolvimento afetivo saudável num lar estrangeiro, cujos casais, em sua grande maioria, diferentemente dos brasileiros, buscam crianças com idade acima dos quatro anos de idade seja de qual raça for, optando muitas vezes em adotar vários irmãos a fim de manter o elo familiar que os unem, demonstrando que primeiramente desejam ser pais, enquanto que os casais brasileiros procuram em sua grande maioria criar a ilusão de família natural, tendo como objetivo adotar bebês brancos e saudáveis ainda nos primeiros seis meses de vida. 

 

20. A IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Quando em atos persecutórios ou na aplicação da lei penal a liberdade de ir e vir é atingida ou ameaçada indevidamente, seja por ilegalidade ou abuso de poder, a pretensão de imediato restabelecimento do direito de ir e vir, ou de remoção da ameaça que sobre ele paira, é deduzida em juízo com o pedido de habeas corpus. Instaura-se, pois, um processo cujo objetivo final é a concessão da ordem de impedir ou fazer cessar a ameaça ao direito de ir e vir. 

Introduzido no Brasil por meio do Código de Processo Criminal de 1832, é certo que hoje o habeas corpus constitui uma das mais importantes garantia fundamental inscrita no rol do art. 5º da Constituição da República de 1988, cujo objetivo é a proteção da liberdade de locomoção. Daí porque os enunciados nº 693 e 694 da súmula do Supremo Tribunal Federal realcem não ser cabível a ação de habeas corpus contra decisão condenatória de multa ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada – por analogia, o enunciado abrange as medidas do art. 28 da Lei 11.343-06 – ou ainda contra sentença que imponha a exclusão militar ou perda de patente ou de função pública. Isso porque nesses casos a liberdade de locomoção não irá sofrer qualquer tipo de ameaça. 

É claro que a ação de habeas corpus na grande maioria das vezes se insurge contra atos de ilegalidade ou abuso de poder que atentem contra a liberdade de locomoção na esfera criminal, mas é possível sua impetração no juízo cível quando a ameaça ou lesão deste emanarem, embora não seja a regra. 

Torna-se evidente que essa ação autônoma de impugnação é um grande instrumento de proteção aos direitos fundamentais do acusado numa situação em o Estado haja iniciado atos de persecução penal, conferindo o Código de Processo Penal, no art. 654, caput, a qualquer pessoa, em seu favor ou de terceiro, capacidade postulatória para impetrar o HC. A ampliação da legitimidade ativa para essa ação é a prova da importância jurídica desse remédio constitucional na proteção dos direitos fundamentais daquele indivíduo cuja liberdade de locomoção esteja ameaçada. 

Ocorre que, no mesmo dispositivo legal supramencionado, legitima-se também a impetrar HC o Ministério Público, instituição que, segundo o art. 257, I, do CPP, cabe promover, privativamente, a ação penal pública. Ou seja, o MP tem legitimidade privativa para denunciar alguém pela prática de crimes e, ao mesmo tempo, tem legitimidade para proteger essa mesma pessoa de qualquer ilegalidade ou abuso de poder que possa ocorrer antes, durante ou após o curso da ação penal. A questão, então, que se mostra controversa é saber como compatibilizar essas duas atuações do Ministério Público e como essas atuações podem ser entendidas no sistema acusatório penal estabelecido como garantia fundamental na Constituição de 1988.  

O Ministério Público é o titular do direito de ação nos processos em que a res in judicium deducta versa sobre crimes de ação pública. Nesse sentido, o MP pede, promove, impetra, litiga. Titular da pretensão punitiva e do direito de acusar, é evidente que o Ministério Público tem a função e papel de parte na relação processual que se instaura a partir da ação penal. Assim, a função de acusar, defender e julgar, hoje, são desempenhas por sujeitos processuais diversos, garantindo assim o respeito ao contraditório e ao devido processo legal acusatório.

Ocorre que para resguardar o direito de liberdade do autor do crime e porque o caráter retributivo da pena o obriga a um julgamento sobre a pessoa do acusado, deu o Estado caráter processual à persecução penal de maneira que a pena somente pode ser aplicada depois da sentença condenatória. Daí o procedimento acusatório ser imprescindível a um processo constitucionalmente democrático, em que o magistrado imparcial aplica as normas do direito objetivo, dando a cada um o que é seu. 

Além disso, o Ministério Público representa o interesse público do Estado no processo penal, sendo, por isso mesmo, parte formal. Incorreto seria conceber o MP como um órgão sui generis no processo penal, pois sua qualidade de parte é cristalina. Se o MP fosse imparcial, desnecessária a figura do juiz no processo. No processo penal o MP atua como parte, pois, se assim não o for, debilitada estará a função repressiva do Estado. Ademais, o que caracteriza o conceito de parte não é a parcialidade ou imparcialidade, e sim a titularidade de direitos próprios em relação ao conteúdo do processo. Embora o ius puniendi seja de titularidade do Estado, o seu exercício é de titularidade privativa do MP quando se tratar de crimes cuja ação penal seja pública, sendo portanto certo denominar o MP de parte, embora em sentido estritamente formal ou processual. 

Assim, como titular do direito de exercer a ação penal, o MP não só pode como deve fiscalizar a fiel execução da lei penal, constituindo tal mister como projeção da incidência da força normativa dos direitos e garantias fundamentais do acusado frente o ius puniendi de titularidade estatal. Nesse sentido dispõe o art. 257, II, do CPP. Logo, o MP, como órgão da lei, pode pedir a absolvição do réu ou deixar de recorrer contra uma sentença absolutória, ou ainda impetrar HC nos termos do art. 654, caput, do CPP, sem destruir a qualificação de parte que ostenta no processo penal. Logo, é possível dizer que enquanto o juiz atua em função do interesse externo da composição da lide, o MP atua em função de interesses públicos conexos com os interesses em conflito, esforçando-se pela constituição de uma sentença justa. 

Em última análise, a legitimidade o MP para impetração de HC em favor do acusado demonstra que, de acordo com o art. 127 da CF, ao MP, em toda a sua atuação, incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Diante de uma ilegalidade patente o MP como instituição constitucionalmente consagrada à proteção da ordem jurídica e ao regime democrático, está obrigado a autuar em prol da defesa dos direitos e garantias fundamentais, dentre os quais a liberdade de locomoção. 

Por outro lado, o MP deve evidenciar seu interesse de agir em favor do direito à liberdade do paciente, pois não é admissível que o Parquet se utilize do HC para indiretamente assegurar um direito acusatório. Nesse sentido o STF já se pronunciou diversas vezes desde 1993, reconhecendo que o HC como um instrumento vocacionado exclusivamente à proteção da liberdade individual e não como meio de sanear processo eventualmente nulo por ilegalidades ou abuso de poder. 

Como defensor da ordem jurídica, o MP vela não só pela efetiva observância da lei pelos poderes públicos, mas de toda norma jurídica – princípios e regras – e ainda das decisões dos tribunais. Não por outra razão o STF amplia o cabimento do HC para questionar a ilegalidade de inquéritos policiais e processos em que possa resultar a privação à liberdade de locomoção, cujos elementos de prova se baseiem em meios de prova que afrontem um processo penal justo e democrático como, por exemplo, inquéritos em haja a quebra de sigilo bancário injustificadamente (HC 84869) ou mesmo em que haja o flagrante desrespeito à incidência do enunciado nº 11 da súmula vinculante do STF. 

Por fim, deve-se ressaltar que a impetração de HC pelo MP, cujos membros são investidos de capacidade postulatória genérica, somente se legitima em relação ao membro que tiver conhecimento da ocorrência do constrangimento ou ameaça à liberdade em razão do exercício de suas funções, bem como nos limites de suas atribuições. Logo, se a ilegalidade é verificada no julgamento de um processo pela turma recursal que tramita no juizado especial de determinada comarca, somente o promotor de justiça com atribuições perante esta terá legitimidade para impetrar HC diretamente no Tribunal de Justiça local (após o julgamento do HC 86099, a súmula 690 do STF restou prejudicada). 

Ademais, após a Lei 8.625-93, ficou superada a dúvida sobre a possibilidade de impetração de HC por Promotores de Justiça perante tribunais de segundo grau, pois a lei anterior restringia essa possibilidade somente aos Procuradores de Justiça. De todo modo, a impetração de HC pelo MP não só encontra respaldo legal no CPP e na LONMP, mas deve ser entendida como uma imposição constitucional ao Ministério Público, instituição voltada à proteção da ordem jurídica e do regime democrático, sendo nesse último sentido, garantidor e promotor do efetivo respeito à dignidade da pessoa do acusado no processo penal. 

 

21. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IMPUNIDADE

 

Todos os dias nos deparamos com notícias e reportagens relativas ao aumento da criminalidade, da corrupção, mau trato do dinheiro público etc, de modo que a sensação da população como um todo é de absoluta impunidade de grande parte daqueles que afrontam a coletividade em seus valores mais básicos, em benefício próprio. 

Nesse passo, tem o Ministério Público relevante papel na diminuição desta sensação geral, uma vez que, dotado de uma série de garantias constitucionais que lhe garantem o pleno exercício das suas prerrogativas, dentre as quais se enquadra a privatividade da ação penal, possui o membro do Parquet o poder-dever de agir em prol dos interesses da sociedade.

São crescentes os números de homicídios, roubos, latrocínios, e outros crimes bárbaros que aterrorizam a população e impõem freios ao nosso desenvolvimento social. Muitas vezes o cidadão tem seus bens privados por assaltantes e nem procura a polícia, pois acredita na impunidade do ofensor.

Como detentor exclusivo da ação penal pública, o Ministério Público deve agir com rigor e segurança na instrução criminal em que oficia, para que a punição imposta ao infrator da Lei penal sirva de exemplo e desestímulo para todos os demais que pretendem ganhar a vida de maneira criminosa, e conseqüentemente aumentando a credibilidade da sociedade nos poderes constituídos e no combate a impunidade.

Ao Ministério Público são proporcionados inúmeros instrumentos para dar efetividade a um massivo combate à impunidade penal, iniciando-se pela requisição de abertura de Inquérito Policial à autoridade competente, bem como o seu respectivo acompanhamento até a propositura de eventual denúncia.

No mesmo norte, sendo o Ministério Público destinatário do Inquérito Policial e titular da ação penal pública, conferiu-lhe a Constituição Federal poderes de controle externo sob a atividade policial, podendo averiguar a efetiva investigação e repressão dos crimes que chegam ao conhecimento da Polícia.  Inclusive já tendo sumulado o Superior Tribunal de Justiça (234) que a participação de membros do Parquet na investigação policial não dá azo a uma eventual suspeição posterior pela propositura da denúncia. 

Entretanto, resta evidente que a exclusiva fiscalização ministerial não terá qualquer efeito se a atividade policial não for aprimorada em todos os sentidos. Ninguém dúvida que o crime caminha para uma acentuada especialização e profissionalização, requerendo, por conseqüência, um acompanhamento estrutural e técnico das nossas polícias, que deveriam estar muito mais preparadas e treinadas para um efetivo combate a impunidade. De maneira que, com baixos salários e despreparadas, muitas vezes a polícia mais assegura a impunidade que a reprime.

No que assiste a instrução criminal possui o Ministério Público instrumentos processuais próprios para apuração da responsabilidade penal e o combate a impunidade como um todo. Podem ser citados a Lei dos Crimes Organizados, Escuta Telefônica e os crimes hediondos, dando tratamento mais rigoroso a determinados crimes e vários outros previstos na nossa legislação adjetiva. Também merece especial destaque a Lei n. 9.613/98 que em boa hora tipificou os crimes de lavagem de dinheiro, punindo de modo específico aqueles que legalizam os bens provenientes de vários ilícitos (tráfico de entorpecente, crimes contra o sistema financeiro nacional etc).

Contudo, não se olvida que o aumento da criminalidade é um retrato fiel da nossa realidade econômica, um país que tem uma das maiores economias do mundo e ao mesmo tempo uma das piores distribuições de riqueza, não pode, unicamente através da persecução penal, persuadir toda a forma de impunidade. Deve-se criar uma política de oportunidades onde a sociedade e o Estado possam proporcionar empregos e atividades a população mais carente do nosso país.

Temos também uma das maiores cargas tributárias existentes, que realmente não se coadunam com os parcos serviços prestados pelo Estado. Grande parte dos recursos públicos que serviriam para a execução de políticas sociais é diluído por agentes públicos na ânsia de enriquecer as custas do erário.

Na verdade, o exemplo a ser dado deveria partir daqueles a quem o povo, efetivo titular do poder na ordem democrática, outorga os seus mandatos, bem como dos seus agentes que no trato com os dinheiros públicos confundem o patrimônio da coletividade com os seus, angariando verdadeiras fortunas decorrentes de práticas espúrias e desvirtuando a finalidade do Estado, que é o bem comum.

Como forma de combater essa mazela, o Ministério Público tem buscado a punição de eventuais corruptos, principalmente por meio da Lei 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa), a qual trouxe amplos poderes para que o parquet e outras entidades, punam e recuperem todos os valores ilicitamente acrescidos aos patrimônios dos agentes públicos e dos respectivos  beneficiários dos seus atos, que sofrerão sanções civis, políticas e administrativas decorrentes dos seus atos, independentemente das sanções criminais.

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em projeto pioneiro no país, igualmente tem voltado especial atenção ao aspecto preventivo da corrupção.

Diante dessa necessidade e das dificuldades em se coibir práticas corruptas que estão arraigadas na sociedade brasileira, o promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina, Affonso Ghizzo Neto, considerando que uma das soluções seria a atuação preventiva dos agentes sociais, iniciou um programa de mobilização e conscientização social denominado “O que você tem a ver com a corrupção?”. 

O projeto visa principalmente dimunuir a educar e estimular as novas gerações, mediante a conscintização, em médio e longo prazos, dos malefícios que a corrupção traz à vida de todos, bem como almeja diminuir a impunidade por meio da criação de um canal direto para o oferecimento de denúncias, pela polulação. 

Outrossim, é patente a participação do MP em toda espécie de ação que vise a punição ou anulação de atos lesivos ao Estado, como é o caso igualmente da ação popular, quando o MP poderá até mesmo tomar a titularidade desta nos casos de abandono pelo autor da causa.     

Finalmente temos o exemplo das ações civis públicas, que na tutela dos interesses difuso e coletivos presta ampla titularidade ao Ministério Público para que reprima a impunidade daqueles que se valem do poder econômico em prejuízo dos hiposuficientes, a exemplo das ações propostas com fulcro no CDC, ou mesmo dos poluidores que são obrigados a prevenção, repressão ou indenização resultante da degradação do meio ambiente, ou ainda nos poderes conferidos pelo ECA quando o Estado ou a sociedade não atende aos ditames da doutrina da proteção integral.

Diante do exposto, concluí-se que o Ministério Público, no uso de suas prerrogativas, tem amplos poderes para diminuir a impunidade que, em nosso país, existe nas mais variadas formas, tendo o Promotor de Justiça, repita-se, o poder-dever de velar pelos interesses da sociedade nos mais variados casos, seja na esfera criminal, na dos direitos indisponíveis ou na dos difusos e coletivos. 

 

 

Fontes: 

- Material de apoio que alguns promotores utilizaram no último concurso do MP/SC.

- Material enviado pelo Dr. Affonso Ghizzo Neto, promotor de justiça do MP/SC. 

 

22. 25. PENA DE MORTE E PRISÃO PERPÉTUA: VISÃO CRÍTICA

 

A prisão perpétua, assim como a pena de morte, constitui tema que no Brasil só pode ser discutido do ponto de vista filosófico, moral etc.. Juridicamente enfocado, a conclusão não pode ser outra: ela está terminantemente proibida pela atual Constituição da República (art. 5º, XLVII). Para superar essa barreira constitucional, em tese, existiriam três caminhos: o da emenda constitucional, o da lei ordinária e o do plebiscito.

A via da emenda constitucional que viabilizaria no nosso país a prisão perpétua ou a pena de morte acha-se bloqueada pelo que está previsto no art. 60, §4º, da Constituição, que cuida de uma das chamadas cláusulas pétreas (normas supraconstitucionais). Referida norma constitucional proíbe a deliberação de qualquer proposta de emenda tendente a abolir “os direitos e garantias individuais”. A vida e a liberdade, indiscutivelmente, constituem direitos individuais (art. 5º), razão pela qual não podem ser afetados por nenhuma emenda constitucional.

Particularmente no que diz respeito à prisão perpétua, semelhante iniciativa legislativa também encontraria o obstáculo no princípio da individualização da pena prevista no art. 5º, XLVI, da CR. Na medida em que a prisão perpétua impede qualquer progressão de regime prisional, assim como o livramento condicional, colidiria frontalmente com o mencionado princípio.

A revisão constitucional, prevista no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, também possui limites. O poder de revisão é um poder criado pela Constituição e regulado por ela; é dizer, é um poder constituído e não constituinte. Sendo assim, não pode dispor contra suas opções fundamentais. Não é um poder de fazer “nova” Constituição, senão o de guardá-la e defendê-la, propiciando a sua acomodação a novas conjunturas.

Algumas normas, mais precisamente as chamadas normas-princípios, não podem ser objeto de revisão porque são intocáveis. Existe um núcleo “supraconstitucional” que não pode ser afetado, nem sequer pela revisão constitucional. Este núcleo está constituído pelos princípios básicos constitucionais, como os estabelecidos nos arts. 1º ao 5º, da CR, cuja imodificabilidade está garantida pelo art. 60, §4º, da CR.

Outra via possível, em tese, para a adoção da pena de morte ou da prisão perpétua seria a da lei ordinária. Mas qualquer iniciativa legislativa deste teor seria absolutamente inconstitucional na medida em que violaria os dispositivos constitucionais já citados que proíbem tanto a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, como a de prisão perpétua (art. 5º, XLVII).

Quanto ao plebiscito, dispõe o art. 49, XV, da CR, que cabe ao Congresso Nacional, com exclusividade, convocá-lo, não existindo nenhum obstáculo constitucional expresso para tal convocação. Contudo, se a pena de morte e a prisão perpétua não podem ser reconhecidas por emenda constitucional, nem pela lei ordinária, perde todo o sentido convocar o povo para opinar em plebiscito sobre algo que juridicamente é impossível.

Assim, conclui-se que todas as vias jurídicas acham-se bloqueadas para introdução no Brasil da pena de morte e da prisão perpétua.

O Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional e previu a pena de prisão perpétua, foi ratificado pelo Brasil. A doutrina vem salientando que o este Tribunal cuidará de crimes graves, não previstos na legislação interna. Dessa forma, a vedação constitucional valeria internamente, não nas relações do Brasil com a comunidade internacional.

Para Luiz Flávio Gomes, todas as vezes que o Brasil tiver que “entregar” (que não se confunde com extraditar) alguém para ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional, deve fazer a ressalva da pena de prisão perpétua, salientando que a entrega é condicionada à não-aplicação dessa pena, que é vedada pela nossa Constituição.

Por oportuno, vale discorrer acerca dos motivos pelos quais se postula tanto a pena de morte ou a de prisão perpétua atualmente.

Poucos países não tiveram um grande incremento da criminalidade, sobretudo depois da Segunda Guerra mundial. Esse incremento gerou a demanda de políticas criminais “duras”. Em muitos lugares se fala em “guerra” ou “luta” contra a criminalidade. Ganhou proeminência o chamado movimento da lei e da ordem.

Exatamente esta demanda de endurecimento político-criminal é que vem sendo a responsável pela severidade de vários sistemas penais, mais precisamente das respostas que o Estado deve dar para controlar o gravíssimo problema da criminalidade.

Da análise do conjunto dessas respostas estatais é possível detectar dois grupos bem delineados: o das respostas puramente repressivas, baseados no endurecimento do sistema penal e no incremento da persecução criminal; e o das respostas mais globais, de natureza predominantemente preventiva.

Por uma série de razões, que tocam principalmente a política econômica adotada em cada país e a justa distribuição da riqueza, sempre foi e continua sendo muito mais fácil adotar o primeiro modelo de política criminal, puramente repressivo. A forma mais econômica e, muitas vezes, mais demagógica de dar uma resposta estatal “popular” ao problema de delinqüência, consiste na promulgação de uma lei penal dura. Do ponto de vista econômico e do simbolismo, nada é menos custoso.

Ocorre que o complexo da delinqüência, que é plurifatorial, possui inúmeras vertentes. E a simples promulgação de uma lei, por mais dura que seja, acaba não surtindo os efeitos desejados.

Os exemplos dessa política criminal puramente repressiva são, nos dias atuais, incontáveis. Os Estados Unidos, por exemplo, declararam guerra ao narcotráfico, sobretudo nos anos 80, e ainda hoje o problema continua se avolumando. No Brasil, por sua vez, houve também adoção explícita dessa mentalidade de “luta” contra o crime a qualquer preço. O coroamento dessa política repressiva veio com a denominada Lei dos Crimes Hediondos. Não se observou, contudo, qualquer diminuição do número de seqüestros, estupros, roubos ou homicídios praticados no país.

A eficácia do sistema penal, e particularmente da lei penal, depende, em suma, de um conjunto muito complexo de fatores. 

Como destaca a moderna Criminologia, nem o incremento das taxas de criminalidade registrada significa, sem mais, um fracasso do controle social penal, nem, tampouco, parece viável um sistemático e progressivo endurecimento deste para alcançar cotas mais elevadas de eficácia. 

O controle social penal tem limitações estruturais inerentes à sua própria natureza e função, de modo que não é possível  exacerbar indefinidamente sua efetividade para melhorar, de forma progressiva, seu rendimento. A prevenção eficaz do crime não deve se limitar ao aperfeiçoamento das estratégias e mecanismos de controle social. Mais leis, mais penas, mais policiais, mais juizes, mais promotores, mais prisões, significa mais presos, porém não necessariamente menos delitos. 

O controle da criminalidade, em síntese, exige uma política coordenada tanto repressiva quanto preventiva.

No que concerne à repressão, para que as pessoas sejam motivadas de acordo com a norma penal, respeitando-a, é preciso que a lei penal, como já dizia Beccaria, seja aplicada de forma rápida, certa e infalível: “não é a crueldade das penas um dos maiores freios dos delitos, senão a infalibilidade delas [...] a certeza do castigo, ainda que moderado, causará sempre maior impressão que o temor de outro castigo mais terrível, mas que aparece unido com a esperança de impunidade”.

Defender a pena de morte, portanto, é defender o atraso, é reconhecer a regressão antropológica e moral do homem, tão combatida pelas idéias iluministas e humanitárias do Século XVIII. 

 

23. LITISCONSÓRCIOS  ENTRE MINISTÉRIOS PÚBLICOS

 

A questão do litisconsórcio entre as instituições é matéria controvertida na doutrina e jurisprudência, tendo o Superior Tribunal de Justiça já se manifestado acerca da sua possibilidade (REsp n. 382659 / RS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, j. em 2/12/2003). 

  Ao comentar o tema Hugo Nigro Mazzilli relembra, como ocorreu a luta pela aprovação da atuação conjunta dos Ministérios Públicos para uma atuação mais eficiente, especialmente em matéria ambiental.  

No VI Congresso Nacional do Ministério Público em São Paulo, no ano de 1985, a tese não foi aprovada, sendo adotada apenas a solução intermediária de assistência listisconsorcial. 

Em 1988, nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, houve nova tentativa, mas também não se obteve êxito. 

O primeiro diploma legal que previu a possibilidade de litisconsórcio entre os Ministérios Públicos foi o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 210, § 1º.

Com a colaboração de Nelson Nery Júnior e Antônio Herman Benjamin é que foi encaminhada nova proposta ao Congresso Nacional, que foi aprovada em dois dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.  

O art. 82, § 2º, do CDC repetiu o texto do 210, § 1º, do ECA e foi vetado.

No entanto, o art. 113 do CDC acrescentou parágrafos ao art. 5º da Lei 7.347, entre eles, o § 5º, que repete o teor do ECA. O artigo 113 do CDC, posto com o mesma redação do referido artigo 82, § 2º (vetado), foi sancionado: “admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que trata esta lei”. 

As razões do veto do artigo 82, § 2º, do CDC foram: a) o dispositivo fere o artigo 128, § 5º, da CF que reserva à lei complementar a disciplina da organização, atribuições e estatuto de cada MP; b) somente poderia haver litisconsórcio se a todos e a cada um dos MP tocasse qualidade que lhe autorizasse a condução autônoma do processo, o que o artigo 128 da CF não admitiria.

Diante da incoerência do veto ao 82, § 2º, do CDC e da sanção do artigo 113, também do CDC (este tendo acrescentado o § 5º ao artigo 5º da Lei 7347), surgiram correntes contrárias e favoráveis ao litisconsórcio. 

Teothonio Negrão prega que o art. 113 do CDC também fora vetado expressamente pelo Presidente, mas, por engano, a publicação oficial do Código de Defesa do Consumidor os deu como sancionados, quando, em realidade, foram vetados. 

Vicente Grego Filho diz ser inconstitucional o referido § 5º: “É curial que a atuação do MP acompanhe a competência dos órgaõs jurisdicionais perante os quais atua. Assim, se a competência para o processo é da  Justiça Federal,  o Ministério Público estadual não pode atuar perante ela e vice-versa. O direito brasileiro tem conhecido delegações  de atribuições do Ministério Público federal para o estadual. como, por exemplo, a promoção da execução da dívida ativa federal ou a ação penal nos crimes de tráfico de entorpecentes com o exterior, mas sempre vinculado à competência do juiz perante  o qual atua. Lei ordinária não poderia quebrar o sistema. Viola  o parágrafo o próprio sistema federativo, porque subverte as competências das autonomias.” (Comentários ao CDC, coord. Juarez de Oliveira, São Paulo, Saraiva). 

No entanto a corrente predominante até o momento defende o § 5º é constitucional e está em vigor. Os argumentos da corrente favorável são: 

a) “(...) a organização do Ministério Público hoje nada tem a ver com a dos órgaõs jurisdicionais. E em nada desnatura o princípio federativo que o MP estadual tenha algumas funções perante a JF ou vice-versa, como até há poucos anos ocorria nas execuções fiscais e ainda ocorre na Justiça Federal e trabalhista; nas cartas precatórias ou de ordem; na ação penal por tráfico de entorpecentes para o exterior; na avaliação de renda e prejuízos decorrentes de autorização para pesquisa mineral; na possibilidade de o MP Federal interpor recurso extraordinário perante tribunais estaduais (LC 75/93, art. 37, parágrafo único); 

b) Embora tenha a CF reservado à Lei Complementar de cada MP a disciplina de suas atribuições, organizações e estatuto, isto não significa que a lei federal ordinária não possa cometer atribuições ao MP, ou que à disciplina processual esteja ele imune; c) Os princípios da unidade e indivisibilidade do MP só valem dentro de cada instituição; não podem ser invocados para disciplinar a atuação de Ministérios  Públicos dos Estados diversos, ou entre a destes e o da União, nem mesmo a atuação dos diversos Ministérios Públicos da União entre si, a não ser considerando unidade e indivisibilidade sob o aspecto puramente abstrato. No mesmo sentido diz Motauri:  “Em verdade, ditos princípios  somente valem dentro de cada Instituição: assim, o MP de SP é uno e indivisível, como o é, por exemplo o MP Federal. No entanto, não existe um MP que possamos chamar de nacional, abarcando a todos, que seja uno e indivisível.”

Como já afirmado a maioria da doutrina e jurisprudência admitem o litisconsórcio em comento. Questão que surge: perante qual justiça será proposta a ação em listisconsórcio? Segundo a doutrina depende do interesse tutelado. Se Federal, na Justiça Federal. Se Estadual, na Justiça Estadual. Contudo, o STF, em decisão unânime de seu Pleno, decidiu que, pertencente o Ministério Público Federal à estrutura da União, as ações por ele aforadas devem ter curso perante a justiça federal, nos termos do art. 109, I, da CF – RE 228.955-9, 10/02/2000). Motauri conclui: “Em corolário, o litisconsórcio entre MPs do Estado e da União (incluídos o Federal e o do Trabalho) somente pode ocorrer em ações ajuizadas perante a justiça federal -  e não a estadual. (...) se a lei admite o litisconsórcio entre MPs e se estes ao ingressarem com a ação civil pública o fazem por direito próprio -  e não dependência um do outro – por certo que o disposto no art. 5º, § 5º, autoriza também cada um deles a propor demanda isoladamente”. 

A possibilidade de litisconsórcio entre os Ministérios Públicos repercurte, sobremaneira, em benefício da coletividade, na defesa dos interesses de maior abrangência social. 

Isso porque, em sede de Ação Civil Pública, a natureza dos interesses difusos faz com que a matéria, muitas vezes, não possa ficar circunscrita a limites geográficos, pois, em matéria de meio ambiente ou tutela do consumidor, é comum o interesse objetivado dizer respeito tanto à esfera federal, estadual e municipal, sendo que a integração é importante para a atuação ministerial na defesa desses interesses e direitos da sociedade, o que já vem surtindo efeitos positivos, pois, conforme o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Humberto Gomes de Barros, no voto do REsp citado alhures: “a atuação do Ministério Público em defesa da Ordem Jurídica e da Carta Cidadã tem sido digna de louvor e homenagens”. 

 

24. A REDUÇÃO DA MAIORIDADE CIVIL E PENAL

 

Tanto a maioridade civil quanto a penal, no sistema brasileiro, são prévia e abstratamente definidas pela legislação adotando-se um critério biológico no qual o fator tempo é preponderante, segundo o qual se presume que o indivíduo, ao atingir determinada idade, passa a ter o discernimento necessário de suas condutas e, desse modo, a responder plenamente por seus atos, quer na esfera criminal, quer na civil. Importante destacar, porém, que muito embora a questão civil seja, via de regra, adstrita a interesses de particulares, a imputabilidade penal é matéria de alta indagação prevista no corpo constitucional (art. 228).

Até recentemente eram distintos os momentos em que restavam alcançadas as maioridades penal e civil, haja vista que aquela se implementava aos 18 anos de idade e esta aos 21.

Tal dicotomia, contudo, restou superada com o advento do Código Civil de 2002, que reduziu para os 18 anos o patamar referente à maioridade civil, contexto que repercutiu sobremaneira nas relações sociais, pois se por um lado todos os sujeitos que satisfaçam tal requisito passam a ter capacidade plena de contrair obrigações e dispor livremente de seus bens, por outro enfoque mitigam-se as hipóteses de responsabilização civil dos progenitores por atos dos filhos menores que estejam sob sua guarda, cabendo frisar também a redução no volume de processos a ensejar intervenção do Ministério Público como fiscal da lei na tutela dos interesses dos incapazes.

Entretanto, se relativamente definida a questão referente à maioridade civil, o mesmo não se pode dizer com relação à penal, ensejadora de séria problemática e acalorados debates ideológicos nos últimos tempos, motivados sobretudo pela aparente escalada do número de infrações graves cometidas por menores de idade, gerando natural perplexidade e fazendo com que boa parte da mídia conduza a opinião pública leiga a clamar pela redução da idade de imputabilidade penal, fazendo surgir defensores de diversas teses, ora pretendendo sua fixação nos 16 anos, ora adotando-se critério biopsicológico segundo o qual se deva realizar avaliação técnica para detectar-se o grau de compreensão do infrator sobre a gravidade do ato por ele cometido.

Reflexo desse movimento é o fato de existirem 3 projetos de emenda constitucional tramitando no Senado (Comissão de Constituição e Justiça), como se a mera alteração normativa possuísse o condão de estancar a criminalidade que assola o meio social.

Cabe ressaltar, porém, que não são poucas as vozes que defendem a impossibilidade de reforma constitucional neste aspecto por entenderem que se trata de direito individual erigido ao status de cláusula pétrea nos termos do art. 60, §4º, inciso IV, da CF, e, por isso, somente podendo ser suprimido por nova Assembléia Nacional Constituinte, contexto que parece distante da realidade brasileira neste momento.

De todo modo, partindo-se da hipótese de ser possível a Emenda Constitucional no caso e, assim, analisando-se o mérito da questão: há ou não a necessidade de diminuir a maioridade penal?

Tratando-se de menores de 18 anos, a legislação Brasileira há muito considera que a pessoa abaixo dessa faixa etária não tem o desenvolvimento capaz de compreender exatamente a natureza da sua conduta, não estando apta a ser condenada a uma pena, mas precisa, em casos graves, de internação em estabelecimento adequado a formá-lo para a vida social. Melhor dizendo, enquanto o menor, porque sequer formada por inteiro sua personalidade, deve ser educado para o convívio em sociedade, o maior, porque desvirtuado seu processo de formação, deve ser reeducado e ressocializado. Ora, se são distintas as necessidades, impõe-se seja distinto o tratamento legal.

Sobre o adolescente, vejamos o seguinte trecho:

“É comum períodos de serenidade sucederem-se a outros de extrema fragilidade emocional com demonstração freqüente de instabilidade. Sentem-se imortais, fortes, capazes de tudo. As emoções são contraditórias. Deprimem-se com facilidade, passando de um estado meditativo e infeliz para outro pleno de euforia.” (ZAGURY, Tânia. Educar sem culpa. p. 82).

Somem-se a isso, as influências negativas sobre muitos adolescentes do meio familiar e ou social. A autodeterminação é neles incompleta, por força de fatores endógenos e é influenciado pelos fatores ambientais. O adolescente, pois, se é criado num mosteiro, tende a virar um monge; se é criado na criminalidade, torna-se um delinqüente em potencial.

Observa-se também que boa parte daqueles que bradam por mudanças no ordenamento jurídico neste tocante possuem a falsa impressão de que impera a impunidade nos casos de atos infracionais praticados por adolescentes, o que não condiz com a realidade, porquanto o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê uma série de medidas sócio-educativas, dentre as quais a internação por até 3 (três) anos, sendo possível até mesmo a internação provisória por até 45 dias.

Ocorre que a sociedade hodierna é pautada pela lógica da vingança e do revanchismo e, assim, passa-se a propalar a falácia de que o prazo limítrofe de 3 anos seria insuficiente para reprimir e prevenir a criminalidade, olvidando-se de atacar a real causa do problema, qual seja, a incapacidade do Estado de oferecer Centros de Internação adequados ao alcance do desiderato ao qual se propõe.

Ou seja, reconhecendo a falência do sistema de tratamento psicossocial dos menores infratores, os defensores da redução da maioridade penal, ao invés de combater pela implementação de políticas públicas adequadas a garantir os direitos dos adolescentes, preferem defender que tais garantias sejam restritas a um grupo menor de indivíduos.

Esquecem que a Constituição da República e o ECA se norteiam pela Doutrina da Proteção Integral, segundo a qual é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos hábeis ao desenvolvimento sadio das crianças e dos adolescentes.

A lógica da lei, todavia, deve ser a lógica da razão, desapegada de comoções circunstanciais, e é dentro de tal contexto que o Ministério Público deve batalhar incansavelmente pelo respeito das garantias dos menores inseridos na criminalidade e, através de seus órgãos de execução, fiscalizar a atuação do Estado e mesmo da sociedade, assumindo papel de destaque na busca de um sistema onde nossas crianças e adolescentes possam superar a delinqüência ao invés de serem alijadas do convívio comunitário. 

25. 31. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A ATIVIDADE POLÍTICO-PARTIDÁRIA

 

A Constituição da República de 1988, na redação anterior à Emenda Constitucional nº 45/2004, não tornava absoluta a vedação de atividade político-partidária aos membros do Ministério Público, já que fazia expressa ressalva às exceções contidas na lei infraconstitucional (art. 128, §5º, II, e). Aos juízes a vedação é absoluta, conforme se infere da redação do art. 95, parágrafo único, III, da Constituição da República, o qual não sofreu qualquer alteração desde a promulgação desta.

É evidente que ao juiz e ao promotor de justiça, como cidadãos, não se lhes pode vedar tenham opinião político-partidária. Entende-se, contudo, como atividade político-partidária,  incompatível com a necessária isenção de ânimo para as questões submetidas à apreciação do magistrado e do membro do Ministério Público, a filiação a partidos políticos, o exercício de qualquer ação direta em favor de um partido e a participação em campanhas promovidas por partidos políticos.

Devem, ainda, abster-se de qualquer ato de propaganda ou de adesão pública a programas de qualquer corrente ou partido político, bem como abster-se de promover ou participar de desfiles, passeatas, comícios e reuniões de partidos políticos. Considera-se, ainda, atividade político-partidária: fundar partidos políticos, bem como pertencer a órgãos de direção partidária ou ainda concorrer a postos eletivos.

Pressupõe atividade político-partidária concorrer a cargos eletivos tanto do Poder Executivo como do Poder Legislativo, pois que a filiação a partido e a campanha eleitoral dela são indissociáveis.

Já o exercício de cargos administrativos como secretário de Município ou de Estado, ou ministro de Estado, ou ainda chefe de gabinete ou assessores de autoridades administrativas, por si mesmo não pressupõe necessariamente atividade político-partidária, embora os ocupantes de tais cargos possam nela envolver-se. A correta proibição dessas atividades não se encontra no art. 128, §5º, II, e, da Constituição, e sim na vedação de exercício ainda que em disponibilidade, de qualquer outra função pública, salvo uma de magistério (art. 128, §5º, II, d).

Excetuadas as hipóteses cobertas pela norma do art. 29, §3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o qual determina que o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição de 1988 poderá optar pelo regime anterior no que respeita às garantias e vantagens, não é permitido o exercício de cargo público, salvo uma de magistério.

A Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/93) dispõe ser vedado o exercício de atividade político-partidária aos seus membros, ressalvada a filiação e o direito de afastar-se para exercer cargo eletivo ou a ele concorrer (art. 237). Dispõe, ainda, que a filiação a partido político impede o exercício de funções eleitorais para o membro do Ministério Público até 2 (dois) anos de seu cancelamento (art. 80).

Já a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93) mencionou a filiação partidária e outras exceções previstas em lei (art. 44, V) como ressalva à vedação de atividade político-partidária por membro do Parquet.

Por sua vez, a Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina (Lei Complementar nº 197/2000) já vedava qualquer atividade político-partidária ao membro do Ministério Público que tivesse ingressado na carreira a partir de 5 de outubro de 1988 (art. 158 c/c art. 201, §1º).

O Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, limitou o alcance da norma inscrita no art. 44, V, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, ao afirmar que 

[...] a única exegese constitucionalmente possível é aquela que apenas admite a filiação partidária de representante do Ministério Público dos Estados-membros, se realizada nas hipóteses de afastamento, do integrante do Parquet, de suas funções institucionais, mediante licença, nos termos da lei. (ADIn 1.377-7-DF, j. 3-6-98). 

Da mesma forma, apreciando o alcance dos arts. 80 e 237, V, da Lei Orgânica do Ministério Público da União, a mesma corte só entendeu admissível a filiação partidária do membro do Ministério Público que esteja afastado de suas funções institucionais, mas ressaltou a necessidade de que este cancele sua filiação partidária antes de reassumir suas funções, quaisquer que sejam, e apontou a impossibilidade de que desempenhe funções pertinentes ao Ministério Público Eleitoral antes de dois anos após o cancelamento da filiação (ADIn 1.371-8-DF, j. 2-6-98).

Assim, para que possa concorrer a pleito eleitoral, o membro do Ministério Público deve se afastar de suas funções institucionais nos 6 (seis) meses anteriores à eleição, conforme previsto no art. 1º, II, j, da Lei Complementar nº 64/90 (Lei de Inegibilidades). Se o membro do Ministério Público pretender concorrer ao cargo de Prefeito ou de Vice-Prefeito da respectiva comarca, ele deve afastar-se de suas funções nos 4 (quatro) meses anteriores ao pleito, sem prejuízo dos vencimentos integrais (art. 1º, IV, b, LC nº 64/90). Se pretender concorrer ao cargo de Vereador, deverá observar o prazo de 6 (seis) meses, como estabelece o art. 1º, VII, da LC nº 64/90. O prazo de desincompatibilização se prolonga por todo o período eleitoral.

Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal contido nas ADIn’s 1.371 e 1.377, acima mencionadas, os membros do Ministério Público não podem exercer o cargo estando filiados. Dessa forma, somente após se desimcompatibilizarem (nos prazos da Lei Complementar nº 64/90), devem efetuar a necessária filiação partidária, não lhes sendo exigível o prazo anual previsto no art. 18, da Lei nº 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos). 

Para Hugo Nigro Mazzilli, as vedações são garantidas para um correto e isento exercício das relevantes funções cometidas a seus membros, e o exercício de atividade político-partidária por membro do Ministério Público absorve, desvia e desprofissionaliza seus agentes. Quando assumem posturas político-partidárias, aproximam-se demasiadamente de tendências e grupos políticos, de forma incompatível com uma atuação isenta. O exercício de atividade político-partidária, a disputa de cargos eletivos e o financiamento de campanhas também levam a compromissos e aproximação, de acordo com as lições desse autor.

Assim, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, que retirou da redação do art. 128, §5º, II, e, “salvo exceções previstas na lei”, a atividade político-partidária por membro do Ministério Público passou a ser absolutamente vedada.

O Conselho Nacional do Ministério Público, no exercício da competência fixada no art. 130-A, §2º, II, da Constituição da República, editou a Resolução nº 5, de 20 de março de 2006, para disciplinar o exercício de atividade político-partidária e de cargos público por membros do Ministério Público Nacional. 

De acordo com a redação do art. 1º de referida Resolução, os membros do Ministério Público que ingressaram na carreira após a publicação da Emenda nº 45/2004 estão proibidos de exercer atividade político-partidária.

Quanto ao exercício de outra função pública, salvo uma de magistério, entendeu o Conselho Nacional do Ministério Público que somente estão autorizados a exercê-la o membro que integrava o Parquet em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição da República, e que tenham manifestado a opção pelo regime anterior.

A Resolução esclareceu, ainda, que o inciso IX do artigo 129 da Constituição não autoriza o afastamento de membros do Ministério Público para exercício de outra função publica, senão o exercício da própria função institucional e nessa perspectiva devem ser interpretados os arts. 10, IX, c, da Lei nº 8.625/93, e 6º, §§ 1º e 2º, da Lei Complementar nº 75/93. Assim também deve ser interpretado o art. 44, parágrafo único, da Lei nº 8.625/93.

Estabeleceu a Resolução, por fim, que os membros afastados para o exercício de cargo público deveriam retornar aos órgãos de origem no prazo de 90 dias, desde que não tivessem optado pelo regime anterior à promulgação da Constituição de 1988.

Diante do exposto, pode-se observar que após a publicação da Emenda nº 45/2004, e de acordo com as regras estabelecidas pelo Conselho Nacional do Ministério Público, o membro que ingressou na carreira após a Emenda em tela está proibido de exercer qualquer atividade político-partidária, não podendo se afastar de suas atividades para concorrer a cargo eletivo senão pela via da exoneração.

 

 

26. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O INTERESSE PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL

 

Com a Constituição de 1988 o Brasil incorporou ao seu ordenamento postulados inerentes ao Estado Social — o que implicava o compromisso político de implementá-los mediante ações positivas, na perspectiva da realização do bem comum.

O panorama jurídico que então se delineara trouxe conseqüências importantes para o Ministério Público, inclusive no que tange à forma como tradicionalmente vinha atuando no processo civil. É indubitável a relevância dada ao Parquet com a Constituição de 1988. A evolução foi tal que o Ministério Público ainda não conseguiu exercer com plenitude suas múltiplas atribuições.

Em conformidade com o art. 127 da Carta Magna, o Ministério Público é o órgão incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, tarefa para a qual, além das funções expressamente previstas no art. 129 do texto constitucional, ficou aberta a possibilidade de lhe serem conferidas outras, desde que sejam compatíveis com sua finalidade constitucional e não envolvam representação judicial e consultoria de entidades públicas. 

Relativamente à participação do Parquet no processo civil, o código atual sistematizou sua função em título próprio (arts. 81 a 85). Atuando na condição de custos legis, as hipóteses de intervenção do Ministério Público estão previstas no art. 82, I, II e III.

A interpretação dos dois primeiros incisos do artigo mencionado, além da primeira parte do inciso III, não enseja dificuldade. Porém, quando o Código preceituou a intervenção do Ministério Público “nas causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte” (art. 82, III, CPC), gerou forte controvérsia na doutrina e na jurisprudência, cuja polêmica gira em torno da expressão “interesse público”, já que todas as colocações em torno do conceito pecam pela imprecisão e pela excessiva generalidade.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, interesse público “é aquele que o ordenamento positivo qualifica como tal, por submetê-lo a um regime jurídico de direito público, dominado pelos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público”. 

Embora o Estatuto Processual Civil só faça referência ao interesse público no inciso III do art. 82, é certo que toda e qualquer atuação do Ministério Público, no processo civil, somente se faz em nome do interesse público, que se evidencia pela natureza da lide em causas que a aplicação do direito objetivo não pode ficar circunscrita às questões levantadas pelos litigantes, mas, ao contrário, deve alcançar valores mais relevantes que tenham primado na resolução processual do litígio. 

Deve-se estabelecer a distinção entre interesse público, entendido como o interesse do bem geral, e o interesse da Administração. É sempre pelo primeiro deles que deve zelar o Ministério Público – ou seja, a simples presença de pessoa pública ou entidade da Administração direta ou indireta não justifica, por si só, a intervenção ministerial. A qualidade da parte à qual alude o dispositivo sob análise como forme de influência no interesse público não se manifesta pela personalidade do litigante, mas pela condição em que demanda ou é demandado. Assim é que a simples presença de pessoa jurídica de direito público, que já goza, no processo, de diversas normas que excepcionam o princípio da igualdade entre as partes, em causas cujo interesse é meramente patrimonial, não é suficiente para caracterizar o interesse público a exigir a intervenção ministerial.

O Ministério Público tem o encargo de patrocinar os interesses públicos primários, que remontam à sociedade como tal e a seus valores — e não os secundários, cujo titular é o Estado como pessoa jurídica. Ao Ministério Público é categoricamente vedado o patrocínio de entidades estatais (art. 129, inc. IX). Constitui aberração a intervenção do Ministério Público em causas nas quais é parte uma entidade estatal, só pela presença destas no processo.

O interesse público mencionado no art. 82 do CPC, para embasar a atuação do Ministério Público como custos legis, quer significar um interesse geral ligado a valores de maior relevância, vinculado aos fins sociais e às exigências do bem comum, e deve coincidir com os interesses sociais mencionados no art. 127 da Constituição da República. 

Uma vez identificado o interesse público, em que pese o entendimento de autores que sustentam que o art. 82, III do CPC confere ao Ministério Público atribuição para intervir nas causas em que haja interesse público, mas não obrigatoriedade, a maior parte da doutrina entende que a atuação do Ministério Público não é facultativa, mas sempre obrigatória, em decorrência da própria indisponibilidade dos interesses cuja tutela se acha a seu cargo. Além disso, intervindo como fiscal da lei, a atuação do Parquet é sempre imparcial.

Em contrapartida, a doutrina é pacífica no sentido de conferir ao próprio Ministério Público a avaliação quanto à presença ou ausência de interesse público a reclamar sua intervenção como fiscal da lei, a partir do exame do caso concreto. Não se trata, aqui, de avaliação discricionária, sob os critérios de conveniência e oportunidade. Trata-se de operação de natureza interpretativa, cabendo ao Ministério Público manifestar-se quanto à ocorrência de interesse público sempre que se ache em litígio algum direito indisponível da parte, ou que o objeto da causa esteja sob a regência de normas de ordem pública.

A falta de intervenção do Ministério Público, nas causas em que há interesse público, acarreta a nulidade do processo a partir do momento em que o órgão deveria ter sido intimado, como expressamente enuncia o art. 246 do CPC. Trata-se de nulidade absoluta, e a falta de intervenção do Ministério Público torna a sentença rescindível, por força do art. 487, III do mesmo diploma processual.

O que se evidencia é que o Ministério Público não fica atrelado à determinação judicial, competindo-lhe larga margem de independência na avaliação do interesse público. Nesse caso, tendo o órgão do Parquet entendido que não há interesse público a justificar sua intervenção no processo, e dele divergindo o juiz, insistindo pela manifestação ministerial, a solução será a remessa dos autos ao Procurador Geral de Justiça, tomando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal. O certo é que a intervenção do Ministério Público está relacionada com o zelo do interesse público. Por isso, a este compete a avaliação atinente.

 

REFERÊNCIAS

ALBERTON, José Galvani. Parâmetros da atuação do Ministério Público no Processo Civil em face da nova ordem constitucional. Disponível em http://www.conamp.org.br/index.php?a=mostra_artigos.php&ID_MATERIA=1236.

 

CACCURI, Antônio Edvig. O Ministério Público e as causas de interesse público. In Revista dos Tribunais, ano 92, v. 814. P. 753-766.

 

FERNANDES, Carlos Henrique. Ministério Público e Interesse Público – a hipótese prevista no art. 82, III, parte final, do Código de Processo Civil. In ATUAÇÃO – Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. n.º 2. Jan-abr/2004. P. 11-51.

 

27. RACIONALIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL

 

 

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um novo formato para o Ministério Público, conferindo-lhe atribuições na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis.

Neste tocante, a sociedade, através do constituinte, teve o propósito de municiar o Ministério Público de instrumentos e garantias para que, através de seus membros, tivesse uma atuação efetiva na defesa dos interesses sociais.

Com o despertar cada vez mais intenso do sentimento de cidadania e o descrédito das instituições públicas, a sociedade recorre ao Ministério Público para a concretização de seus direitos individuais e sociais de cidadão.

Todavia, nas duas últimas décadas assumiu o Ministério Público volume de atribuições além de sua capacidade de desempenho. A responsabilidade da Instituição acha-se superdimensionada, exigindo assim uma racionalização de sua atividade, escoimando resquícios incompatíveis com a eficácia que a sociedade espera de sua atuação. Com efeito, torna-se imprescindível estabelecer prioridades, concentrando-se a força de trabalho nas macrofunções institucionais.

A racionalização da atuação do Ministério Público no processo civil, como órgão interveniente, constitui estratégia fundamental na consecução dos objetivos finalísticos da Instituição. Mais dos que suprimir atribuições, importa adotar políticas organizacionais internas de maior amplitude para elevar o nível de eficiência dos órgãos de execução. Os planos de atuação, nesse contexto, são instrumentos fundamentais para a consecução dos objetivos institucionais.

Registre-se aqui a impossibilidade de resolução do problema com a criação de novos cargos para fazer frente às demandas sociais, considerando a carência de recursos da grande maioria dos Ministérios Públicos, além da limitação de gastos com pessoal, imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal (2% da receita líquida do Estado). 

Surgem, então, uma série de propostas para que a atuação dos órgãos de execução ministerial seja racionalizada, a fim de se obter resultados úteis e eficientes na defesa dos direitos metaindividuais conferidos ao Parquet pelo constituinte.

A primeira medida diz respeito à mudança da forma de atuação do Ministério Público como custos legis. Premissa sempre presente na atividade do Promotor deve ser a utilidade e efetividade de sua atuação para avaliação da necessidade de enfrentamento do caso concreto.

Outra possibilidade é a não participação do órgão de execução do Parquet em feitos sem interesse social.  Além disso, outra forma de racionalização de atuação no processo civil está relacionada com a dispensa de manifestação na fase recursal pelo representante de primeiro grau, já que a manifestação ministerial seria apresentada pelo representante da instância superior.

A fim de uniformizar e incentivar a adoção da racionalização da atuação funcional, por deliberação do Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e União, adveio a famosa “Carta de Ipojuca (PE)”, de 13 de maio de 2003, que prescreveu a necessidade de racionalizar a intervenção do Parquet no processo civil, através de recomendações a seus membros, indicando, respeitada a independência funcional, as lides em que a intervenção ministerial se mostra desnecessária.

Além disso, em seu 41º Encontro, o Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União editou a “Carta de Florianópolis”, de 19 de agosto de 2004, reconhecendo a necessidade de racionalização das atribuições legais da Instituição Ministerial, reservando a implementação desta política aos Ministérios Públicos da União e dos Estados, por intermédio de seus órgãos de administração superior, cujo poder-dever orientará a edição de atos regulamentadores.

A respeito, no âmbito do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, foi editado o Ato Conjunto n.º 178/2001/PGJ/CGMP, do Procurador-Geral de Justiça e do Corregedor-Geral do Ministério Público, que dispensa a manifestação do Promotor de Justiça em grau de recurso sobre as razões e contra-razões das partes, consignando nos autos que a manifestação do Ministério Público será apresentada, se for o caso, pelo Órgão de Segunda Instância.

Além disso, em 05 de outubro de 2004 o Procurador-Geral de Justiça editou o Ato nº 103/2004/PGJ, republicado em 10 de maio de 2005, que, respeitado o princípio da independência funcional, passou a vigorar como parâmetro de orientação na atuação ministerial, sem caráter vinculativo. 

Por este Ato, tem-se que, intimado a pronunciar-se na condição de fiscal da lei, o órgão do Ministério Público, não vislumbrando interesse relevante a reclamar sua tutela, poderá dar à intervenção caráter meramente formal, declinando de maneira sucinta as razões do seu posicionamento, indicando ainda as hipóteses em que é admitido tal juízo . Reforça ainda que, quando houver intervenção em defesa de interesse tutelável, recorrendo as partes, poderá o órgão do Ministério Público de primeiro grau manifestar-se apenas sobre os pressupostos de admissibilidade do recurso.

 

Analisando a Carta de Ipojuca e a Carta de Florianópolis, além das recomendações expedidas pelos Ministérios Públicos estaduais, um ponto sobressai: a desnecessidade da intervenção ministerial em processos que digam respeito a direitos individuais disponíveis, salvo a existência das hipóteses previstas no artigo 82 do Código de Processo Civil.

Ao pretender racionalizar suas atividades como fiscal da lei, outro objetivo não parece ter o Ministério Público senão o de encontrar caminhos capazes de permitir-lhe o resgate de seu compromisso institucional, visando, nos limites de suas atribuições e das consequentes responsabilidades, para atender as demandas atuais da sociedade brasileira.

A racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil como fiscal da lei é uma questão que precisa ser olhada, sobretudo, sob a ótica do compromisso e da responsabilidade das instituições públicas com a realização dos fins do Estado, afastando-se por inteiro as paixões pessoais ou corporativas. Assim sendo, o Ministério Público deve pautar sua atuação na área cível por uma postura de integração com a sociedade, assumindo o papel de articulador social, visando colaborar nas soluções efetivas dos problemas da comunidade.

 

REFERÊNCIAS

 

ALBERTON, José Galvani. Parâmetros da atuação do Ministério Público no Processo Civil em face da nova ordem constitucional. Disponível em http://www.conamp.org.br/index.php?a=mostra_artigos.php&ID_MATERIA=1236. 

 

AUAD FILHO, Jorge Romcy. A intervenção do Ministério Público no processo civil à luz do Estatuto do Idoso. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10021.

 

HENRIQUES, Gabriela de Borges. Comentários aos artigos 81 a 85 do Código de Processo Civil - do Ministério Público. Disponível em http://www.tex.pro.br/wwwroot/00/00c0081a0085.php.

 

ROCHA, Vera Nilva Álvares. Racionalização da Intervenção do Ministério Público no Processo Civil. Boletim Científico, ESPMU, Brasília, a. III – n. 10, p. 173-176, jan./mar. 2004.

 

TRAJANO, Fábio de Souza. Racionalização da Atividade Ministerial na Defesa do Consumidor. Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense – Atuação n. 1, set./dez. 2003. Publicação conjunta da Procuradoria-Geral de Justiça e da Associação Catarinense do Ministério Público (ACMP).

 

28. 28. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O REGIME DEMOCRÁTICO

 

A história registra que o conceito, características e importância da democracia têm sofrido incessantes transformações no curso do tempo.

Num sentindo mais amplo, desde a idade clássica até os nossos dias, a democracia sempre foi entendida como sendo a forma de governo em que a titularidade do poder soberano pertence ao povo, ou seja, cujo poder político é exercido por ele, estando a exigir um permanente diálogo entre o Estado e a Sociedade.

Nas palavras do estadista norte-americano Abraham Lincoln, que ofereceu uma visão mais atual de como entendemos o sistema democrático, a democracia é o governo “do povo, pelo povo e para o povo".

Considerando que a história da humanidade é a história do conflito entre autoridade e liberdade, o regime democrático apresenta-se como o mais adequado à descentralização do poder, garantindo os direitos fundamentais e possibilitando a criação de uma ordem social, sob o império da soberania popular. 

Assim, há estreita ligação entre democracia e um Ministério Público forte e independente. Um Ministério Público forte, mas submisso, só pode convir a governos totalitários.

O Ministério Público brasileiro, como instituição, só nasceu na República, pois no Brasil-Império e no Brasil-Colônia os procuradores do rei eram meros representantes dos interesses da Coroa.

Com a proclamação da República, coube a Campos Salles, na qualidade de Ministro da Justiça do Governo Provisório, fazer com que o Ministério Público brasileiro ganhasse contornos de instituição. Ao preparar a edição do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, que dispôs sobre a Lei Orgânica da Justiça Federal, fez consignar na exposição de motivos:

O Ministério Público é instituição necessária em toda organização democrática e imposta pelas boas normas da justiça, à qual compete: velar pela execução das leis, decretos e regulamentos que devam ser aplicados pela Justiça Federal e promover a ação pública onde ela convier”

Depois de vários avanços e retrocessos de nossa República, quando alternamos entre período de ditadura e renascimento democrático, a Constituição de 1988 conferiu ao Ministério Público à defesa do regime democrático, conforme dicção do art. 127, caput.

Porque está investido de uma parcela da soberania estatal e comunga de sua estrutura, o Ministério Público é órgão do Estado. Por isso, a estrutura e o funcionamento do Parquet espelham, com bastante correspondência e realismo, a fisionomia do Estado do qual é integrante.

A Constituição de 1988, fruto da ruptura com a ditadura antecedente, assentou-se num modelo estritamente democrático. De forma natural, destinou nosso Ministério Público à defesa do regime que lhe era mais caro.

A rigor, portanto, o Ministério Público pode existir seja num regime autoritário, seja num regime democrático; poderá ser forte tanto num, quanto noutro caso; porém, só será verdadeiramente independente num regime essencialmente democrático, porque não convém a governo totalitário algum que haja uma instituição, ainda que do próprio Estado, que possa tomar, com liberdade total, a decisão de acusar governantes ou de não processar os inimigos destes últimos.

Em verdade, a instituição mal sobrevive nos regimes totalitários, porque é de sua essência a construção de uma sociedade regida pela supremacia da vontade popular, pela preservação da liberdade e da igualdade de direitos.

Ministério Público e democracia guardam, portanto, grandes afinidades e uma certa cumplicidade no combate à desigualdade social. 

Para Hugo Nigro Mazzilli, para que o Ministério Público dê cumprimento ao elevado mister de defesa do regime democrático, há alguns princípios que devem iluminar sua atuação. Deverá, assim, zelar para que:

a) existam mecanismos pelos quais a grande maioria do povo possa tomar decisões concretas, não apenas para escolha de um governante ou de um legislador a cada meia dúzia de anos e, a partir daí, faça este o que bem entender, mesmo contrariamente o que prometeu antes de ser eleito, mas sim para que o povo possa decidir as grandes questões que digam respeito ao destino do País e possa controlar o exercício do mandato dos que foram eleitos, o que inclui necessariamente a cassação do eleito, em caso de violação dos compromissos partidários; 

b) funcionem efetivamente esses canais de manifestação (como criação, fusão, extinção de partidos; sufrágios freqüentes não só para investidura dos governantes, como também para

as grandes questões nacionais etc.);

c) haja total liberdade no funcionamento desses canais de controle; 

d) sejam validamente apurados os resultados dessas manifestações (eleições, plebiscitos, referendos); 

e) sejam efetivamente cumpridas as decisões ali tomadas (dever positivo); 

f) seja combatido qualquer desvio de cumprimento das decisões ali tomadas (dever negativo); 

g) sejam prioritariamente defendidos “aqueles que se encontram excluídos, os empobrecidos, os explorados, os oprimidos, aqueles que se encontram à margem dos benefícios produzidos pela sociedade”.

Este mesmo autor nomeia os seguintes meios ou instrumentos que possui o Ministério Público para fazer valer todas essas potencialidades:

a) a ação penal, para responsabilizar todos aqueles que, ao violarem as regras democráticas, também cometam ações penalmente típicas; 

b) a ação de inconstitucionalidade e a representação interventiva, para assegurar a prevalência dos princípios democráticos; 

c) o inquérito civil e a correspondente ação civil pública, especialmente para cobrar o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; 

d) o controle externo da atividade policial, para assegurar não só o cumprimento dos seus deveres de zelo pela ordem jurídica, como ainda e principalmente para evitar abusos contra as liberdades individuais e sociais e, sobretudo, para evitar que o Ministério Público só trabalhe nos casos que a polícia queira; 

e) a visita aos presos, que hoje se amontoam em cadeias e presídios condições subumanas, para as quais fecham os olhos a sociedade e o Estado; 

f) o zelo pelos direitos constitucionais do cidadão, podendo ouvir representantes da sociedade civil e promover audiências públicas; 

g) a defesa de minorias (como vítimas de preconceitos, as pessoas portadoras de deficiência, os idosos, os índios, as crianças e adolescentes); 

h) o combate à inércia governamental em questões como mortalidade infantil, falta de ensino básico, falta de atendimento de saúde, defesa do meio ambiente e do consumidor, entre outras prioridades.

Incumbe-lhe, portanto, incursionar-se cada vez mais no sistema democrático, combatendo a inconstitucionalidade das leis que não correspondam ao interesse geral; a improbidade administrativa; as fraudes eleitorais; o eventual desequilíbrio na separação e independência dos poderes; a violação dos princípios de igualdade, da liberdade, da dignidade da pessoa humana e da cidadania, buscando, assim, assegurar o direito à vida, à alimentação, à educação, à segurança, à saúde, ao trabalho, bem como o acesso à justiça e tudo o mais que decorra do regime democrático.

 

29. 32.  RELAÇÕES ENTRE MINISTÉRIO PÚBLICO E O PODER JUDICIÁRIO – DÉBORA

As primeiras bases teóricas a respeito da separação de poderes do Estado foram lançadas na antiguidade grega por Aristóteles, em sua obra “Política”, pela qual o filósofo prescreveu a existência de três funções distintas do poder soberano. Em linhas gerais, pode-se afirmar que as funções distintas observadas por Aristóteles consistiam nas funções de elaborar normas gerais (legislar), aplicar tais normas ao caso concreto (julgar) e executá-las nos casos concretos (executivo).

Sucede que Aristóteles descreveu a concentração de tais funções na figura de um soberano, decorrendo desta concepção teórica a forma de governar denominada de absolutismo, tendo como figura mais conhecida o soberano Luis XIV, autor da frase “O Estado sou eu”.

Posteriormente, sob as influências do Estado liberal burguês, Montesquieu aprimorou a tese de Aristóteles para então lançar a obra o “Espírito das Leis”, através da qual defendia que três funções soberanas estavam relacionadas com três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si. 

A teoria burguesa serviu de sucedâneo para o desenvolvimento das revoluções americana e francesa, redundando na “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”.

Dessa forma, cada órgão do Estado exercia uma função típica, relacionada à sua natureza, de maneira autônoma e independente, sem a interferência de outro órgão incumbido de função diversa da sua.

A divisão de funções atrelada a cada órgão do Poder Soberano fez surgir a teoria dos freios e contrapesos, consagrada na maioria das Constituições e associada ao Estado Democrático de Direito. Na Constituição Federativa do Brasil, a essência da teoria está revelada em seu artigo 2° da seguinte forma: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Tem-se, assim, a síntese da Teoria da Separação dos Poderes.

De outro lado, é importante anotar que a teoria de Montesquieu sofreu abrandamentos em decorrência das realidades sociais e históricas, de forma que cada órgão do Poder Soberano passou a exercer uma função típica predominante de acordo com sua natureza, mas também outras funções atípicas. 

Como exemplos, cito a função típica do Poder Legislativo de editar normas gerais e a função atípica de julgar os crimes de responsabilidade cometidos pelo Presidente da República, consoante autoriza o art. 52, inciso I, da Constituição Federal. Por sua vez, o Poder Judiciário está atrelado à função típica de aplicar a lei ao caso concreto, ao passo que acumula a função atípica de elaborar o regimento interno dos Tribunais, de acordo com o prescrito no art. 96, inciso I, da Constituição Federal.

Impende registrar que a inter-relação de funções entre um órgão e outro do Poder Soberano não implica ofensa ao princípio da separação dos Poderes, na medida em que a delimitação das funções foi prevista constitucionalmente pelo poder constituinte originário.

Como o tema ora a ser explanado refere-se, em parte ao Poder Judiciário, conveniente traçar algumas de suas principais funções, características e prerrogativas.

O Poder Judiciário exerce a função típica jurisdicional, sem se olvidar das funções atípicas de natureza executivo-administrativa, a exemplo da capacidade de organizar suas secretarias, conforme art. 96, inciso I, alínea b, e a concessão de licença e férias a seus membros, de acordo com o art. 96, inciso I, alínea f, ambos da Constituição Federal.

As características, por sua vez, referem-se, em síntese, à inércia jurisdicional – estampada no art. 2° do CPC e 24 do CPP – pela a qual o Poder Judiciário somente se manifesta mediante provocação das partes, bem como a característica da definitividade das decisões judiciais, as quais ficam acobertadas pela coisa julgada material e formal quando insuscetíveis de reforma pelo Tribunal.

E como forma de permitir a função jurisdicional em consonância com o Estado Democrático de Direito, o legislador constituinte originário acobertou o Poder Judiciário de garantias. Ora, as garantias constitucionais do Poder Judiciário são relevantes na tripartição dos poderes, uma vez que asseguram a independência na tomada de decisões.

De acordo com a lição de José Afonso da Silva (na obra: Curso de Direito Constitucional Positivo), as garantias dividem-se em:

Garantias Institucionais: são as garantias da própria instituição, relacionadas com a autonomia orgânico-administrativa e autonomia financeira. Ou seja, cabe ao Judiciário eleger seus órgãos diretivos, elaborar regimento interno, organizar a estrutura administrativa e encaminhas as propostas orçamentárias

Garantias funcionais: são as garantias que asseguram a independência e a imparcialidade dos membros.  São elas:

Vitaliciedade: significa que o magistrado só perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado, adquirida dois anos de efetivo exercício no cargo. Está prevista no art. 95, inciso I, da Constituição Federal.

Inamovibilidade: prevista no art. 95, inciso II, da Constituição Federal, garante ao magistrado a impossibilidade de remoção sem o seu consentimento, salvo por interesse público mediante o voto da maioria absoluta do tribunal respectivo.

Irredutibilidade de vencimentos: segundo o art. 95, inciso III, da Constituição Federal, o subsídio do magistrado não poderá ser reduzido.

Por derradeiro, para garantir a imparcialidade dos órgãos judiciários, aos magistrados foram impostas as vedações previstas no parágrafo único do art. 95 da Constituição Federal.          São elas: Exercer outro cargo, ainda que em disponibilidade, salvo uma de magistério; Receber custas ou participação em processo; Dedicar-se à atividade político-partidária; Receber a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas ou entidades; Exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes do decurso de 3 anos a contar do afastamento.

Igualmente, a estrutura do Poder Judiciário está prevista constitucionalmente no art. 92 da Constituição Federal. Depreende-se, da leitura deste artigo, que o constituinte não inseriu o Ministério Público como órgão integrante do Poder Judiciário.

E nem poderia ser diferente. Explico o porquê.

Ao Ministério Público foi reservado espaço próprio na Constituição Federal, atribuindo-lhe o status de função essencial à justiça e conferindo a ele defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais coletivos, conforme preconiza o artigo 127 da Constituição Federal.

Ainda que o Ministério Público tenhas as mesmas garantias institucionais (autonomia funcional, administrativa e financeira), dos membros (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios), bem como determinados impedimentos imputados a seus membros, em tudo equiparando ao Poder Judiciário em termos de garantias constitucionais, a instituição não faz parte deste Poder.

Assim, a valorização do Ministério Público é da essência da Constituição Federal, pois a instituição está destinada a ser um órgão de defesa da sociedade, e não do Poder Soberano estatal, como é o Poder Judiciário. Podemos afirmar, nesse contexto, que o Ministério Público é órgão de Poder Soberano sob o ponto de vista da soberania do povo, uma vez que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos”, nos termos do parágrafo único do art. 2° da Constituição Federal.

Nessa ordem de idéias, para a consolidação do Estado Democrático, não basta a imparcialidade do Poder Judiciário, porquanto é indispensável a existência de um órgão igualmente independente que promova a defesa dos interesses sociais, razão pela qual o Ministério Público é essencial à função jurisdicional do Estado, sem que faça parte do Poder Judiciário.

 

30. O CRIME ORGANIZADO E PROPOSTAS PARA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

1. Direito penal de emergência e objeto da lei

A lei das organizações criminosas é uma expressão do direito penal de emergência, caracteriza-se pela quebra de garantias, justificada por um situação excepcional. 

Trata-se de lei eminentemente processual, pois prevê meios de prova e procedimentos investigatórios, decorrentes de quadrilha, bando, organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.

a) Quadrilha ou banco (art. 288 do CP): é associação estável e permanente de mais de três pessoas com o fim de praticar uma série indeterminada de crimes. Consuma-se independentemente da prática dos delitos para os quais os agentes se associaram.

b) Associações criminosas: estão previstas em leis especiais: art. 35 da Lei de Drogas; art. 2.º da Lei 2.889/56 (genocídio); art. 16 e 24 da Lei 7.171/83 (Lei de Segurança Nacional); e

c) Organizações criminosas: segundo professor Fernando Capez o conceito de organização criminosa pode ser extraído do Tratado de Palermo: “entende-se por:

"Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”. Em contraposição, há os que sustentam que não há definição legal para organização criminosa. Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes.

 

2. O Ministério Público e a atividade investigatória.

O Parquet é o titular exclusivo da ação penal pública (art. 129 da CF/88). No entanto, para o exercício de suas funções, necessita de suporte probatório mínimo para o ajuizamento da ação penal e a obtenção de algumas providências cautelares. 

A Constituição Federal atribui ao Ministério Público poderes investigatórios ao assegurar, no art. 129, incisos VI e VIII, a prerrogativa de utilizar requisição ministerial para obtenção de documentos e realização de diligências, depreendendo-se que, se o parquet pode o mais, vale dizer, requisitar que outros realizem diligências consideradas necessárias para o esclarecimentos de fatos, ele pode, com muito mais razão, fazer o menos, ou seja, realizar e conduzir suas próprias investigações. A atividade investigatória decorre, portanto, do natural exercício da ação penal. 

A Lei orgânica nacional do Ministério Público - Lei n. 8.625/93 - regulamentou o disposto na CF/88 assegurando definitivamente a figura da requisição ministerial e a lei que trata do crime organizado dispõe que, em qualquer fase de persecução criminal, poder-se-á fazer uso dos meios operacionais previstos na inovadora lei. Portanto, o parquet pode utilizar-se dos procedimentos especiais da lei para obtenção de provas, quando da realização de investigação própria.

 

3. Alguns procedimentos previstos na Lei para combater o crime organizado

A) A quebra do sigilo de dados bancários, financeiros, fiscais e eleitorais (art. 2.º, III)

A Lei nº 9.034/95 surge como forma de dotar os órgãos encarregados da persecução criminal de meios operacionais e jurídicos para atuarem no combate ao crime organizado. No entanto, o legislador, no afã de mostrar à opinião pública sua indignação com o avanço da criminalidade, elaborou uma lei permeada de defeitos técnicos, razão pela qual a doutrina e jurisprudência começam a apontar inconstitucionalidades e restrições ao alcance da mesma.

Em vista disso, o art. 3.º, da referida lei, ao atribuir ao juiz a tarefa de colher provas fora do processo, agindo de ofício, quebrou o princípio da imparcialidade, violando também o devido processo legal, que não existe sem o pressuposto de uma jurisdição independente e imparcial (ADIN 1.570).

Nesse julgado, o STF entendeu que em relação aos dados fiscais e eleitorais, o art. 3.º foi declarado inconstitucional, pois atentava contra o sistema acusatório, atribuindo ao juiz funções de investigação, revestindo-se da figura do juiz inquisidor.

No tocante ao sigilo de dados bancários e financeiros, o STF entendeu que o artigo foi revogado pela superveniência da LC 105/01, que passou a disciplinar a matéria.

Segundo a LC 105/01 são legitimados a quebrar o sigilo bancário e financeiro: juiz, comissão parlamentar de inquérito, autoridades fazendárias no curso do procedimento fiscal. E quanto ao Ministério Público?

Há divergência de posicionamentos:

a) o Ministério Público pode decretar diretamente a quebra de sigilo bancário quando o caso envolver verbas públicas, em vista do poder de requisição (art. 129, VIII, da CF), conforme MS 21.729 (1995).

b) O Ministério público não está autorizado, necessitando, em todas as hipóteses, de interferência do Poder Judiciário. É o entendimento que predomina do STJ (RHC 20.329) e STF (21.301).

 

B) Captação e interceptação ambiental

A Lei 9.296/96: não só ratificou o princípio da intangibilidade do direito à intimidade como regra constitucional, como estabeleceu de forma clara os estreitos limites da interceptação das comunicações telefônicas, com o propósito de dotar o ordenamento jurídico de meios eficazes e adequados no combate ao crime organizado. Pode ser utilizada em investigação criminal e em instrução processual penal, podendo ser empregada em qualquer espécie de comunicação telefônica, incluindo-se aí aquelas em sistema de informática e telemática.

 

C) Infiltração de agentes policiais (art. 5.º) 

O agente infiltrado é pessoa infiltrado é pessoa integrante  da estrutura dos serviços policias ou de inteligência, que é introduzida dentro de uma organização criminosa, ocultando-se sua verdadeira identidade e tendo como finalidade a obtenção de informações para que seja possível sua desarticulação.

Limites: o agente fica autorizado para praticar crime de quadrilha ou bando e, assim o fazendo, estará protegido pelo estrito cumprimento do dever legal. Se vier a cometer crime de homicídio coagido por integrante da organização, igualmente, não responderá pelo delito por inexigibilidade de conduta diversa.

 

4. Propostas de atuação ministerial:

O cenário atual vem mostrando que o Ministério Público afasta-se, cada vez, mais daquela idéia de reprodutor daquilo que foi apurado no inquérito policial, participando atividade investigatória no combate ao crime organizado.

Visando cooperar com a elaboração e aperfeiçoamento de doutrina institucional sugiro as seguintes propostas operacionais e institucionais de atuação ministerial face dos crimes praticados por organizações criminosas ou não :

2. O Parquet deve participar e acompanhar, segundo o seu juízo, da apuração de infrações penais que representem maior ameaça ao meio social, ao lado da autoridade policial, acompanhando-as, sugerindo medidas, orientando-as e colaborando com a investigação; 

● O Ministério Público tem legitimidade para conduzir e realizar investigações próprias, mediante procedimento investigatório (64), podendo e devendo para tanto, requisitar dos órgãos públicos os meios e serviços necessários, bem como assessoramento técnico das entidades de estudo e pesquisa; 

O Ministério Público pode se utilizar dos meios legais existentes, durante suas investigações, visando obter peças de informação, podendo buscar, quando necessário, apoio operacional junto aos comandos das polícias local e da Procuradoria Geral de Justiça. 

A investigação ministerial pressupõe a existência de policiais exclusivamente voltados para o trabalho de investigação, o que demanda a criação de uma seção de investigação ministerial, responsável pela apuração da criminalidade organizada (entendendo-se crimes de corrupção, roubo de cargas, etc), a qual deve ser subordinada hierárquica e administrativamente ao Ministério Público.

A Administração Superior do Ministério Público deve traçar política de aproximação com os comandos das Polícias e Superintendências das Receitas Federal e Estadual, observando-se as seguintes sugestões : a) estreitar laços funcionais, através da realização de operações de investigação e repressão ao crime; b) realizar convênios de cessão de viaturas e policiais para realização de investigações sensíveis (66) a cargo do parquet, objetivando suprir os órgãos ministeriais dos meios materiais; c) criar banco de dados relacionados com crimes de repercussão, realizando troca de informações com outras centrais de inteligência e órgãos fiscais; d) efetuar convênios nacionais e internacionais de cooperação técnica com academias de polícia, buscando ensinar técnicas de investigação aos membros do parquet; e) ministrar estudos e trocar experiências sobre o tema "O parquet e a investigação", propondo-se a médio prazo, a mudança na estrutura investigatória, sugerindo-se a subordinação da polícia judiciária ao titular da ação penal, nos moldes de diversos países europeus. 

Finalizando, o real enfrentamento da criminalidade organizada, que sabidamente norte a corrupção e o tráfico de inteligência, a capacitação dos membros das instituições que atuam na persecução penal, ou seja, policiais civis e militares, agentes, peritos, membros do Ministério Público e Magistrados, medida esta  associada à integração dos sistemas de informação governamental, incluindo-se aí instituições financeiras e tributárias, para obter-se ação igualmente organizada e com a convergência de resultados. 

 

Parte da palestra de Denílson Feitosa (Ex-Secretário-Geral do Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC) no seminário realizado pelo Ministério Público de Santa Catarina em setembro de 2007:

"As organizações criminosas seguem a lógica da complexidade, e não da simplicidade. Elas se interligam a outras organizações e a instituições públicas", disse Feitoza. É por isso que ele instruiu os participantes do seminário a ampliar os conhecimentos adquiridos na carreira jurídica, para uma atuação mais ampla possível e de forma conjunta, lançando mão de sistemas de gestão da informação e utilizando métodos, técnicas e ferramentas adequados para lidar com as informações necessárias. "É preciso situar as organizações criminosas em toda a sua teia concreta de inter-relações", defendeu. Além disso, lembrou que, para combater o crime organizado, é necessário pensar também na repercussão social, especialmente porque este influencia na economia.

Em sua palestra, prestou informações técnicas, discorreu sobre as diversas disciplinas e marcos teóricos que devem ser aplicados conjuntamente ao Direito e falou sobre ferramentas e meios de exercer a inteligência e a contra-inteligência, no âmbito do Ministério Público. Para ele, o Promotor de Justiça atualmente deve pensar o crime organizado de forma preventiva, e não apenas repressiva. E também reunir forças com as Polícias, avaliando o contexto da sociedade e os interesses conflitantes que envolvem o mundo do crime. "A organização econômico-financeira, comercial, tecnológica e política do mundo possibilita a manutenção e/ou surgimento das organizações ciminosas",

 

 

 

31. - INFLUÊNCIA DOS CURSOS DE DIREITO NO PROCESSO DE SELEÇÃO DAS CARREIRAS JURÍDICAS

 

O Ensino Jurídico no Brasil tem sido fortemente impulsionado no sentido da criação de novos cursos e da ampliação das facilidades de acesso.

O aumento da procura dos cursos jurídicos não significa de nenhum modo que esteja aumentando o grau de eficácia dos direitos dos cidadãos ou que as instituições públicas e privadas estejam cada vez mais ditando o seu comportamento pelo respeito aos direitos alheios, ao utilizarem com mais intensidade mão-de-obra juridicamente qualificada.

Ao contrário, o aumento pela procura dos cursos jurídicos deve-se fundamentalmente ao crescimento da oferta de postos de trabalho com formação jurídica no setor público, decorrente da elevada litigiosidade das instituições públicas e do alto índice de violação dos direitos dos cidadãos.

O diploma de bacharel em Direito alimenta a ilusão de acesso rápido a um emprego certo com um bom salário e, portanto, de sobrevivência condigna para aqueles que ingressam nos cursos jurídicos.

Os anos em que o futuro operador do direito passa na faculdade e a forma como ele os aproveita são cruciais para o desenvolvimento de suas futuras atividades profissionais. Cabe à faculdade, além de preparar tecnicamente o bacharel, incutir-lhe consciência social a respeito de suas funções quando operador do Direito.

A educação assume, assim, papel fundamental na definição do perfil do operador jurídico, tornando-se relevante, inclusive, para a mudança deste. Contudo, o que se verifica é que não há nas faculdades orientação vocacional acerca da carreira jurídica que o bacharel mais se identifica, a fim de orientá-lo a seguir o caminho que mais se enquadra no seu perfil.

O ensino jurídico atual encontra-se em crise, devido à existência de um grande número de faculdades de Direito no país. E tal fato reflete diretamente nos últimos resultados da OAB, os quais demonstram um alto índice de reprovação dos bacharéis. Estes graduandos se vêem suscetíveis a uma avaliação ao fim do seu curso jurídico de forma que possa ser avaliado e sofra uma seleção para somente assim estar apto ao exercício da advocacia.

O operador jurídico atual enfrenta o desafio de resgatar sua credibilidade, que tem sido questionada em virtude das péssimas condições de ensino das diversas faculdades que surgem a cada dia no país.

Deve-se observar que as faculdades de Direito devem deixar de ser centros de transmissão de informação, para se dedicarem, prioritariamente, à formação da personalidade do aluno, do futuro advogado, juiz, promotor, defensor público, de sujeitos que saibam reagir frente aos estímulos do meio sócio-econômico. As faculdades deveriam ensinar o aluno a pensar, e não somente a decorar textos presentes em Códigos.

Na realidade, o que se deve fazer, em primeiro lugar, é reforçar nos cursos de Direito, para todos os alunos, a formação humanística, estimulando a aquisição de conhecimentos sobre história e a realidade das sociedades humanas, para que o profissional do direito, seja qual for a área de sua escolha, saiba o que tem sido, o que é e o que pode ser a presença do direito e da justiça no desenvolvimento da pessoa humana e das relações sociais. A par disso, devem ser transmitidas noções básicas de disciplinas relacionadas com os comportamentos humanos, como a antropologia, a sociologia, a psicologia, pois, seja qual for o conflito jurídico, esses aspectos sempre estarão presentes e é importante que o profissional do direito saiba reconhecê-los.

È necessário que haja uma melhora no ensino jurídico das faculdades. Onde o rigor se iniciaria no ensino, na possibilidade de um aprendizado mais prático, através da exigência de estágios diversos e da facilitação para a realização destes.

No currículo, deve ser abandonada qualquer preocupação extensiva, desenvolvendo-se o programa em três eixos - fundamental, profissional e de formação prática -, voltado primordialmente para a conscientização da responsabilidade social do jurista. Nas atividades práticas, além dos exercícios reais ou fictícios de patrocínio e assessoramento jurídico em estágios ou escritórios-modelo, devem ser estimulados projetos de ação social junto à comunidade para a melhoria do acesso ao Direito, à Justiça e à cidadania.

Na formação para o mercado de trabalho, as escolas de Direito devem priorizar o estudo da deontologia das profissões jurídicas, entre elas a da magistratura, da advocacia, da consultoria jurídica, do Ministério Público e do magistério jurídico.

Os cursos de Direito devem formar e consolidar grupos de estudo e de pesquisa para o levantamento das necessidades jurídicas das comunidades e regiões a que estão vinculadas e para a priorização da formação profissional destinada a atuar junto a elas na melhoria do acesso ao Direito e à Justiça.

A responsabilidade das faculdades de Direito não é apenas a de colocar em sala de aula professores que conheçam as matérias, mas que saibam transmiti-las e que saibam despertar nos seus alunos o interesse em estudá-las e delas fazer uso em benefício de todos. O Direito não se aprende somente para si mesmo, mas para os outros.

Enfim, a finalidade do ensino jurídico deve ser a de formar profissionais de alto nível, capazes de pensar nos problemas da sociedade brasileira e de formular soluções jurídicas para equacioná-los, assim como de estudar os meios de assegurar a todos o acesso ao Direito e à Justiça. Assim, os alunos sentiriam-se mais seguros e preparados para escolherem a carreira que pretendem seguir.

32. CASUÍSMO DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

O Direito, em um de seus prismas, pode ser visto como um conjunto de normas jurídicas tendentes a regular o comportamento social tendo em vista a concretização da Justiça e da Segurança Social. Estas normas não cominam um plano imaginário ou especialmente preparado para a incidência normativa. Elas atuam no cotidiano social, configurando-se do jeito que ele realmente é e não da forma pela qual foi imaginado. São os fatos sociais em toda a sua complexidade que oferecem subsídios para o conteúdo das normas jurídicas. Por isso, advém a afirmação de que o Direito, antes de ser um fenômeno jurídico, é um fenômeno social.

O problema que se configura na determinação da realidade fática é a sua modificação, enquanto o Direito, pela sua própria essência, representa uma estruturação pouco permeável a bruscas modificações. Sua adequação à realidade é lenta. A falta de sincronia existente, pela rápida evolução do fenômeno social e a lenta adaptação da seara jurídica, constitui disparidades jurídicas que comprometem a eficácia do ordenamento. 

Todavia, se o descompasso entre a norma e a realidade for tão relevante que não expresse as reais forças motrizes do poder social existente na sociedade, acarretará as denominadas Leis Folhas de Papel, aquelas que não passam de um papel escrito, sem valor algum, onde não há cumprimento de suas normas. Passa a ter valor, apenas, formal, não dispondo de forças para ver seu texto cumprido. Desta forma, uma grande distância entre a realidade social e a fática gera ineficácia normativa. 

Contudo, a necessidade da regulamentação do novo cotidiano fático acaba por criar uma superinflação legislativa. Há inúmeras leis regulando inúmeros fatos. É o casuísmo do ordenamento jurídico brasileiro. 

Dentro de tal ordem, nem mesmo os operadores do direito têm capacidade intelectiva de captar e manter na memória essa imensidão normativa. Que dirá o cidadão, muitas vezes cidadão só no título. Assim, toda a força do direito reside numa farsa, a de que todos devem conhecer a lei.

 

a) Conseqüências do Casuísmo no Direito Penal

É no Direito Penal que o casuísmo das leis ganha relevo ainda mais preocupante. Segundo a conveniência e a oportunidade avaliada pela Administração, recorre-se à repressão penal, construindo-se tipos penais abertos, com constante reenvio a normas regulamentadoras, que dão o conteúdo dos elementos normativos do tipo. Só agora definir crimes por medidas provisórias constitui absurdo, mas, um dia, lá atrás no tempo, isso aconteceu. Além disso, a inflação legislativa dá a falsa impressão de segurança à população, tudo impulsionado por parte de uma imprensa que dramatiza, em busca da audiência.

Em inúmeros casos o legislador, levado pela "urgência" e pelo ineditismo das novas situações, não encontra outra resposta (na verdade, nem sequer busca outra resposta) que não seja a conjuntural ("reação emocional legislativa"), que tende a ser de natureza "penal", dependendo dos benefícios eleitorais que possa alcançar. Invoca-se o Direito penal como instrumento para soluções de problemas, mas se sabe que seu uso recorrente não soluciona coisa alguma. Nisso reside o simbolismo penal.

Vários são os exemplos do que acaba de ser narrado (cf. O Estado de S. Paulo de 18.05.08, p. C6, matéria assinada por Laura Diniz): a partir de um fato midiático, a mídia pressiona e o Congresso Nacional cede, editando nova lei. Vejamos:

1) no final dos anos 80 e começo dos anos 90, em razão da onda de seqüestros (do empresário Abílio Diniz, de Roberto Medina – irmão de um parlamentar, na época – etc.) veio a lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/1990), que aumentou penas, criou crimes, cortou direitos e garantias fundamentais etc.;

2) em dezembro de 1992 a atriz Daniela Perez foi assassinada brutalmente pelo casal Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. Daniela era filha da escritora Glória Perez, que fez um movimento nacional pró endurecimento da lei dos crimes hediondos (veio, com isso, a Lei 8.930/1994, que incluiu o homicídio qualificado como crime hediondo);

3) em 1997 a mídia divulgou imagens chocantes de policiais militares agredindo e matando pessoas na Favela Naval (Diadema-SP); a repercussão imediata foi a edição da lei de tortura (Lei 9.455/1997);

4) em 1998 foi a vez da "pílula falsa" (ganhou notoriedade o caso do anticoncepcional Microvlar, que continha farinha, o que não evitou a gravidez de incontáveis mulheres); esse constitui um exemplo marcante não só de Direito penal midiático como, sobretudo, eleitoreiro. O legislador brasileiro, sob os efeitos do "escândalo dos remédios falsos", não teve dúvida em reagir imediatamente: elaborou primeiro a Lei 9.677/98, para alterar o marco penal de diversas condutas relacionadas com o tema (a falsificação de remédio agora é sancionada, no mínimo, com dez anos de reclusão. Por meio do mesmo diploma legal, outras condutas não tão graves, como a falsificação de creme para alisar o cabelo, passaram a receber a mesma punição). Depois, publicou-se a Lei 9.695/98, para transformar diversos desses delitos em "hediondos" (o que, desde aquela outra lei, já se pretendia, mas que, por defeito de técnica legislativa não se conseguiu). De forma inédita, a lei foi aprovada em quarenta e oito horas;

5) em novembro de 2003 a estudante Liana Friedenbach e seu namorado Felipe Caffé foram brutalmente assassinados por um grupo de criminosos, sendo que o chefe da quadrilha era um menor ("Champinha"). O Congresso Nacional se mobilizou rapidamente, incontáveis projetos foram apresentados para ampliar ou tornar mais rígida a internação de menores infratores;

6) em maio de 2006 ocorreram os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), que assassinaram vários policiais. Logo em seguida o Senado aprovou nove projetos de lei, incluindo-se, dentre eles, o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado Máximo);

7) em fevereiro de 2007 o menor João Hélio Fernandes, de seis anos, foi arrastado e morto, num roubo ocorrido no Rio de Janeiro. Em seguida a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou proposta de redução da maioridade penal, porque um dos autores do roubo era menor. Esse projeto está pronto para ir ao plenário e só está aguardando (evidentemente) um outro fato midiático;

8) em 2008, para tentar coibir a expansão das milícias no Rio de Janeiro, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que altera vários dispositivos do Código Penal, sem nenhuma chance de efeito prático (até porque, para evitar a impunidade, bastaria cumprir a lei vigente). Foi mais uma "legislação penal de emergência", ou seja, mais uma inovação legislativa apressada, que foi editada para acalmar os ânimos da população (isto é: "mostrar serviço à sociedade");

9) ainda em 2008, depois da absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Congresso Nacional aprovou o fim do protesto por novo júri.

O legislador precisa se convencer de que a Lei deve ser a expressão da vontade do Povo, da vontade Geral. Deve atender às necessidades e aos anseios da coletividade, do corpo social, pois não legisla para si ou para seus pares tão-somente. 

No entanto, não pode ceder ao clamor popular e à pressão dos meios de comunicação, sob pena de aprovar leis que recrudescem a legislação penal sem a necessária atenção e estudo, sem ponderar sobre os verdadeiros motivos da criminalidade, impulsionados pelo calor dos acontecimentos, com sede de vingança e rápida solução, ainda que paliativa.

É claro que a missão da lei, notadamente a penal em um Estado Democrático de Direito é a de materializar condutas que acompanhem os conflitos e anseios sociais, não sendo imutáveis, portanto. Contudo, não estamos mais vivenciando a mera e pura formalidade legal, eis que no caso exemplificativo do Brasil adotou-se o regime democrático, sendo o conteúdo social da norma elencada em seu grau máximo.

A lei transformada em mero condutor da política governamental acaba por definhar toda uma estrutura de proteção do Estado, principalmente em termos de Direito Penal (por conta de sua característica de fragmentariedade), a ponto de transitar de um lícito para um delito ou majorar o grau de poder governamental em função tão somente de uma decisão unilateral normativa sem critérios.

Portanto resta a questão: retornaremos ao “status” do casuísmo e da observância cega à lei que tanto legitimou Estados despóticos e ausentes e racionalismo? Não podemos pensar sempre a curto prazo, com soluções imediatistas, onde se prefere o simplismo, herança do regime ditatorial da década de 60 e do comportamento apolítico da população, de modo geral.

33. A ANENCEFALIA E O DIREITO

ANENCEFALIA: CONCEITO.

A Anencefalia trata-se de uma má-formação congênita que ocorre por volta do 24º dia após a concepção, quando o tubo neural sofre um defeito em seu fechamento. Desta irregularidade resulta uma estrutura encefálica inexistente ou, caso existente, amorfa, estando solta no líquido amniótico ou deste separada somente por uma membrana. Segundo o Conselho Federal de Medicina, em sua Resolução n.º 1.752/04, os anencéfalos são natimortos cerebrais, e por não possuírem o córtex, mas apenas o tronco encefálico. 

Certo é que a anomalia é incompatível com a vida, pois é letal em 100% dos casos. A incompletude do encéfalo determina que cerca de 75% dos fetos nasçam mortos e que os 25% restantes apenas sobrevivam poucas horas, dias ou semanas. 

Números existentes apontam a incidência de 0,6 portadores de anencefalia para cada mil fetos nascidos vivos, sendo o Brasil o quarto país no mundo com o maior número de incidência de fetos anencefálicos, ficando atrás apenas de México, Chile e Paraguai. Estima-se que a Justiça brasileira já tenha permitido, nos últimos 15 anos, ao menos, 5.000 abortos de fetos anencefálicos.

 

Hipóteses legais de aborto.

O art. 128 do Código Penal prevê duas hipóteses nas quais a interrupção da gestação ou aborto não sofrerá punição. Uma delas é o aborto necessário, quando a continuidade da gravidez coloca em risco a vida da gestante. A segunda hipótese prevista no referido artigo é o aborto humanitário ou sentimental. Neste caso, não se pune a interrupção da gravidez decorrente de estupro.

Logo, se a interrupção da gestação for embasada em qualquer outro fundamento, a conduta será tida por ilícita, sofrendo os responsáveis a incidência da pena cominada pelos arts. 124 a 126 do CP. Isto posto, somente não haverá discussão quanto à legalidade do abortamento de anencéfalos se a gestação puder ser enquadrada nas hipóteses literalmente previstas no sistema repressivo de inaplicabilidade da pena. Indo além da subsunção do fato na norma, este método de interpretação aplicado na questão da anencefalia leva a se considerar legal a conduta abortiva dos fetos portadores desta má-formação, a partir de uma interpretação dos artigos do Código Penal conforme a Constituição e os princípios soberanos elencados na Carta, sem redução de texto.

Assim, foi lançada a tese de que o abortamento de anencéfalos se enquadra na hipótese do art. 128, I, CP, qual seja, de aborto necessário. Partindo do pressuposto que para ter vida é preciso ter saúde, os defensores desta forma de interpretação afirmam que a gestação de anencéfalos ocasionaria um mal-estar físico e psicológico que permitiriam a incidência da permissão prevista neste inciso, tratando a situação como um estado de necessidade, no qual a supressão da vida do anencéfalo visa preservar um

bem maior, qual seja, o direito da mãe ao exercício da vida em sua plenitude. 

A visão de interrupção terapêutica da gestação, em razão do risco que se põe à mulher, é a posição adotada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde – CNTS, responsável pelo ajuizamento da ADPF 54, que buscou amparo legal para que os profissionais da saúde possam vir a realizar a interrupção da gravidez nos casos de gestação de feto anencefálico, sem sofrerem as punições prevista no Código Penal. 

 

Direitos envolvidos: um paralelo.

A questão em pauta tornou-se mais polêmica com a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em 2004. A reincidência de casos levou o ministro do STF, Marco Aurélio de Mello, no dia 1º de julho de 2004, a autorizar o aborto de anencéfalos em todo o Brasil, mediante liminar. No entanto, no dia 20 de outubro de 2004, o plenário do STF deu parecer contrário à liminar, derrubando-a por 7 votos a 4.

A decisão concessiva do Ministro do STF não somente afastou a ilicitude ou a culpabilidade da conduta por inexigibilidade de outra conduta, mas a própria tipicidade, considerando que não existe aborto quando o produto da concepção é anencefálico, pois não há vida em potencial. 

Emerge a idéia que o encéfalo não é considerado um ser humano vivo. Isso porque, ganha espaço a noção de que só há vida quando o cérebro superior (encéfalo) se forma e funciona normalmente. A idéia de vida, neste caso, fica indissoluvelmente associada à de personalidade. 

Entre 2001 e 2006, os tribunais de Justiça do País receberam 46 pedidos de interrupção da gravidez de anencéfalos. Em 54% dos casos, a decisão foi favorável à mulher, permitindo o procedimento. Em outros 35% o pedido foi negado. Nas demandas restantes, o tempo para decisão foi tão longo que o feto morreu antes de proferida a sentença. 

Marco Aurélio amparou seu entendimento em preceitos constitucionais, como:

3. Dignidade da pessoa humana, no caso, da mulher, que deve ter a opção de conduzir a gestação, da qual resultará fruto inviável;

4. Legalidade, por todos os direitos que amparam tal entendimento, os quais são constitucionalmente defendidos na Carta Maior como direitos fundamentais da pessoa humana;

5. Liberdade e autonomia da vontade, no sentido de livre-arbítrio da mãe;

6. Direito à saúde da gestante: na gravidez de fetos anômalos, as gestantes contraem várias complicações como, por exemplo, a deslocação da placenta, o trabalho de parto demora de 2 a 3 vezes mais, é de 3 a 5 vezes maior a incidência de hipotonia uterina e hemorragia no pós-parto. Pelo fato da mulher não amamentar, a involução uterina é mais lenta, suscitando sangramentos. Além do mais, inclui-se no conceito de saúde o bem-estar psicológico, vastamente abalado pela obrigatoriedade de levar a termo uma gestação nas condições impostas; 

7. Não submissão à tortura ou a tratamento desumano ou degradante, livrando a mãe da exposição a tamanho sofrimento. 

Ainda, pode-se acrescentar o direito à igualdade, o qual se manifesta, neste caso, como o direito a ter uma gestação saudável, viável, da qual resulte, como ocorre na grande maioria dos casos, uma vida, tão esperada pelos pais e familiares, em função da qual crescem inúmeros planos e sentimentos felizes.  Em suma, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causando-lhe dor, angústia e frustração, importa violação a vários direitos fundamentais protegidos na Carta Republicana de 1988. 

Pelo fato da patologia resultar em inviabilidade de vida extra-uterina, levanta-se a tese de antecipação terapêutica do parto, e não aborto. Segundo Luís Roberto Barroso, representante da CNTS, no aborto a morte do feto deve ser resultado direto dos meios abortivos, sendo imprescindível tanto a comprovação da relação causal como a potencialidade da vida extra-uterina do feto, o que não ocorre na antecipação do parto de um feto anencefálico. Logo, não há potencial de vida a ser protegido; somente o feto com capacidade potencial de ser pessoa pode ser sujeito passivo de um aborto. 

Questiona-se o anacronismo da legislação penal. Em 1940, quando editada a Parte Especial do diploma, a tecnologia existente não possibilitava o diagnóstico preciso de anomalias fetais incompatíveis com a vida. Assim, estar-se-ia privilegiando o positivismo exacerbado em detrimento da interpretação evolutiva teleológica (dos fins visados pela norma), desperdiçando o avanço tecnológico destinado a melhorar a vida das pessoas.

Em contraposição, o Ministro Eros Grau, na ocasião em que o STF revogou a liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio, afirmou que a manutenção dessa terceira modalidade de aborto seria como permitir que o judiciário reescreve-se o Código Penal. 

No mesmo sentido, na defesa da separação dos poderes, o procurador geral da República, Cláudio Fonteles, alega em seu parecer que a interpretação conforme a Constituição somente pode ser adotada quando o legislador não pode ter reconhecido, nos termos em que se coloca, o seu entender, o que não ocorreria no caso. Outrossim, para o jurista, ao Tribunal Constitucional cabe declarar (ou não) a inconstitucionalidade (ou ilegalidade) da norma em causa, mas não pode substituí-la por outra, pois sua função é de controle, de caráter essencialmente negativo.  

Neste entendimento, o bem maior a ser preservado pela legislação penal é a vida, fonte primária de todos os outros bens jurídicos, que é atemporal. As hipóteses que se permite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, taxativo, inadmitindo-se interpretação extensiva, ou mesmo analogia in malan partem. Prevalece, assim, o princípio da reserva legal.

No caso a interrupção da gestação está-se abreviando a expectativa de vida já curta do nascituro, privando-o do que ele necessita para sua sobrevivência ate a morte natural. Ademais, a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro (art. 2º, CC), bem como a Convenção Americana sobre Direito Humanos que afirma: “Toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este direito estará protegido pela lei a partir do momento da concepção". Assim, se a criança nasceu com vida, tornou-se sujeito de direitos, ainda que a ciência o condene à morte pela precariedade de sua conformação. Viável ou não, o infante reveste-se de personalidade.

Direito comparado.

Atualmente, nos países da América do Norte, Europa e parte da Ásia é permitido o aborto em todos os casos de malformações incompatíveis com a vida. Desde 2003, a Argentina tem lei semelhante. A proibição permanece em países muçulmanos, em parte da África e da América Latina, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso mostra como a discussão não é pacífica, predominando a proibição nas regiões mais conservadoras e religiosas. 

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O Direito emerge como o instrumento idôneo para solucionar essa questão, que envolve valores sociais/morais tão amplos. Nessa situação específica, coloca-se em debate bens jurídicos tutelados, por isso se faz necessário o uso da ponderação. Desse critério deve sobressair, não o direito subjetivo superior na forma abstrata, conceitual, mas sim, o direito que confere maior eficácia concreta à norma no caso em estudo, naquele momento. 

Por fim, o direito à vida não tem somente uma acepção, relacionada ao direito de continuar vivo, mas também está condicionado a uma vida digna e viável, do ponto de vista da sobrevivência, o que não se verifica no feto anencefálico. 

 

34. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - INTERCEPTAÇÕES DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS: LIMITES E POSSIBILIDADES NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL VIGENTES

 

Conceituação

O art. 5º, XII, da Constituição Federal estabeleceu a inviolabilidade das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual. A Lei nº 9.296/1996 regulamentou esse dispositivo constitucional.

Na doutrina não há um conceito unânime do que seja “interceptação telefônica”.

Guilherme de Souza Nucci a conceitua como sendo a captação da comunicação telefônica feita por pessoa diversa dos interlocutores e sem o consentimento destes. 

Segundo o mesmo doutrinador, outras formas de captação de conversas, não abrangidas pela Lei nº 9.296/1996, seriam: a) interceptação ambiental: dá-se quando terceiro capta, sem autorização, conversa ambiental mantida por outras pessoas; b) escuta ambiental ou telefônica: ocorre quando um terceiro grava a conversação alheia (ambiental ou telefônica), com o consentimento de apenas um dos interlocutores; c) captação direta: ocorre quando um dos interlocutores capta a conversa sem o conhecimento/consentimento do outro.

Fernando Capez, no entanto, divide o termo interceptação telefônica (em sentido amplo) em interceptação telefônica em sentido estrito (“interceptação telefônica” segundo Nucci) e escuta telefônica (com idêntico sentido ao anteriormente mencionado), ampliando, assim, o âmbito fático de abrangência da Lei das Interceptações Telefônicas.

Qualquer que seja a conceituação adotada, no entanto, para modalidades de captação de conversas remanescentes, têm a doutrina e a jurisprudência utilizado regramento jurídico diverso, obtendo como parâmetros o direito à privacidade (art. 5º, X, da CF/88), o princípio da proporcionalidade, as excludentes da ilicitude (legítima defesa de terceiro) etc.

A Lei nº 9.296/1996, além da interceptação das comunicações telefônicas, abrange igualmente a de informática (computador) e telemática (junção entre os recursos da informática e das telecomunicações [telefonia, satélite, cabo etc]).

Requisitos

Segundo a previsão constitucional (art. 5º, XII) e infranconstitucional (art. 2º da Lei 9.296/96), são requisitos à interceptação das comunicações telefônicas:

8. Ordem judicial (do juiz competente para a ação principal): não se admite, como regra geral, a interceptação telefônica sem prévia autorização judicial. A prova, nestes casos, será geralmente considerada ilícita;

9. Para fins de investigação criminal ou instrução processual penal: embora haja algumas decisões isoladas admitindo a interceptação para fins de instrução em processo civil (ex.: TJ/RS), a ampla maioria da doutrina e da jurisprudência só a admitem nos termos previstos na CF, ou seja, se destinada à apuração da infração penal;

10. Houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

11. A prova não puder ser feita por outros meios disponíveis;

12. O crime investigado deve ser punido com a pena de reclusão: tal restrição apresenta-se - segundo Guilherme de Souza Nucci -, demasiadamente ilógica, na medida que crimes bastantes comuns, como a ameaça efetuada por telefone, não podem ser objeto tal meio de prova. 

Os Tribunais Superiores, no entanto, vêm admitindo a denúncia por delitos apenados com detenção, em tais circuntâncias, quando conexos com crimes punidos com reclusão (os quais justificariam a interceptação). Pensamento contrário redundaria num grande incentivo à impunidade.

Limites e Possibilidades

O art. 10 da Lei das Interceptações Telefônicas prevê que constituí crime punido com reclusão, de dois a 4 anos, realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

O Código de Processo Penal, em sua nova redação determinada pela Lei 11.690/2008, também previu que: 

São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.  

§ 1o  São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

§ 2o  Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova 

§ 3o  Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.  

Por meio de tais dispositivos verifica-se que a utilização ilegal da interceptação telefônica pode gerar conseqüências nos âmbitos material e/ou processual. 

No material tem-se o possível cometimento de crime, apenado com reclusão de 2 a 4 anos, o qual, por ser considerado de média gravidade, acaba por obstar o oferecimento de benefícios como a transação penal e o sursis processual.

No âmbito processual, por sua vez, a prova será considerada ilícita (por violação a dispositivo constitucional e/ou a direito material infraconstitucional), devendo, após o trânsito em julgado da decisão, ser a prova desentranhada dos autos e inutilizada.

Segundo a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada, hodiernamente, pelo Código de Processo Penal, quaisquer provas que derivarem da inicialmente ilícita igualmente deverão ser consideradas contaminadas.

Há, no entanto, segundo a doutrina e a jurisprudência, exceções às regras gerais anteriormente mencionadas. São algumas delas:

Durante situação de flagrante delito, se a comunicação telefônica é utilizada como meio para a prática da respectiva infração penal, ela pode ser interceptada e gravada, independente de ordem judicial e do conhecimento ou consentimento dos interlocutores. Ex.: Polícia realiza interceptação telefônicas sobre ligação do seqüestrador, objetivando a localização e liberdação da vítima seqüestrada. Trata-se da utilização, segundo o doutrinador Denilson Feitoza, da legítima defesa de terceiro, afastando-se a ilicitude criminal e cível da sobre a prova colhida, a qual poderá inclusive, neste caso, ser utilizada para embasar eventual condenação criminal do sequestrador. 

Como preceitua o STF, nenhum direito fundamental é absoluto, não devendo os mesmos serem utilizados para salvaguardar a prática de infrações penais. No presente caso, o direito de sigilo/intimidade não pode se sobrepor ao direito à vida. 

Utilização da prova ilícita em favor do réu: amplamente aceita pela doutrina e pela jurisprudência, a utilização da prova ilícita pelo réu é admitida como um meio de provar sua inocência. Isto porque, reiterando o anteriormente exposto, nenhum direito fundamental pode ser considerado absoluto e, segundo o princípio da proporcionalidade, justifica-se a violação do sigilo/privacidade de outrem para garantir-se o direito à liberdade, ou seja, evitar-se uma condenação injusta.

Utilização da prova ilícita pro societaet: O doutrinador Fernando Capez admite que, sob raras hipóteses, em se tratando de crimes demasiadamente graves (v.g. organizações criminosas de alta periculosidade), o direito ao sigilo deva ceder frente a necessidade de se tutelar a vida, o patrimônio e a segurança dos cidadãos, o que justificaria a adoção de uma prova normalmente considerada ilícita. Esse posicionamento, no entanto, não encontra acolhida pacífica junto aos Tribunais pátrios.

Como excepciona o próprio Código de Processo Penal (art. 157, §§ 1º e 2º), se uma prova derivada de outra ilícita puder ser obtida por meio de uma fonte independente (aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. Ex.: Testemunha descoberta por meio de interceptação telefônica ilícita. Essa mesma testemunha, no entanto, é mencionada em outra prova, agora lícita, e seria descoberta de qualquer maneira), deverá ser considerada como um meio lícito de prova.

Enfim, inúmeras são as hipóteses nas quais a licitude das interceptações telefônicas será questionada, e seu resultado dependerá sempre da análise detalhada do caso concreto. 

Para essa análise devem ser utilizados como parâmetros as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriormente mencionadas, primando-se pela proteção não só do sigilo e da privacidade, mas igualmente da vida, da integridade física, da segurança e dos demais direitos fundamentais previstos em nossa Constituição Federal.

 

 

Fontes:

- FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal: teoria, crítica e práxis. 5ª ed. Niterói, RJ : Impetus, 2008.

- AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal. 4ª ed. São Paulo : Método, 2008.

- CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14ª ed. São Paulo : Saraiva, 2007.

- NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2ª ed. São Paulo : RT, 2007.

 

 

35. VIDEOCONFERÊNCIA (NO PROCESSO PENAL)

 

Um tema que sempre causou discussão na doutrina e jurisprudência pátria é a utilização da videoconferência para o interrogatório do réu. Aqueles que impugnam o uso da aludida tecnologia pela Justiça brasileira apontam inúmeras críticas à inovação. Contudo, um dos principais fundamentos considerado pelos defensores dessa corrente - a falta de previsão expressa no Código de Processo Penal que autorizasse essa forma de interrogatório - não mais deve ser considerado, haja vista que a Lei 11.900/09 tratou de positivar a matéria. 

No processo civil todo tipo de modernização eletrônica já é admitida (e vem sendo praticada). A vida moderna seria impraticável sem a informatização. A Justiça criminal de diversos países desenvolvidos (Estados Unidos, Itália etc.) já utiliza a videoconferência desde a década de 90, atenta às evoluções tecnológicas. E o que se passa no Brasil? Somente agora é que, no processo penal brasileiro, podemos usar a videoconferência.

A informatização do Judiciário, em sua plenitude, não é uma questão de utilidade, sim, de necessidade. De todo modo, as inovações tecnológicas sempre estão acompanhadas de desconfiança e resistência. Assim o foi, por exemplo, com o emprego das máquinas de escrever, hoje obsoletas, no cotidiano forense, pois muitos argumentavam que sua utilização impossibilitaria o reconhecimento da autenticidade da autoria da peça processual.

Superando-se, portanto, eventual sentimento de aversão às mudanças, são vários os argumentos favoráveis ao uso da videoconferência na Justiça criminal: risco de fugas, risco de resgates, economia orçamentária etc.

O argumento desfavorável mais repetido é o de que com a videoconferência impede-se o contato físico do réu com o juiz. Na década de sessenta foram proclamados o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Estes tratados falam em contato pessoal do acusado com o juiz. Por óbvio que naquela época “analógica” tal contato pessoal somente poderia ser o físico. Hoje, porém, tais dispositivos devem ser interpretados progressivamente (ou seja: digitalmente, não analogicamente).

O sistema de videoconferência é uma nova forma de contato direto ("pessoal"), não necessariamente no mesmo local. Como sublinhou a Min. Ellen Gracie, "Além de não haver diminuição da possibilidade de se verificarem as características relativas à personalidade, condição sócio-econômica, estado psíquico do acusado, entre outros, por meio de videoconferência, é certo que há muito a jurisprudência admite o interrogatório por carta precatória, rogatória ou de ordem, o que reflete a idéia da ausência de obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado, para a realização do seu interrogatório".

Por outro lado, os adeptos da ideologia da eqüidade (os chamados minimalistas ou progressistas) atrapalham o debate sereno e racional sobre o tema porque se prendem (analogicamente) ao método, não à essência ou à forma do ato. Ora, desde que observadas todas as garantias constitucionais, internacionais e legais, não há como reconhecer a invalidade da videoconferência. Essa formalidade (respeito às garantias fundamentais) é o que mais importa. Não interessa tanto o método (tecnológico), sim a forma (circunstâncias do ato).

Nem eficientismo (sustentado pelos que só querem punir mais rapidamente o réu) nem garantismo vesgo (analógico). O sonho do moderno processualista consiste em alcançar um modelo de processo penal eficiente E com garantias: a videoconferência tem que acontecer em sala especial nos presídios, com acesso público, a presença de um funcionário judicial neste local se faz necessária, a comunicação direta e privada – linha telefônica exclusiva - entre o réu e o seu advogado é totalmente imprescindível etc. O fundamental, como se vê, não é o método, sim a forma (porque forma é garantia no processo penal). E todas essas formas foram garantidas pela Lei 11.900/2009.

Não se pode olvidar, contudo, o caráter excepcional da utilização de tal método de interrogatório. De acordo com a nova redação conferida aos § § 1º e 2º do art. 185 do CPP, a regra geral continua sendo a realização do interrogatório no estabelecimento prisional, de forma que a videoconferência somente será cabível extraordinariamente, desde que caracterizada uma das situações previstas num dos incisos do § 2º. São elas: prevenção à segurança pública (quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento) OU viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal OU impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código OU gravíssima questão de ordem pública. 

Como forma de assegurar os direitos do réu e de respeito ao princípio do contraditório, o mesmo deverá ser intimado com antecedência de dez dias da decisão que determinar a realização do seu interrogatório por meio da videoconferência.

Não se olvide também que as normas previstas no CPP garantem total respeito às garantias do acusado, como, por exemplo, a existência de um canal de comunicação reservado com seu defensor e o acompanhamento telepresencial da oitiva da vítima e das testemunhas.

Frisa-se que o argumento de que o interrogatório assim realizado impede o contato do juiz com o acusado, o que prejudicaria o exercício da ampla defesa, não merecer de forma alguma ser acolhido. Há de se notar que a realidade não é essa. Da mesma maneira do interrogatório realizado na sala de audiência ou no estabelecimento prisional, a utilização da videoconferência, nos moldes aqui defendidos, também permite que o magistrado tome contato com todas as reações do interrogando, como se estivesse na presença física do acusado ou réu. 

Desde que se assegure a fluência dos quadros de vídeo; a nitidez das imagens com possibilidade de zoom; o uso de telas amplas de alta definição; a clareza do áudio; o sincronismo áudio-vídeo, de modo a impedir atrasos, interrupções ou perda de dados; o controle da câmera remota pelo magistrado; um canal reservado de voz para a defesa; scanner e impressora em rede para a transmissão de documentos, entre outros equipamentos, não há razão para temer a videoconferência criminal. O conteúdo transmitido pela rede pode ser acessado por qualquer pessoa, garantindo a publicidade do ato judicial. Possibilita-se a gravação dos eventos para memória futura, com uso processual na própria instância ou no grau recursal, ou em exibições em plenário do júri, tudo de modo a predominância do interesse público e da verdade real, com pleno respeito às garantias individuais no processo penal. 

Por fim, cabe destacar que o papel do Ministério Público é de extrema importância na implementação de um sistema que possibilite a utilização de videoconferências com o efetivo respeito às mencionadas garantias constitucionais, atuando não apenas como mero instrumento acusatório, mas sobretudo como verdadeiro fiscal da lei.

 

36. 39. A ATUAÇÃO DO PARQUET NOS 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

 

Segundo registros históricos, o Ministério Público é uma instituição milenar. Conta-se que já na antiga civilização egípcia, há aproximadamente quatro mil anos, existia a figura de um “funcionário do rei”, incumbido das atribuições de castigar culpados, reprimir os violentos, proteger os cidadãos pacíficos, acolher os pedidos do cidadão justo e verdadeiro, perseguir os malvados e mentirosos, ser marido da viúva e pai dos órfãos e fazer ouvir as palavras da acusação.

Contudo, sua origem mais citada é a Ordenança de 25 de março de 1302, de Felipe IV, o Belo, rei da França, o qual impôs aos seus procuradores que prestassem o mesmo juramento dos juízes, vedando-lhes patrocinarem outros que não o rei.

No Brasil, seguindo a tradição portuguesa, tanto na Colônia quanto no Império, sob a égide das Ordenações Afonsinas, as funções ministeriais ficaram a cargo do Procurador da Coroa, com vinculação direta ao rei ou ao imperador. Não existia, destarte, como órgão público autônomo. 

Foi somente no princípio da República que adquiriu o status de instituição, com o advento do Decreto nº 848, de 11.10.1890. Mas somente a partir do ano de 1981, com a edição da Lei Complementar nº 40, que o Ministério Público passou a ter um papel relevante na república brasileira. 

Muitos foram os avanços e retrocessos, mas o fato é que o Ministério Público seguiu uma trajetória sempre ascendente, quanto ao número de suas atribuições e ao esboçamento de um modelo que vai se construindo, paulatinamente, por força da evolução histórica e social do país.

A sua grande transformação deveu-se ao constituinte originário de 1988, do qual recebeu um legado de imensas e complexas atribuições com nítida destinação social. Anteriormente, o papel do Ministério Público cingia-se à persecução criminal e de raras atribuições na área cível, na qualidade de um mero fiscal da aplicação da lei.

A Constituição instituiu um sofisticado paradigma de garantia dos direitos inscritos em todos os níveis da pirâmide do ordenamento jurídico pátrio. E para a efetivação destes direitos, incumbiu ao Ministério Público a defesa da sociedade, conferindo-lhe o papel central de grande provocador do Poder Judiciário.

Erigido à instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, o Ministério Público recebeu, entre outras, a incumbência de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis; de promover, privativamente, a ação penal pública; de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos constitucionais; de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; de exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 127 e art. 129, CR/88).

Munido de poderes para interposição da ação direta de inconstitucionalidade, da representação para fins de intervenção, para a fiscalização do patrimônio público e dos serviços de relevância pública, para atuação junto aos Tribunais de Contas e poderes de ajuizamento de ações cíveis e criminais, o Ministério Público converteu-se em autêntico agente político.

Ainda, foi assegurado ao Parquet a plena independência e um elevado grau de autonomia frente aos Poderes do Estado, possibilitando a propositura de ações contra agentes dos Poderes Executivo, Legislativo e do Judiciário.

Completados vinte anos de promulgação da Constituição da República em cinco de outubro de 2008,  nota-se que, embora seja um curto período de tempo para os padrões históricos, foi uma longa e profícua jornada rumo à concretização dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Efetivamente, vem o Ministério Público ocupando, em todos os seus níveis e em todas as suas áreas de atuação, espaços cada vez maiores no exercício de funções de grande relevo à manutenção do equilíbrio jurídico da sociedade, seja como órgão fiscal da legalidade, seja como agente da proteção dos valores da ordem jurídica e, consequentemente, dos direitos individuais e coletivos.

No balanço das realizações do Ministério Público ao longo destes vinte anos da Constituição Republicana, pode-se afirmar, com segurança, que a Instituição consolidou seu papel de agente de transformação social com firme e pioneira atuação no campo cível, a partir do manejo preciso dos instrumentos como recomendação, termo de ajustamento de conduta e ação civil pública em defesa dos interesses da sociedade.

O Ministério Público, que ajuizou a imensa maioria das ações civis públicas que tramitaram ou tramitam perante os juízos de todo o país, tem atuado vastamente na tutela dos interesses transindividuais, como saúde, educação, patrimônio público, moralidade pública, consumidor, meio ambiente, idoso, criança e adolescente, com implicações inclusive na gestão das políticas públicas.

Este campo de atuação assinala, à evidência, um caráter fortemente político, enquanto alcança o interesse de lideranças políticas, da classe empresarial, dos detentores do poder econômico e do próprio Estado.

Como novo ator no cenário político nacional, o Ministério Público se firmou nestes vinte anos de Constituição como defensor das minorias e da cidadania, e como instrumento de efetivação do direito social, capaz de corrigir e direcionar as políticas públicas.

No campo penal, percebe-se nitidamente a inquietação da sociedade com relação à segurança pública, que padece de problemas estruturais nas duas pontas do sistema: na fase investigatória e na fase de cumprimento da pena imposta, o que, não raras vezes, tem conduzido a distorções que acabam resultando em inaceitável impunidade. Daí a necessidade de forte atuação do Ministério Público nessas duas pontas.

Assim, a investigação criminal deve ser reconhecida como atividade da qual também é incumbido o Ministério Público, não existindo óbice constitucional para que a instituição se valha dessa atribuição para garantir a punição de crimes que de outra forma talvez não seriam objeto da persecução penal.

No que tange à execução da pena, é necessário que o Ministério Público, sempre no exercício de seu pioneirismo frente às grandes questões nacionais, provoque soluções criativas e adequadas ao problema carcerário brasileiro, de modo que o condenado não fique impune, mas possa cumprir sua pena no ambiente delineado pela Constituição e pela Lei de Execução Penal.

Este, pois, é o Ministério Público moderno, com uma configuração absolutamente necessária à consagração do Estado Democrático de Direito, que deve implementar uma sociedade justa e solidária, erradicando a pobreza, as desigualdades, a grande incidência da criminalidade, com prevalência do direito sobre o arbítrio da Justiça, sobre os detratores da ordem, da paz e do equilíbrio social.

Exercendo autêntica função social, já que sua atuação é voltada para os interesses da sociedade, o Ministério Público deve seguir buscando sua destinação constitucional, incursionando-se cada vez mais na busca de uma justiça social que propicie uma melhor qualidade de vida.

É esta, em síntese, a trajetória do Ministério Público, que hoje se firma, na consciência nacional, como órgão da mais alta importância à coletividade.

 

37. 40.  MINISTÉRIO PÚBLICO NOS 20 ANOS DA CIDADANIA – DÉBORA

 

O Ministério Público foi concebido como instituição independente, dotado de autonomia financeira, administrativa e funcional, desvinculado de qualquer dos três poderes, nas diretrizes traçadas nos artigos 127 da Constituição Federal e seguintes, acompanhados, no plano infraconstitucional, pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n° 8625, de 12 de fevereiro de 1993), pelo Estatuto do Ministério Público da União (Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993) e pela Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina (Lei Complementar Estadual n. 197/2000).

Numa análise história do Ministério Público, a primeira abordagem da expressão surgiu no Decreto n. 5.618, de 2 de maio de 1874, que dividiu o Ministério Público dos Tribunais da Relação. Tal Decreto surgiu após a Carta Imperial de 1824, que determinou a criação do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação, para os quais eram nomeados desembargadores como Procuradores da Coroa.

Em 1891, a primeira Constituição Brasileira Republicana ainda não tratava do Ministério Público na forma de instituição, mas apenas determinava que o procurador-geral da República fosse escolhido dentre os integrantes do Supremo Tribunal Federal. Foi com o advento do Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, que o Ministério Público passou a ter a forma institucional. O Decreto dispôs sobre a organização do Ministério Público no âmbito federal, dispôs sobre a indicação do Procurador-geral pelo Presidente da República e determinou as funções deste de cumprir as ordens do governo e de defender os interesses da União.

Mas foi somente na Constituição de 1934 que o Ministério Público passou a ser institucionalizado constitucionalmente. Nessa Constituição, no Capítulo Dos Órgãos de Cooperação nas atividades governamentais, regulamentou a livre nomeação do procurador-geral pelo Presidente da República, com a aprovação do Senado, bem como a sua possibilidade de demissão ad nutum. Também estabeleceu que o Ministério Público federal seria regulamentado pela União e o Estadual mediante leis locais, além de traçar as garantias de vencimentos iguais as dos Ministros da Corte Suprema, primeiros impedimentos e a organização dos Ministérios Públicos Militar e Eleitoral.

Contudo, em 1973, pela Constituição do Estado Novo na ditadura de Getúlio Vargas, apareceu o primeiro retrocesso do Ministério Público. Foi excluído o controle do Legislativo na nomeação do Procurador-geral, passando a ser escolhido apenas pelo Presidente da República.

Com o restabelecimento da democracia no ano de 1946, o Ministério Público voltou a ter relevância em título próprio. Estabeleceu-se o ingresso da carreira mediante concurso público e, dentre outras, a estabilidade e inamovibilidade de seus membros.

A Constituição de 1967 incluiu-o no Poder Judiciário e manteve a estrutura da Constituição de 1946. Sucede que o texto de 1969, outorgado por junta militar, alterou a Constituição de 1967. Se por um lado aumentou as atribuições do chefe do Ministério Público da União, de outro lado simbolizou um retrocesso ao incluir novamente o Ministério Público dentro do Poder Executivo.

O avanço surge em 1977, mediante e Emenda constitucional n. 7, que estabeleceu normas gerais para a organização do Ministério Público. A Lei da Ação Civil Pública atribuiu a função de defesa dos interesses difusos e coletivos. Antes da Lei, a função predominante da instituição era criminal e na área civil atuava apenas como fiscal da lei. Portanto, foi com o advento da Lei que o Ministério Público passou a atuar na esfera cível como guardião dos direitos difusos e coletivos.

Em 1988, pela atual Constituição, o Ministério Público é instituição permanente e funcionalmente independente, não podendo ser extinto nem ter suas atribuições repassadas a outros órgãos. Foi a partir da Constituição cidadã que o Ministério Público passou a ter funções, dentre elas, na área civil de defender a tutela dos direitos difusos e coletivos. Passou a abranger, dessa forma, a proteção da cidadania, da democracia, da justiça, moralidade, interesses sociais, patrimônio público e direitos humanos.

Do panorama história ora traçado, vislumbra-se que a atual Constituição colocou o Ministério Público de forma mais bem estruturada para poder garantir os direitos do cidadão e o bom funcionamento da sociedade democrática.

Com efeito, o art. 129, inciso I, da Constituição Federal incumbe ao Ministério Público a função de zelar pelo respeito dos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia. No inciso II do mesmo artigo, garante o manejo da ação civil pública para a defesa, dentre outros, do meio ambiente e de direitos difusos e coletivos.

Tais direitos que devem ser defendidos pelo Ministério Público são também traçados pela Constituição Federal, em essência, como sendo direitos fundamentais previstos no título II e divididos em cinco capítulos: Dos direitos e deveres individuais e coletivos; Dos Direitos Sociais; Da nacionalidade; Dos Direitos Políticos e Dos Partidos Políticos.

Ora, a defesa desses direitos fundamentais ganha corpo mediante a atuação direta e eficaz do Ministério Público munido de instrumentos processuais hábeis. O que seria da defesa do meio ambiente sem as medidas processuais previstas na Lei da Ação Civil Pública?

E nem se diga que a defesa do meio ambiente não está atrelada à defesa dos direitos da cidadania.

Veja-se, primeiramente, que os direitos fundamentais não estão taxativamente previstos no extenso rol de incisos do art. 5° da Constituição Federal. É cediço que outros direitos decorrem do regime democrático e dos princípios adotados pela Constituição Federal, conforme previsão expressa no parágrafo primeiro do artigo 5°.

Segundo, porque o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado também é tutelado constitucionalmente pelo art. 225, caput, da Constituição Federal como sendo bem de uso comum do povo, essencial à qualidade de vida. Assim, se o direito ao meio ambiente sadio está relacionado ao direito à vida, previsto no art. 5°, caput, da Constituição Federal, forçoso concluir a ligação e a influência entre ambos.

Da mesma forma, o direito à saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido no art. 196 da Constituição Federal. Por ser direito social indisponível, cabe ao Ministério Público tutelá-lo em juízo quando o Poder Público não cumpre com sua regulamentação, fiscalização e controle. Igualmente, é direito fundamental da pessoa humana, previsto no art. 6°, caput, da Constituição Federal.

Desse contexto, revela-se evidente a incumbência do Ministério Público de tutelar a defesa dos direitos da cidadania, pois são direitos fundamentais da pessoa humana, a exemplo do direito à vida, saúde e meio ambiente ecologicamente equilibrado, bens de natureza indisponível. Nesses últimos 20 anos, a instituição ganhou importante papel mediante a promulgação da atual Constituição Federal, estando essencialmente atrelada às funções de defesa dos direitos da cidadania por parte do Ministério Público. 

 

 

38. A ATUAÇÃO DO MP CONTRA A CORRUPÇÃO E O QUE VOCÊ TEM A VER COM A CORRUPÇÃO?

 

Sabe-se que a eficaz atuação do Estado e a asseguração dos nortes constitucionais à população dependem, em grande parte, da correta aplicação dos recursos públicos, através da execução de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento coletivo e à asseguração da cidadania (em sentido amplo). Esses recursos, no entanto, algumas vezes, são diluídos por agentes públicos na ânsia de se enriquecerem as custas do erário.

No âmbito das relações privadas ou particulares, igualmente a corrupção tem avançado, como deletéria doença a corroer todo nosso sistema social. 

Como forma de combater essa mazela, o Ministério Público tem buscado a punição de eventuais corruptos utilizando-se principalmente da Lei nº 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa), a qual trouxe amplos poderes para que o parquet e outras entidades, punam e recuperem todos os valores ilicitamente acrescidos aos patrimônios dos agentes públicos e dos respectivos beneficiários dos atos, os quais estarão sujeitos às sanções civis, políticas e administrativas inerentes, independentemente das sanções criminais.

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em apóio a um projeto pioneiro no país, igualmente tem voltado especial atenção ao aspecto preventivo da corrupção.

Com a premissa de que a educação se apresenta como um importante veículo no combate da corrupção, por meio da percepção e do estímulo a ética, a moral e a honestidade do cidadão, e o comprometimento da sociedade na cobrança pela transparência da gestão pública, o promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina, Affonso Ghizzo Neto, considerando que uma das soluções seria a atuação preventiva dos agentes sociais, iniciou um programa de mobilização e conscientização social denominado “O que você tem a ver com a corrupção?”. 

O grande trunfo deste programa consiste na confecção de um processo cultural de formação de consciência e de responsabilidade dos cidadãos, mediante o estímulo às novas gerações a adotarem uma conduta ética e moral comprometida com o bem estar coletivo. Outro fator relevante é a adoção de medidas que contribuam para a diminuição da burocracia judicial e melhorem a eficiência dos serviços da Justiça na punição de corruptos e corruptores. 

Como a campanha educativa foi direcionada principalmente para crianças e adolescentes, o material educacional foi preparado em forma de desenho animado – para fitas VHS e Filmes - e revistas em formato de gibis. O enredo nos dois recursos é narrado por meio de desenhos e textos, discurso direto, numa linguagem simples que facilita a compreensão da narrativa. O tema corrupção é colocado em situações cotidianas na primeira parte da narrativa e depois assume a temática que engloba o incentivo à honestidade e a transparência das atitudes em todos os níveis, de escolas a governos. Ou como afirma Ghizzo Neto, “O que se propõe é simples, a reflexão do que a corrupção pode ocasionar em nossas vidas.” Neste enfoque, a campanha estimula as pessoas a assumirem a responsabilidade com suas próprias atitudes tanto para si como para com as outras pessoas. 

Além do objetivo preventivo por meio da educação, a campanha tem como escopo estimular as denúncias populares dos atos de corrupção, não importando o maior ou menor grau de lesividade à população. Com isso, cria-se um canal direto entre a sociedade e o Ministério Público, facilitando a apuração das mencionadas condutas.

O projeto visa atacar dois pontos fundamentais: 

1º- acabar com a impunidade, ou seja, buscar a efetiva punição dos corruptos e dos corruptores, por meio de um canal real para o oferecimento de denúncias; 

2º- educar e estimular as novas gerações, mediante a construção, em longo prazo, de um Brasil mais justo e sério, destacando-se o papel fundamental de nossas próprias condutas diárias a partir do seguinte principio, é preciso dar o exemplo. 

 

Resultados obtidos

A prática foi lançada em agosto de 2004, no Município de Chapecó-SC (numa sala de cinema), com o objetivo de conscientizar toda a sociedade, especialmente crianças e adolescentes, sobre o valor da honestidade e transparência das atitudes do cidadão comum, destacando atos rotineiros que contribuem para a formação do caráter.

A partir de então a campanha espalhou-se sob um ritmo crescente, integrando: feiras do livro; salas de cinema (exibição previa do audiovisual); outdoors; busdoors; mídia televisiva e radiofônica; peças teatrais; divulgação no esporte (times catarinenses e do campeonato brasileiro); implementação, em algumas escolas, de um projeto piloto voltado ao assunto, com a inclusão da matéria de edução e cidadania em sua grade curricular; conscientização de motoristas com o apóio da Polícia Rodoviária Federal; realização de curso de capacitação pela Secretaria de Estado de Educação (SED) e a Associação Catarinense do Ministério Público (ACMP), voltado para a formação de professores; passeatas contra a corrupção (em Joinville reuniu aproximadamente 3,5mil pessoas); proferência de palestras em universidades; distribuição de materiais educativos em todas as escolas da rede pública estadual catarinense; realização de concursos estundantis sobre o tema etc.

A partir de 2007 a campanha ganhou âmbito nacional, com a adesão dos seguintes órgãos/entidades: Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), Governo Estadual de SC, Rede Globo, União dos Vereadores de Santa Catarina, Assembléia Legislativa de Santa Catarina, Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas. Ainda, todos os alunos da rede privada estadual de ensino também receberam material e ensinamentos da campanha. 

Em 2008, a campanha contou com a participação dos atores globais Murilo Rosa, Milton Gonçalves, José Wilker e Armando Babaioff, do esportista Alberto Bial, da pianista Beatriz Salles e da cantora lírica Denise Tavares. Foi realizada enqueste no site da Globo e diversos orgãos e entidades aderiram ao programa, como: Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas da Controladoria-Geral da União (CGU), UNESCO, Senado Federal, Santos FC, Campeonato Brasileiro de Futebol, Mundial de Surf 2008.

Em 2009 houve a adesão do Ministério Público do Trabalho e da Brasil Telecom (com a distribuição de 1,4 milhão de cartões na sua área de atuação: Distrito Federal e os estados Acre, Rondônia, Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul ).

O projeto prevê, doravante: a) a necessidade de continuação de divulgação nacional da campanha visando a atingir o maior número possível de crianças e adolescentes, com: parcerias com as redes de TV de alcance nacional, para exibição dos filmes da campanha; fixação de outdoors em locais com grande circulação de pessoas; divulgação em eventos esportivos com grande concentração de pessoas;  mobilização de um número expressivo de agentes públicos, como promotores e procuradores, para realização de palestras e seminários em colégios, associações, ONGs etc;  passeatas e mobilizações (Dia “C” contra a corrupção com uma passeata e distribuição de adesivos em semáforos); organização de concursos estudantis sobre o tema; disponibilização para a população um número telefônico gratuito (0800), por meio do qual podem ser feitas denúncias etc. 

A equipe de trabalho, responsável pela execução da campanha, é composta pelo promotor de Justiça Affonso Ghizzo Neto e de voluntários que vão se agregando ao movimento. Segundo o autor da prática, faz-se necessário ainda o engajamento de todos os membros do Ministério Público de Santa Catarina com atuação nas Curadorias da Infância e Juventude e Moralidade Administrativa (aproximadamente 150 promotores). 

Hoje o custo total do projeto é estimado em aproximadamente 3 milhões de reais. Os benefícios da campanha, no entanto, serão surpreendentemente maiores, alcançados no médio e longo prazo, e denotados principalmente quando as pessoas compreenderem que as maiores vítimas da corrupção são elas mesmas.

 

 

Fonte:

- Material enviado pelo Dr. Affonso Ghizzo Neto, coordenador do projeto e promotor de justiça em SC. 

 

39. O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO FATOR DE REDUÇÃO DE CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DA PAZ SOCIAL. ÁREA CRIMINAL: JUSTIÇA PENAL E PACIFICAÇÃO

 

O Direito, bem se sabe, deve sua existência ao convívio do homem em sociedade e toda a sorte de conflitos decorrente de tal contexto, de modo que se pode dizer que a matéria-prima do Poder Judiciário são as lides submetidas a julgamento e, assim, seu objetivo precípuo é a pacificação social através da resolução das referidas contendas.

Os conflitos de interesses são percebidos sob uma dupla dimensão. De um lado o conflito jurídico envolvendo direitos violados ou supostamente violados e, de outro, o conflito social envolvendo as relações entre indivíduos, que desestabilizam a sociedade e nem sempre são reestruturadas, Muito embora, juridicamente, tenha-se solucionado o conflito emergente, a insatisfação permanece latente entre os indivíduos; em realidade não se tratam os conflitos de meras questões materiais, mas sobretudo de aspectos subjetivos e emocionais.

Não raro se verifica que mesmo após a entrega da prestação jurisdicional, ambas as partes litigantes se apresentam insatisfeitas; conseqüência de sentenças judiciais em que se tem a solução de um conflito em seu aspecto jurídico apenas, deixando de solucionar o conflito sociológico.

Tal panorama é resultado da predominância em nosso país de um modelo penal dissuasório clássico temperado por nuanças abstratas de um modelo ressocializador. O primeiro fundado na implacabilidade da resposta punitiva estatal, suficiente para a reprovação e prevenção de futuros delitos, contando a pena com finalidade puramente retributiva, ao passo que o segundo atribui à pena a finalidade (utilitária ou relativa) de ressocialização do infrator (prevenção especial positiva).

Assim, somente com o advento da Lei 9.099/95 é que se passou a adotar no Brasil uma espécie de modelo consensual de Justiça penal.

Para que se entenda tal modelo, parece correto (e necessário) distinguir, no âmbito da Justiça criminal, atualmente, o "espaço de consenso" do "espaço de conflito". Aquele resolve o conflito penal ajuste entre as partes envolvidas. Este não admite qualquer forma de acordo, ou seja, exige o clássico devido processo penal (denúncia, processo, provas, ampla defesa, contraditório, sentença, duplo grau de jurisdição etc.).

O modelo consensual pertence ao primeiro espaço (do consenso); os modelos punitivistas (dissuasório e ressocializador) integram o segundo espaço (do conflito).

Não existe, porém, um único modelo consensual de Justiça penal. Em outras palavras, dentro do espaço de consenso (da Justiça consensuada) impõe-se bem definir e distinguir as múltiplas formas de resolução dos conflitos penais: conciliação, mediação e negociação.

O ordenamento normativo brasileiro não conta com a mediação como forma de resolução de conflitos penais, nem tampouco com a negociação, cujo melhor exemplo é o plea bargaining norte-americano.

Já a conciliação é típica dos juizados criminais no nosso país e, assim, é nela em que se sobressai mais nitidamente a atuação do Ministério Público para fins de pacificação social. A conciliação é um gênero do qual tanto a reparação ou composição civil como a transação penal. É apropriada para as infrações penais de menor potencial ofensivo, quais sejam, aquelas punidas com pena máxima não superior a dois anos.

A composição civil nada mais é do que o acordo firmado entre autor do fato e ofendido visando recompor os prejuízos materiais advindos do ilícito penal. No âmbito dos Juizados Especiais Criminais, e em se tratando de ação penal privada ou pública condicionada, equivale à renúncia do direito de queixa ou representação, razão pela qual todo o procedimento deve ser rigorosamente acompanhado e fiscalizado por membro do Parquet, até pare que se evite a mera mercantilização da Justiça criminal, buscando-se sempre a harmonia social como finalidade última.

A transação penal, por sua volta, tem lugar nos casos em que inexitosa a composição civil na ação penal condicionada ou, ainda, nos de ação penal pública incondicionada, traduzindo-se, em suma, por concessões mútuas entre o Ministério Público, titular da actio, que abre mão do jus persequendi, e o indivíduo supostamente infrator, que, a despeito de não reconhecer a culpa do delito, aceita a imposição de pena restritiva de direitos ou multa para não se ver processado.

A participação do Ministério Público é de suma importância neste contexto, uma vez que os termos do acordo de transação penal devem primar, dentro da lógica suso exposta, não apenas pela satisfação do conflito jurídico, mas sobretudo pela resolução do conflito social criado pelo fato supostamente típico, dando-se especial relevância ao enfoque da vítima, mais valendo, no mais das vezes, a aplicação de prestação pecuniária ao ofendido do que mera interdição temporária de direitos.

Nesta perspectiva, faz-se necessário perceber que a justiça acompanha a evolução do homem dentro de suas necessidades, resultantes da evolução tecnológica, social, política, jurídica e econômica sendo necessário uma adaptação eis que do processo evolutivo o aumento da procura por soluções eficazes as quais podem ser obtidas não apenas por meios estatais, mas pela própria participação dos litigantes através de meios alternativos.

O Estado exerceu papel fundamental quando da organização do homem em sociedade, porém, ao mesmo tempo, representou o principal empecilho de seu acesso à Justiça no momento em que concedeu inúmeros direitos e garantias ao cidadão sem, no entanto, possuir estrutura que suporte a realização material de tais prerrogativas, impedindo, via de conseqüência, o pleno exercício da cidadania.

A busca constante pela Justiça e a inoperância do Poder Judiciário em face de sua inadequação às exigências sociais atuais fez surgirem mecanismos alternativos que evoluem na sociedade, oferecendo a rapidez e a eficácia almejada na composição dos conflitos.

Dessa forma é que a atuação ministerial tendente a solucionar as controvérsias que lhe são submetidas a análise não apenas pelo prisma jurídico, mas especialmente pelo enfoque humano do litígio, ao revés de abrir mão da titularidade da ação penal, devolve ao aparato estatal a legitimidade perdida, alcançando assim efetiva pacificação social, escopo maior do Estado Democrático de Direito.

40. 46. O MP COMO FATOR DE REDUÇÃO DE CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DA PAZ SOCIAL: ÁREAS DA POLÍTICA INSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVA – INTERAÇÃO CORPORATIVA E RESPONSABILIDADE FUNCIONAL COMO CONDIÇÃO DE FORTALECIMENTO  INSTITUCIONAL.

 

A forma com que o Ministério Público brasileiro está definido pela nossa Constituição Federal é uma das mais adequadas para a instituição, pois com uma verdadeira autonomia, o Ministério Público pode cumprir todas as suas funções, tanto relacionadas com o direito penal, como com as de salvaguardar os interesses públicos e sociais, e a defesa da Legalidade.

A Carta Magna conferiu ao MP, autonomia funcional, administrativa e financeira, conforme se observa no art. 127, §§ 2º e 3º, que constituem princípios institucionais. 

Já as funções institucionais estão relacionadas no art. 129 da Constituição Federal, e consistem na titularidade da ação penal, da ação civil pública para a tutela dos interesses públicos, coletivos, sociais e difusos e da ação direta da inconstitucionalidade genérica e interventiva, nos termos da Constituição; é o garantidor do respeito aos Poderes Públicos e aos serviços de relevância pública; defensor dos direitos e interesses das populações indígenas; intervém em procedimentos administrativos; é controlador externo da atividade policial, na forma da lei complementar, podendo para tanto, inclusive, instaurar respectivo procedimento administrativo, quando necessário.

A estas funções se soma a unidade de sua organização. O Ministério Público está estruturado de maneira uniforme. Seu estudo demonstra que esta instituição possui suas raízes na história e que evoluiu essencialmente segundo as exigências da própria evolução da justiça e da administração do Estado.

O Ministério Público se afigura como autêntico advogado dos interesses sociais, dos interesses difusos e coletivos. É titular da ação que se fizer necessária para proteger o que é de todos. Quando na ação penal, comunica e apresenta ao Estado Juiz, o fato e requer a pena, dá voz à sociedade ofendida por uma conduta individual, exerce a função que o mesmo Estado lhe deu, tem verdadeira atribuição de advogado, estritamente ligada a de defensor.

Neste norte, defende a criança, o idoso, o meio ambiente, o consumidor, a moralidade administrativa, enfim, tudo o que for de todos.

De fato, o Ministério Público é potencialmente, um Advogado da sociedade, com vantagem para esta, não precisa, antes, não lhe deve pagar honorários. Veja-se, nas pequenas cidades, de modo especial, a autêntica procissão que se faz, rumo ao gabinete do Promotor. É isto que o faz se valer de todas as formas para não frustrar nenhuma expectativa, bem como adverte para as diversas iniciativas, no sentido de fazer suprir a falta do que ainda não existe, por meio da ação civil, se necessário, com faculdades próprias, quando urgir.

Onde quer que se vá, seus integrantes são reconhecidos como expectativa do asseguramento de todos os direitos, como certeza de que sua intervenção assegura o reconhecimento deles, sem reservas. Cumpre-lhes pois, não frustrar tal expectativa ou apagar tal esperança. 

Deve o Ministério Público, a fim de cumprir seu papel na construção de uma sociedade mais justa, empreender firme combate à violação da ordem social e dos direitos humanos, adotando, por exemplo, as seguintes providências, que também constituem meios de atuação:

1 — buscar seja dado real atendimento nos hospitais e postos de saúde; 

2 — fiscalizar a existência de vagas nas escolas;

3 — cuidar das condições em que se encontram os presos;

4 — receber petições, notícias de irregularidades, reclamações ou representações de qualquer pessoa ou natureza, por desrespeito aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual; 

5 — instaurar e presidir sindicâncias e Inquéritos Civis Públicos para apuração dos fatos e postulações que lhes sejam apresentados, promovendo inspeções e auditorias em órgãos públicos, quando houver indício de prática de conduta delituosa, notadamente atos de improbidade, ou quando for conveniente à apuração dos fatos; neste mister, pode, ainda, requisitar meios materiais e servidores públicos, por prazo razoável, para o exercício de atividades técnicas ou especializadas; 

6 — promover diligências e requisitar informações e documentos de quaisquer dos Poderes, órgãos ou entidades, no âmbito estadual e municipal, bem como de concessionários ou permissionários de serviço público estadual ou municipal, e ainda entidades que exerçam função delegada do Estado ou Município, ou executem serviços de relevância pública, podendo os membros do Parquet dirigir-se diretamente a qualquer autoridade;

7 — expedir notificações e requisitar o auxílio dos órgãos de Segurança Pública, para garantia do cumprimento de suas atribuições;

8 — promover seminários e campanhas de conscientização dos servidores públicos e da comunidade no sentido de que todos se engajem na fiscalização dos órgãos públicos e serviços de relevância pública, pugnando pelo respeito aos princípios de legalidade e moralidade administrativa;

9 — realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil ou seus representantes legais; 

10 — propor a adoção de medidas de caráter administrativo, visando ao aprimoramento e saneamento do serviço público;

11 — manter contatos com entidades e organismos que tenham por finalidade o combate a atos de corrupção e de improbidade administrativa, objetivando o estabelecimento de linhas de atuação conjunta e de mecanismos de apoio recíproco;

12 — sugerir ao poder competente a edição de normas e a alteração da legislação em vigor, bem como a adoção de medidas propostas, destinadas à prevenção e controle da criminalidade, como, ainda, para adequá-las a eventuais direitos assegurados constitucionalmente.

 

Para cumprir seu papel na redução de conflitos e em busca da paz social, a Constituição Federal lhe assegurou autonomia ou independência funcional, o que se traduz na ausência de subordinação intelectual de cada agente; assim, por exemplo, havendo substituição de um Promotor de Justiça, o novo titular poderá agir e opinar diferentemente do antecessor, no mesmo grau ou em recurso. A opinião pessoal de cada um tem que ser respeitada, sem ser nenhum obrigado a contrariar sua convicção quando atue. Cada membro só está vinculado ao imperativo da lei e de sua consciência, esteios que dão sustentação à independência funcional, não podendo receber ordens ou recomendações de caráter normativo, quando de suas manifestações, para agir deste ou daquele modo.

O Ministério Público foi encarregado constitucionalmente de zelar pelo efetivo funcionamento dos serviços públicos, o que faz dele um espaço público para a solução de demandas e de acesso à justiça pelos movimentos sociais. Isso tem se dado através da prestação de assistência jurídica e informações a respeito de direitos, propositura de ações referentes a interesses difusos da sociedade, e busca da solução de conflitos por meio de procedimentos extrajudiciais, como recomendações e termos de ajustamento de conduta. Quanto mais independente ele for, melhor exercerá sua função e mais benefícios terá a sociedade. 

Importante ressaltar a interação corporativa existente entre os vários órgãos do Ministério Público de Santa Catarina, sejam os órgãos de Administração Superior, de Execução ou de Apoio, que por meio de seus programas institucionais buscam solucionar os problemas que afligem a sociedade, atingindo-os de forma global. Assim, agindo de forma conjunta, há um fortalecimento não apenas da instituição, como também são obtidos melhores resultados para a sociedade, resguardando sempre a independência funcional de seus membros.

Por fim, a legitimidade ministerial e a manutenção ou ampliação dos seus poderes dependem do êxito no cumprimento de suas atribuições constitucionais; cabe à própria instituição zelar pela sua reforma interna, pela adequação de suas tarefas às demandas sociais, delineando seu perfil a fim de atender ao real interesse público. O povo cobra, cada vez mais, resultados efetivos do Ministério Público, a quem foram atribuídos tantos poderes e garantias, portanto cabe a este assumir de fato o papel de defensor da sociedade.

41. 41. A APROXIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COM A SOCIEDADE – DÉBORA

 

De acordo com o preconizado pelo art. 5°, inciso LIV, da Constituição Federal, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;” consectário disso, resulta na garantia “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, conforme expressa previsão inserta no inciso LV do citado artigo constitucional.

As garantias constitucionais ora expostas e aliadas aos institutos processuais devem ser compreendidas em noção bem mais ampla que a singela aplicação da lei em busca da resolução do conflito.

As controvérsias postas ao Promotor de Justiça têm desdobramentos que atingem não só os litigantes em juízo, mas toda a sociedade que espera uma solução justa e eficaz. Exemplo clássico são as demandas judiciais que gravitam em torno de questões ambientais, cuja natureza é de direito difuso por excelência.

Esta nova realidade exige alternativa para a solução de determinados conflitos, devendo o promotor de justiça estar à frente, sempre buscando soluções mais democráticas, eficazes e comprometidas com a sociedade.

Surge aí a necessidade de a sociedade fazer parte dessa realidade. Nem poderia cogitar-se de outra forma: afinal, não será ela a atingida pela tomada de decisões do promotor de justiça?

A importância da participação da sociedade nos procedimentos judiciais ou extrajudiciais – como é o caso do termo de ajustamento de condutas – é fundamental para que se tenha consciência de que são empreendidos esforços por parte da instituição em busca da verdade real, além de possuir um inegável caráter pedagógico.

Mas de que forma o Promotor de justiça pode se aproximar da sociedade?

No plano da litigância judicial, a convocação de audiências públicas é medida que se impõem quando a matéria seja relevante em razão da natureza do direito ou da quantidade de direitos fundamentais em conflito. A forma de assegurar a participação da sociedade no processo judicial, portanto, ocorre pela realização de audiências judiciais participativas, nas quais deve ser oportunizada a participação direta dos cidadãos, de especialistas na matéria e de autoridades públicas, tudo com o objetivo de construir uma solução conjunta.

O Código de processo civil, no art. 331, caput, oportuniza a realização de audiência preliminar em busca da transação. Contudo, em litígios que envolvam direitos difusos e coletivos, é defesa a transação como forma de extinção do processo. Mas isso não obsta que seja feita a referida audiência judicial participativa para fins de fixar pontos controvertidos e possibilitar a exposição de idéias dos demais segmentos da sociedade.

A idéia da audiência judicial participativa já foi, inclusive, aplicada no caso concreto pelo Juiz Federal Zenildo Bodnar nos Autos da Ação Civil Pública n. 2004.72.00.013.781-9, em Florianópolis, ajuizada pela Associação dos Monitores Ambientais do Parque Nacional de São Joaquim e pela Associação dos Moradores da Comunidade São José, dentre outros, contra o IBAMA e a União.

Já no plano extrajudicial, especialmente, no Termo de Ajustamento de Condutas e no inquérito civil, a solução não é diversa.

Embora sejam medidas extrajudiciais, a participação da sociedade é de igual importância, uma vez que servirá para demonstrar para a sociedade a forma pela qual o Promotor de Justiça trabalha e soluciona os conflitos sem socorrer-se ao judiciário de forma eficaz, mas sem abrir mão do direito tutelado em juízo.

Ou seja, essa medida ainda é mais importante do que a audiência judicial participativa.

Primeiro, porque na maioria das vezes, a população não conhece a rotina de trabalho do Promotor de Justiça, tampouco tem conhecido das possibilidades que o Promotor de justiça têm para fazer valer os comandos legais. Ao contrário, veiculam-se na imprensa as ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, mas pouco se fala de termos de ajustamento de condutas bem sucedidos.

Segundo, porque com a participação da sociedade nesta esfera, fica mais fácil perceber que as demandas judiciais devem ser a última solução em busca da pacificação social. 

Por derradeiro, ainda que não exista conflito de direitos, caberá ao Promotor de Justiça sair de seu gabinete e buscar no meio social as formas de expor os problemas sociais e as medidas que cada um pode fazer a seu alcance.

Em especial, nas escolas, com a participação dos professores, o Promotor de justiça poderá fazer palestras de educação ambiental, salientando a importância que as gerações futuras têm com o meio ambiente e os reflexos danosos da poluição no cotidiano de cada um.

Atualmente, a internet desempenha importante papel de comunicação com todos os segmentos sociais. Além de estar à disposição da maioria das pessoas, os jovens são os principais adeptos a esta forma de comunicação e informação.

 

Atento a isto, o Ministério Público de Santa Catarina já veiculou na rede mundial de computadores blogs que informam sobre as ações empreendidas em favor da população, recebem denúncias, informações e sugestões, e buscam dar mais conhecimento sobre as atribuições da instituição. Registro que o primeiro blog a ser veiculado foi do Promotor de Justiça Márcio Conti Júnior, de Joaçaba, em outubro de 2007. Naquele mesmo ano o Promotor de Justiça Rosan da Rocha criou o site da Promotoria de Justiça de Balneário Camboriú. 

 Recentemente, em iniciativa pioneira, o Ministério Público de Santa Catarina abriu seu canal próprio no YouTube, o maior portal gratuito de vídeos na internet e que dispensa investimento em provedores, voltado à divulgação de conteúdo institucional e educativo, com o objetivo de atrair especialmente o público jovem para a discussão sobre os direitos sociais e coletivos e para a cidadania.

 O projeto “VideO Seu Direito" conta com cinco vídeos interativos que mostram casos de atuação de Promotores de Justiça na defesa do direito à Saúde, do Idoso, à Educação e do Meio Ambiente.

Igualmente, o Ministério Público catarinense mostrou-se à frente quando implementou um programa de ações educacionais para abordar a questão dos ilícitos socialmente aceitos, titulando a campanha "O que você tem a ver com a corrupção?". Isso demonstra que a responsabilidade para combater a corrupção não vem apenas das ações do Promotor de Justiça, mas da conduta de cada um, que acabam aceitando de forma velada as ações de pirataria e sonegação fiscal.

Tais ações objetivam aproximar a Instituição com a sociedade e são de salutar importância, pois é mediante a educação dos jovens e a informação das medidas tomadas pelo Promotor de Justiça que a sociedade terá conhecimento da atuação do Ministério Público e a forma pela qual pode buscar resposta para a colisão de direitos.

 

42. 48.  O MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA DO SUS 

Com base na Constituição de 1988, podemos designar três importantes atuações do Ministério Público na defesa dos direitos dos cidadãos: zelar pelo regime democrático (127, CF), fiscalizar o cumprimento da lei e defender os direitos coletivos (129, III, CF). De acordo com o artigo 129, II, do mesmo texto constitucional, cabe ainda ao Ministério Público promover as medidas necessárias à garantia dos serviços de relevância pública. Sendo assim, as ações e os serviços viabilizados pelo SUS – cujos princípios basilares traduzem uma política de inclusão - necessitam ser fiscalizados. 

 

Quanto à prioridade atinente à saúde, a atuação do Ministério Público em relação ao SUS se dá sob os seguintes focos:

 

- qualificando a atuação em defesa do fornecimento de medicamentos, a fim de beneficiar a população da forma mais abrangente possível e não aos laboratórios (no sentido de comprovar a eficácia do medicamento pedido ou, se ele é o único com tais condições no mercado).

 

- garantindo a destinação mínima de recursos prevista constitucionalmente pela Emenda n. 29, de 2000, que garante recursos para o atendimento de demandas, sem descuidar da universalidade e integralidade no atendimento;

 

- zelando pela garantia constitucional de gratuidade dos serviços públicos e demais credenciados ao SUS. No âmbito da Lei Federal n. 8.080/90, inteirando a sociedade através de programas de incentivos à participação da população nos Conselhos de Saúde. O Ministério Público Catarinense tem como um de seus projetos o “Programa de Combate à abusividade de Cobrança no Sistema Único de Saúde”, cujas orientações (a Promotores e à Secretaria de Saúde) encontram-se no sítio da instituição;  

 

- fiscalizando a formação e o funcionamento dos Conselhos de Saúde, bem como o repasse de recursos ao Fundo de Saúde existente; e

 

- analisando as responsabilidades, quando da possibilidade de erro ou negligência profissional, na área da saúde.

Ao Ministério Público cabe também fiscalizar clínicas médicas e hospitais públicos; cabe fiscalizar a prática de irregularidades, conjuntamente com a Vigilância Sanitária, no que se inclui a inobservância das normas sanitárias legais, entre outras. 

 

Para além do acompanhamento das políticas de saúde e da fiscalização do sistema, o Ministério Público atua na mediação de conflitos por meio de termos de ajustamento de conduta, dispondo ainda de mecanismos judiciais, como as ações civis públicas, as ações de improbidade administrativa e outras medidas que entender pertinentes para a busca da efetivação dos direitos sociais. 

 

O SUS e o papel fiscalizador do MP:

 

O princípio da universalidade está previsto na Constituição Federal:

 

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196, CRFB/88).

 

No entanto, essa acessibilidade não está garantida, mas sim condicionada à disponibilidade orçamentária. A fim de fazer cumprir o princípio da universalidade, a Emenda Constitucional 29, de 2000, definiu percentuais mínimos de aplicação na área da Saúde. Dessa forma, evita-se o problema dos cortes orçamentários e dos conseqüentes bloqueios à realização de ações e serviços em saúde à população em geral - há que se lembrar que o SUS não pretende ser opção somente às mais baixas camadas sociais, mas deve estar ao alcance de todos, a quem possa interessar.  

 

A emenda determina que o mínimo a ser disponibilizado pela União à saúde se dá pela variação do Produto Interno Bruto (PIB). Os estados devem destinar 12% de suas receitas à saúde, e os municípios, 15%. Não cumpridas as determinações legais, a União está autorizada a intervir nos estados, assim como estes poderão intervir nos municípios de sua abrangência. A fiscalização da EC 29 é atribuída aos Conselhos de Saúde, às Assembléias Legislativas e às Câmaras Municipais, por meio dos Tribunais de Contas.     

Uma grande dificuldade enfrentada no âmbito do SUS são as tentativas de burlar a Emenda em questão. Sendo assim, cabe também ao Ministério Público fiscalizar e exigir seu cumprimento, o que se traduz na garantia de entrada da cota orçamentária mínima e da destinação adequada e sem desvios do dinheiro reservado à saúde. Nesse sentido, o Ministério Público assume a função de verificar a limpidez no encaminhamento dos recursos orçamentários.       

 

Aliado nessa função é o SIOPS, ou seja, Sistema de Informações sobre Orçamentos públicos em Saúde. Através dele, que disponibiliza dados na internet a partir de 1998, pode-se verificar a situação de receitas e despesas relacionadas aos serviços públicos de saúde. Como planilha ou sob forma de indicadores, torna-se possível a comparação de dados, o que confere visibilidade às aplicações dos recursos públicos dessa área. Conseqüentemente, contribui com os Conselhos de Saúde. 

 

Atribuições da União, dos Estados e dos Municípios na Garantia do Direito à Saúde:

 

As competências na área da saúde não são nítidas, especialmente com a adoção da política de descentralização. A Constituição Federal e a Lei n. 8080/90 definem campos de competência comum e exclusiva.  

 

Sabe-se que a Saúde é responsabilidade do Estado como Nação (vide “Direito Sanitário e Saúde Pública” – Vol. II, 2003). Segundo o art. 196 da CF, é dever do Estado: “garantir a saúde como um direito de todos, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença ou de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (Esse artigo dá margem a ampla interpretação). A Saúde é também da alçada de todas as esferas de governo, tendo ainda algumas funções reservadas ao próprio SUS.

 

No caso de o SUS não estar apto a executar algum serviço, caberá ao Estado ou à União suprir tal carência; cuida-se de ações integrativas (ver Lei n. 8080/90). Os procedimentos pertinentes serão traçados pela Comissão Intergestores Bipartite e, Tripartite. Cabe mencionar o artigo 197 da Constituição Federal: “São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”. Quer dizer, as mencionadas ações não são exclusivas do Poder Público, que conta com auxiliares na atividade de controle.

 

Diante dos fatos, o Ministério Público poderá dirigir-se a um ou mais entes, em defesa da coletividade receptora da prestação de serviços, ou de indivíduo em situação específica. 

 

 

(O texto acima foi extraído do Manual do Ministério Público em Defesa da Saúde, do MP/SC, disponível no site www.mp.sc.gov.br).

43. 49.  O MP E A PROTEÇÃO DO IDOSO 

O Estatuto do Idoso, no art. 74, I, conferiu atribuição ao Ministério Público para instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso. Esse dispositivo poderia até mesmo ser considerado desnecessário, já que reproduz, em nossa opinião, o que já estabelece a Constituição. Ou seja, mesmo que não houvesse esse dispositivo, ou mesmo que inexistisse o Estatuto do Idoso, o Ministério Público estaria legitimado para a tutela dos direitos metaindividuais e individuais indisponíveis dos idosos. 

 

Entretanto, em face da existência das interpretações restritivas, a norma do Estatuto do Idoso assume particular importância, já que explicita, de maneira bastante didática, que o Ministério Público é legitimado para a defesa de direitos individuais homogêneos dos idosos, sendo que a redação do dispositivo foi feliz ao não vincular o conceito de direitos individuais homogêneos com a nota da indisponibilidade. 

 

Vejamos agora algumas hipóteses em que se revela possível e necessária a atuação do Ministério Público na tutela coletiva dos direitos dos idosos.

 

A omissão administrativa é campo fértil para as ações coletivas e o Ministério Público poderá ajuizar diversas ações que visem a obrigar a atuação do poder público em favor dos direitos dos idosos. Assim, poderá ser ajuizada ação coletiva para que sejam construídas entidades públicas de abrigo para idosos; ação coletiva visando a um adequado tratamento de doenças crônicas que atinjam idosos (art. 79, I e II, do Estatuto do Idoso); ação coletiva para fornecimento de medicamentos , etc. 

 

O acesso ao lazer e à cultura também é tema que merece a atuação do Ministério Público, valendo lembrar que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a legitimidade da instituição para o ajuizamento de ação coletiva visando a garantir o ingresso de aposentados gratuitamente em estádios de futebol, sob o fundamento de que o lazer dos idosos possui relevância social. 

 

Outra área de atuação importante do Ministério Público para a tutela coletiva dos direitos dos idosos é a fiscalização de entidades de atendimento, asilos e abrigos para idosos. Constatando irregularidades, e não havendo meios de saná-las, deve o Ministério Público ajuizar ação coletiva para suspensão das atividades ou a dissolução da entidade (art. 55, § 3o, do Estatuto do Idoso), podendo inclusive pleitear reparação por danos morais para os idosos residentes. A prática vem demonstrando que diversos asilos não possuem condições mínimas para o acolhimento de idosos e a atuação do Ministério Público está sendo fundamental para o resguardo dos direitos dos abrigados. Note-se que as entidades de atendimento prestam serviços (art. 35 do Estatuto do Idoso) e, portanto, enquadram-se também nas regras do Código do Consumidor, o que, entre outras conseqüências, pode ser interessante no caso de ser pleiteada alguma indenização e haver necessidade de desconsideração da personalidade jurídica. 

 

De todo modo, não obstante a prática comprovar que a atuação do Ministério Público na fiscalização das entidades de atendimento é fundamental, a medida do fechamento ou dissolução da entidade deve ser considerada excepcional, inclusive porque os idosos abrigados podem não ter outro local apto que os acolha imediatamente. A ponderação e a adequação à realidade de cada comarca se fazem mais presentes do que nunca em questões asilares. 

 

A tutela coletiva dos direitos dos idosos pelo Ministério Público também se mostra bastante efetiva nas relações de consumo, especialmente no que se refere aos contratos de prestação de serviços em entidades de atendimento e de planos de saúde, inclusive com pedido de reparação de dano moral coletivo, dependendo da hipótese. Para a discussão das cláusulas contratuais de planos de saúde a legitimidade do Ministério Público é tranqüila, em razão do que já dispõe o Código do Consumidor, vindo o Estatuto do Idoso apenas incrementar essa atribuição. 

 

Para a garantia de transporte gratuito dos idosos, na forma do disposto no art. 230 da Constituição e dos arts. 39/40 do Estatuto do Idoso, a ação coletiva ajuizada pelo Ministério Público tem se mostrado importante instrumento, embora o Superior Tribunal de Justiça venha sistematicamente negando esse direito, no que se refere ao transporte interestadual. 

 

Dentre outras atribuições, destaca-se a possibilidade de determinação de medidas de proteção (encaminhamento à família ou ao curador, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporário; expedição de requisições para tratamento de saúde; etc.), instrumento este que facilita o acesso à justiça à medida que os direitos podem ser garantidos de forma pronta e ágil sem a necessidade e os entraves burocráticos do processo judicial.

 

O Promotor de Justiça poderá celebrar as transações relativas a alimentos, ocasião em que elaborará um termo de compromisso que será assinado por ele e pelas partes, que passará a ter efeito de título executivo extrajudicial.

 

O Ministério Público possui legitimidade conferida pela Constituição Federal para propor ação civil pública (Lei nº 7347/85) em defesa dos idosos

 

Vê-se, portanto, que a atuação do Ministério Público na defesa coletiva dos direitos é um importante componente na árdua tarefa de possibilitar o exercício do direito fundamental do aceso à justiça, sendo indevida qualquer limitação arbitrária no seu agir, sob pena de se estar limitando o próprio acesso à tutela adequada dos direitos.

 

A especialização é a melhor solução para que o Ministério Público atinja resultados mais satisfatórios na tutela dos direitos. As vantagens da criação de promotorias especializadas são evidentes, na medida em que a dedicação exclusiva a uma determinada matéria faz com que o serviço prestado naturalmente se aperfeiçoe rotineiramente. Além da familiaridade com os problemas relacionados com a matéria, que faz com que as medidas necessárias em boa medida já venham sendo elaboradas e testadas, a especialização aproxima e torna mais fácil o diálogo com órgãos governamentais e setores da sociedade que também são responsáveis pela mesma atividade específica ou se ocupam do mesmo tema. Bastante recomendável também a realização de planos de atuação para a efetiva tutela dos direitos dos idosos.

 

Outro ponto importante é a necessidade de as Promotorias contarem com o auxílio técnico de profissionais de outras áreas, como médicos, engenheiros, contadores etc. Invariavelmente os fatos desafiam conhecimentos interdisciplinares e apenas com apoio técnico também especializado é que o Ministério Público desempenhará satisfatoriamente suas funções.

 

Especialização e formação de grupo de apoio técnico a seus membros são componentes imprescindíveis para a otimização da tutela coletiva pelo Ministério Público.

Contudo, pode-se ainda destacar que a maioria dos idosos ainda não descobriu que são atores principais para a efetivação de seus direitos e para que isso aconteça é fundamental a conscientização da sua importância tanto por parte dos operadores jurídicos como também dos próprios idosos, os quais precisam conhecer seus direitos para exercê-los e reivindica-los.

 

 

Os trechos colacionados no texto acima foram extraídos das obras abaixo relacionadas:

O Ministério Público e a tutela jurisdicional coletiva dos direitos dos idosos. Robson Renault Godinho. Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Elaborado em 09/2005. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7974

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO IDOSO. ROBERTA TEREZINHA UVO. ATUAÇÃO – REVISTA JURÍDICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO CATARINENSE. V.4, N. 8, JAN/ABR. 2006 – FLORIANÓPOLIS – PP. 123 A 132.  

44. 50 - A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL NA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE 

Após o advento da Constituição Brasileira de 1988, a preservação ambiental passa a ser matéria constitucional. Na defesa do meio ambiente, a Lei Fundamental atribuiu ao Ministério Público, enquanto guardião dos interesses difusos e coletivos, a função institucional de promover a ação civil pública para a tutela do meio ambiente, consolidando-se como instrumento de suma importância para a preservação e manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, elemento indispensável para uma sadia qualidade de vida das comunidades humanas. 

O meio ambiente insere-se entre os direitos fundamentais de terceira dimensão. Com a implementação destes direitos, iniciou-se um processo de reformulação na prioridade de sua positivação, o que ocasionou o maior enfoque aos direitos coletivos, baseados na solidariedade. No campo processual, os conceitos clássicos, em especial o da legitimidade ativa, necessitaram acompanhar a evolução para que fosse possível garantir a efetividade no acesso à justiça, tornando-se indispensável a superação da visão individualista que impedia a discussão sobre direitos metaindividuais.

Em decorrência da parte final do art. 225 da Constituição Federal (..impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações) diversos são os instrumentos processuais aptos a tutelar o meio ambiente.

A Constituição Federal, no artigo 127, ao incumbir ao Ministério Público da defesa dos interesses sociais transformou-o em um órgão de desenvolvimento do próprio direito da humanidade, uma vez que lhe foi atribuído como função institucional a proteção dos interesses difusos e coletivos. Essa função institucional, prevista no art. 129, III da CF, representa uma feição moderna dos assuntos que a Constituição Federal elege como prioritários. Para depreendermos a devida proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado pelo Ministério Público, deve-se analisar o artigo supracitado, que assim dispõe: “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (grifo nosso).

A interpretação dessa função institucional deve levar em conta que o dano ambiental engloba os aspectos relacionados ao meio ambiente natural, artificial e cultural, bem como do trabalho, ou seja, um dano ambiental pode provocar reflexos tanto nos interesses metaindividuais quanto nos individuais, isoladamente ou concomitantemente. 

O Ministério Público é uma instituição pública essencial à justiça e possui, dentre suas funções, a de promover Inquéritos Administrativos e ações judiciais para a proteção do meio ambiente e de responsabilizar penalmente os autores dos danos ambientais, nos termo do artigo 129, da Constituição Federal de 1988.

De acordo com o artigo 225 da Constituição Federal, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Logo, o Ministério Público tem o dever legal de investigar os casos de poluição e de propor ações judiciais para assegurar esse direito constitucional de toda população ao meio ambiente.

O Promotor de Justiça na atuação na defesa extrajudicial do meio ambiente poderá valer-se de instrumentos de natureza investigatória e preparatoria nos casos que envolverem lesão aos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Dentre estes instrumentos estão: o Inquérito Civil, o Procedimento Preparatório, o Compromisso de Ajustamento de Conduta, as Peças de Informações e as Recomendações. No Ministerio Público de Santa Catarina esta atuação extrajudicial do Promotor de Justiça é regulamentada pelo Ato n. 81/2008/PGJ.  

Enquanto o Inquérito Civil somente pode ser instaurado pelo Ministério Público, a ação civil pública pode ser proposta pelos legitimados dispostos no artigo 5º da Lei 7.347/85, dentre os quais também se encontra legitimado o Ministério Público Estadual. 

Toda vez que assim agir, instaurando inquéritos e propondo ações ambientais contra os poluidores, estará o Ministério Público contribuindo para o desenvolvimento sustentável, enquanto um novo modelo de desenvolvimento econômico que venha a conciliar o crescimento com respeito ao meio ambiente, assegurando a melhoria da qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.  

Os trechos colacionados no texto acima foram extraídos das obras abaixo relacionadas:

O Ministério Público na Defesa Extrajudicial do Meio Ambiente. Roberta Terezinha Uvo e Zenildo Bodnar. Texto retirado do site do MP/SC (www.mp.sc.gov.br)

A incumbência Constitucional do Ministério Público na tutela do Meio Ambiente. Eduardo Cunha Alves de Sena e Paulo Eduardo de Figueiredo Chacon. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Norte. Natal, a.5, n.7, p. 73-89. jul/dez. 2005.

A Atuação do Ministério Público Estadual na proteção do meio ambiente de Magé e Guapimirim. Pedro Elias Erthal Sanglard. Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação em ciência ambiental da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Ciência Ambiental. 

45.   41. A EVOLUÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL – DÉBORA

 

No âmbito infraconstitucional, antes mesma do advento da Lei da Ação Civil Pública, bem como anteriormente à Constituição de 1988, o legislador especial estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei n. 6938/81. Em matéria de responsabilidade ambiental, aludida Lei, no artigo 14, parágrafo primeiro, dispõe que:

“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados”

Isso significa que nas ações coletivas, quando o objeto se referir a dano ambiental, incide a responsabilidade objetiva, seja o agente pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, bastando ao autor da ação comprovar o dano, o nexo de causalidade e a atribuição ao réu da atividade danosa.

E como forma de operacionalizar a busca das penalidades, a Lei em comento autorizou o Ministério Público a ingressar com a ação de responsabilidade civil por danos decorrentes de condutas lesivas ao meio ambiente, na seguinte forma:

“Art. 14 § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”

Posteriormente, com o advento da Lei da Ação Civil pública (Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985), reforçou-se a legitimidade do Ministério Público para propor a mencionada ação, além de ter ampliado sua legitimidade para outros segmentos em busca da defesa de direitos difusos e coletivos.

Prescreve o art. 1° da Lei em análise:

“Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I - Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: 

I - ao meio-ambiente;”

Em seguida, o artigo 5° determina a legitimidade do Ministério Público para a propositura da Ação Civil Pública:

“Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: 

I - o Ministério Público;”

Por sua vez, com a promulgação da Constituição Federal, o tema da responsabilidade civil ambiental passou por grande transformação advinda com a importância que o constituinte originário disciplinou.

A tutela ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está prevista no artigo 225, capítulo próprio e inserida no título Da ordem social.

 Em suma o artigo em comento ao determinar que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” pregoou o direito universal de todos, sem restrição, à sadia qualidade de vida. Igualmente, o dispositivo estabeleceu uma ética entre as gerações e uma solidariedade intergeracional quando atribuiu ao Poder Público e à coletividade a obrigação de defender o meio ambiente para as presentes e futuras gerações”

O texto constitucional também trouxe traz previsão expressa de responsabilidade objetiva do causador de danos nucleares, adotando nitidamente a teoria da responsabilidade integral nos seguintes termos:

“Art. 21, inciso XXIII, aliena d (...) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”

De outra parte, o art. 37, parágrafo sexto, da Constituição Federal estende a responsabilidade objetiva a todos os danos causados pelo agente das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadores de serviços públicos, o que se aplica, naturalmente, à matéria ambiental, vinculando todos os agentes do poder público que causem danos ao meio ambiente.

Conseqüentemente, a Constituição Federal outorgou ao Ministério Público a função promocional de preservar a ordem pública e os direitos indisponíveis, sempre de forma coerente com o papel de promover o projeto constitucional de bem estar social e garantir a todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A partir de então, a legitimidade do Ministério Público para ingressar com a Ação Civil Pública e outras medidas judiciais ou extrajudiciais passou a ser garantia constitucional, conforme estampado no artigo 129, incisos I e III.

No plano infraconstitucional, houve avanços sobre a responsabilidade civil ambiental.

O código civil, no art. 1128, parágrafo primeiro, definiu que a função social da propriedade estará atingida quando o proprietário atender, além das finalidades econômicas e sociais, as normas legais que defendem a flora, a fauna, as belezas naturais e o equilíbrio ecológico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Desse panorama, conclui-se, portanto, frente aos textos legais trazidos à explanação, que a garantia da preservação do meio ambiente foi atribuída ao Ministério Público, alçado pela Constituição Federal a principal agente de promoção dos valores e direitos sociais indisponíveis, de modo que não cabe mais ao Promotor de justiça apenas coibir ilícitos penais, mas situar-se no realizador de medidas necessárias às garantias dos serviços de relevância pública e do bem estar social, interesse primário do Estado.

46.                   DEONTOLOGIA

A Deontologia Jurídica é definida como a ciência que trata dos deveres de operadores do Direito em geral, entre os quais estão incluídos os membros do Ministério Público (MP).

O Ministério Público adquiriu uma posição de destaque com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF), na medida em que se destacou do Poder Executivo e passou a figurar como uma instituição independente e autônoma, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem pública, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos moldes do caput do art. 127 do Diploma mencionado.

O assunto, como um todo, consta do art. 127 ao art. 130-A da CF. Vale ressaltar, ainda, que as normas gerais acerca da organização do MP dos Estados estão disciplinadas na Lei Federal n. 8.625/93 (Lei Orgânica do MP), e, da União, regulamentadas pela Lei Complementar Federal n. 75/93.

O MP de Santa Catarina (MPSC), especificamente, está calcado na Lei Complementar Estadual n. 197/2000, que trata minuciosamente da sua organização, das suas atribuições, entre outros detalhes fundamentais para a sua continuidade harmoniosa.

Entre as muitas funções institucionais do MP expostas no art. 82 da LCE n. 197/2000, podem ser citadas as incumbências de (a) promover, privativamente, a ação penal pública; (b) promover o inquérito civil e a ação civil pública, nos casos especificados; (c) exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e que abriguem idosos, crianças, adolescentes, incapazes ou portadores de deficiência; e (d) se manifestar nos processos em que sua participação seja obrigatória por lei.

Com tamanha responsabilidade conferida aos indivíduos que optaram por seguir uma carreira dentro do MP, surge, inevitavelmente, o debate relacionado à ética do Promotor de Justiça.

Isso porque ocorrem, muitas vezes, conflitos entre as obrigações inerentes aos Promotores de Justiça e os sentimentos íntimos e pessoais que podem aflorar no ser humano ocupante deste cargo.

As situações ocorridas na esfera criminal, principalmente, exemplificam melhor a dicotomia explanada, porque são exaltadas pela mídia diariamente e estão em voga para a opinião pública.

A criminalidade é um problema crescente e a sociedade absorve a idéia de que, para a solução dos problemas, os infratores merecem receber castigos cada vez mais rigorosos, sem a devida observância dos direitos e garantias constitucionais dos réus.

Um reflexo mais aprofundado do tema, entretanto, conduz ao entendimento de que a questão é muito mais complexa. Os sujeitos que infringem a legislação penal, em regra, foram condenados muito antes por uma infância pobre e sem condições ideais de alimentação, higiene, trabalho, desenvolvimento, etc.

Esses indivíduos são produtos da sociedade capitalista que avança sem dar chances, aos menos favorecidos, de uma vida longe da criminalidade.

Um sistema prisional como o brasileiro, considerado inadequado por muitos especialistas no assunto, não pode ser tido como a única forma de extinguir os crimes da sociedade.

Tanto é verdade que, como é de conhecimento público e notório, a população carcerária aumenta ano após ano, mesmo com as sanções de leis mais rigorosas, como a dos crimes hediondos – datada de 1990 – e a instituidora da prisão temporária – do ano de 1989.

Não se pode, portanto, almejar que a legislação penal e a processual penal resolvam rupturas sociais que estão fora de sua alçada.

Juristas de renome, como o Ministro aposentado do STF, Dr. Evandro Lins e Silva, são implacáveis em afirmar que a severidade do sistema penal não é suficiente para inibir uma conduta ilegal de um criminoso (Ciência jurídica – fatos – n. 20, de 1996).

Tais questões são corriqueiras no exercício da atividade do promotor de justiça, que deve obrigatoriamente ser detentor de uma consciência ética, pois precisará equilibrar valores como o do direito à liberdade, de um lado, e o da descoberta da verdade real quanto ao fato criminoso, de outro.

Caso contrário, será inevitável que diversas garantias individuais sejam esquecidas, pois as condições atuais de individualidade e competitividade são propícias ao endurecimento penal dos acusados de toda ordem.

Aquele profissional não pode simplesmente atuar como um perseguidor implacável do réu e que tenta a condenação para satisfazer os anseios da população, sem se importar com todas as circunstâncias envolvidas no caso ocorrido.

Deve, sim, conferir ao acusado as condições plenas de provar a sua inocência, pleiteando em Juízo uma sanção penal apenas com a convicção e a certeza processual do fato e da autoria, uma vez que dispõe de um inigualável leque de meios probatórios à sua disposição.

A acusação pública, ainda que deduzida em favor de toda a comunidade, não pode estar viciada por sentimentos de ódio, raiva, paixão ou vingança, pois a digna função da promotoria há de ser amparada, sempre, na lógica jurídica e na boa argumentação.

O MP deve estar revestido da completa imparcialidade e cumprir uma dupla função, a de acusador público e a de fiscal da lei, garantindo um desenvolver justo e legal de todo o processo.

Por essa razão que, atualmente, é pacífica a possibilidade de o Promotor de Justiça requerer medidas que sejam favoráveis aos acusados, como pedido de absolvição ou interposição de recursos em seu favor, o que deve ser visto como uma atitude nobre e eticamente incensurável, quando praticada corretamente.

A ética, portanto, determina que o Promotor cumpra a difícil tarefa de se distanciar de todas as paixões que circundam as lides, esquecendo-se da notoriedade, do espaço na mídia e da proporção teatral que alguns casos podem atingir.

Em suma, o réu que pratica uma conduta delituosa merece, evidentemente, ser punido, mas sempre com o respeito e a observância dos direitos garantidos constitucionalmente.

A verdade das situações será incansavelmente buscada pelo MP, que não pode sucumbir à vaidade. O reconhecimento da improcedência de sua pretensão, de outro lado, há de ser visto com altivez e dignidade.

Independentemente da área em que atue o representante do Parquet, a prática da ética exige também que este indique todos os fundamentos jurídicos de seus pronunciamentos, obedeça aos prazos processuais, agilize a prestação jurisdicional, assista aos atos processuais pertinentes, trate com urbanidade as partes, atendam ao público, e assim por diante.

No mesmo sentido, a convivência com os Juízes, Advogados e colegas de profissão deve ser isenta de qualquer animosidade, mesmo que suas funções e teses sejam conflitantes, como é normal no exercício do Direito.

Com esses passos, a ética conduzirá o operador do Direito a um caminho de brilho e sucesso profissional.

 

Referências:

 

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=271

 

http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/conteudo/normas_legais/estadual/leis_complementares/lei%20complementar%20nº%20197,%20de%2013%20de%20julho%20de%202000.doc

 

http://pt.wikipedia.org/wiki/Deontologia_Jur%C3%ADdica

47. 53. MINISTÉRIO PÚBLICO: ESTRUTURA, ORGANIZAÇÃO E FUNÇÕES INSTITUCIONAIS – FELIPE

 

O Ministério Público, conforme conceitua o art. 127 da Constituição da República, “é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Trata-se de um ente público que tem o dever de defender os valores mais relevante da sociedade. Na visão de Gabriel Rezende Filho , “é a personificação do interesse coletivo ante os órgãos jurisdicionais”, ou melhor, é o legítimo representante da “ação do poder Social do Estado junto ao Poder Judiciário”.

Seus princípios institucionais, a teor do disposto no art. 127, § 1º, da CF, são a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. 

O princípio da unidade significa que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção de um só Procurador-Geral. O princípio da indivisibilidade, por sua vez, é verdadeiro corolário do princípio da unidade, pois o Ministério Público não se pode subdividir em vários outros Ministérios Públicos autônomos e desvinculados uns dos outros. Conforme esses dois princípios (unidade/indivisibilidade), cada membro do Ministério Público age em nome da instituição, podendo ainda ser substituídos uns pelos outros. Já o princípio da independência funcional significa que cada membro é autônomo, agindo segundo a própria convicção e não podendo ser coagido pelos superiores no uso das atribuições que lhe são próprias. Em deste princípio, só se admite na instituição uma hierarquia no sentido administrativo, pela chefia do Procurador-Geral do Ministério Público, nunca de índole pessoal.

Os membros do Ministério público possuem, ainda, garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, encartadas no art. 128, inciso I, da CF. São mecanismos de proteção à independência e liberdade funcional, além de servir de resguardo para o desempenho de suas funções.

A vitaliciedade significa a possibilidade de permanência no cargo, salvo deliberação espontânea de dele ser exonerado, ou destituição, operada mediante sentença judicial transitada em julgado. Fica a aquisição desta garantia condicionada à aprovação em estágio probatório, que deverá durar dois anos.

A garantia da inamovibilidade, por seu turno, diz respeito a impossibilidade de remover-se compulsoriamente o membro de seu cargo, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do colegiado competente, assegurada ampla defesa, por maioria absoluta de seus componentes.

Já a garantia da irredutibilidade de vencimentos é predicativo que visa a resguardar a autonomia e a independência funcional.

Nos termos do art. 128 da Constituição da República, o Ministério público abrange: I – O Ministério Público da União, que compreende (a) o Ministério Público Federal, (b) o Ministério Público do Trabalho, (c) o Ministério Público Militar e (d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; e II – o Ministério Público dos Estados.

A estrutura e a organização do Ministério Público da União são estabelecidas pela Lei Complementar n. 75/93. Já as dos Ministérios Públicos Estaduais são regulamentadas pela Lei Federal n. 8.625/93. No tocante ao Ministério Público catarinense, especificando sua estrutura e organização, tem-se a Lei Complementar Estadual n. 197/2000.

O art. 4º da LC estadual 197/2000 estabelece que o Ministério Público de Santa Catarina compreende: I – órgãos de Administração Superior; II – Órgão de Administração; III – Órgãos de Execução; e IV – Órgãos auxiliares.

São Órgãos de Administração Superior, conforme o art. 5º da referida Lei Complementar: I – a Procuradoria-Geral de Justiça; II – o Colégio de Procuradores de Justiça; III – o Conselho Superior do Ministério Público; e IV – a Corregedoria-Geral do Ministério Público.

Os Órgãos de Administração, por sua vez, são: I – Procuradorias de Justiça; e II – Promotoria de Justiça (art. 6º). 

Já os Órgãos de Execução são: I – o Procurador-Geral de Justiça; II – o Colégio de Procuradores de Justiça; III – o Conselho Superior do Ministério Público; IV – os Procuradores de Justiça; V – a Coordenadoria de Recursos; e VI – os Promotores de Justiça (art. 7º).

Por fim, são Órgãos Auxiliares: I - a Secretaria-Geral do Ministério Público; II – os Centro de Apoio Operacionais; III – a Comissão de Concurso; IV – o Centro de Estudo e Aperfeiçoamento Funcional; V – os órgãos de apoio técnico e administrativo; e VI – os estagiários (art. 8º).

Todo esse aparato, aliado aos princípios e garantias relatados acima, existem para que o Ministério Público possa dar consecução a suas funções institucionais.

O Ministério Público possui funções institucionais, que foram definidas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e, posteriormente, pela Lei Complementar nº 75 de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, e pela Lei Federal nº 8.625/93, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.

De acordo com o art. 129 da Constituição da República, são funções do Ministério Público: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Outras funções são estabelecidas pela Lei Complementar nº 75 de 1993 e Lei Federal nº 8.625/93, uma vez que o inciso IX do art. 129 da CF contém uma cláusula aberta, possibilitando que a lei infraconstitucional disponha sobre ouras funções institucionais.

Com efeito, sua função primeira e que mais de perto o caracteriza é a de tornar efetivo, como representante do Estado, o direito de punir os infratores da lei penal. Nesse sentido, como órgão de acusação, é o legitimo órgão promotor da justiça e da defesa social.

Sem dúvida, a função institucional mais associada ao Ministério Público é a promoção da ação penal pública. No entanto, o campo de atuação, que antes era restrito a área penal, vem crescendo vertiginosamente na área cível, a notar, por exemplo, pela intensa utilização da ação civil pública.

Atualmente, a tendência e a amplitude de suas funções são no sentido da ampliação dos interesses metaindividuais, quer sejam difusos, coletivos ou individuais homogêneos.   

Com essa perspectiva, o Ministério Público tem por função a defesa dos interesses sociais, aonde quer que estes interesses estejam presentes. Ou seja, o Órgão Ministerial tem a incumbência de promover a defesa de direitos e interesses sociais, coletivos, individuais indisponíveis e individuais disponíveis, quando estes direitos e interesses tenham uma relevância e um viés social.

 

48. 54. NEPOTISMO – FELIPE

 

O nepotismo (termo utilizado para o favorecimento ou beneficiamento de cônjuges, companheiros e parentes no provimento dos cargos em comissão da estrutura dos Poderes constituídos) é prática que atenta contra os princípios da impessoalidade, eficiência, isonomia e moralidade administrativa.

O princípio da impessoalidade consiste no descarte do personalismo. Impõe a proibição do marketing pessoal e da auto-promoção com cargos, funções, empregos, obras, serviços e campanhas de natureza pública. Exige, então, uma absoluta separação entre o público e o privado, ou entre o administrador e a Administração, não podendo aquele fazer “cortesia” com esta. Por óbvio, a nomeação ou designação de parentes não-concursados para cargos em comissão afronta tal princípio.

Já o princípio da eficiência postula o recrutamento de mão de obra qualificada para as atividades públicas, sobretudo em termos de capacitação técnica e vocação para as funções estatais. A prática do nepotismo fere também esse princípio, pois a avaliação dessas aptidões no seio familiar é desprovida de isenção. Além disso, a fusão do ambiente familiar com o espaço público repercute negativamente na rotina de um trabalho.

Com o nepotismo, ataca-se igualmente o princípio da isonomia. É inegável a maior facilidade de acesso de parentes e familiares a cargos em comissão e funções de confiança. Conferem-se, indiretamente, privilégios para uns em detrimento de outros.

Por fim, pelo simples fato de atentar contra os 3 (três) princípios citados acima, afronta-se, outrossim, a moralidade administrativa. Aliás, haverá ofensa a esta quando "(...) se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de eqüidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa." .

Todos esses princípios estão encartados na Constituição da República, nos arts. 5ºe 37. Por isso, indubitável a violação à Carta Magna, sendo este o teor da recentíssima súmula vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.

Assim, diante incontestável carga normativa conferida aos princípios, completamente prescindível a existência de lei federal regulamentando a matéria para que se possa coibir essa nefasta prática do nepotismo.

Cumpre ao Ministério Público, portanto, como defensor “da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127 da CF), zelando “pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública” (art. 129, III, da CF) assegurados na Constituição, promover as medidas necessárias para atacar as nomeações de provimento de cargos ou funções, quando estas afrontarem o art. 37, caput, da Constituição da República.

E não se diga que o provimento dos cargos em comissão, por serem de "livre nomeação" do respectivo Chefe de Poder, não pode ser controlado pelo Judiciário. Ora, a discricionariedade do administrador público na contratação de pessoal deve ser regulada, limitada e balizada pelos princípios da moralidade, impessoalidade, eficiência e isonomia, comandos que, pelo seu cunho constitucional, mostram-se auto-aplicáveis e imediatamente exeqüíveis, ostentando eficácia plena e independente de regulamentação legislativa superveniente. Além do mais, conforme consolidada jurisprudência, no mérito administrativo, plenamente possível o controle de legalidade (aqui incluído a constitucionalidade) e até mesmo a proporcionalidade da medida. Assim, inquestionável a possibilidade de Poder Judiciário anular os atos nepotistas de nomeação em cargos de comissão.

Com efeito, a luta contra o nepotismo tem sido intensa, especialmente quando o Conselho Nacional do Ministério Público (Resoluções 1 e 7) e o Conselho Nacional de Justiça (Resoluções 7, 9 e 21), em postura merecedora de aplausos, assentaram e normatizaram a proibição e vedação da prática do nepotismo no âmbito de suas respectivas instituições – exemplo modelar que, por simetria e paralelismo, deve ser seguido e rigorosamente respeitado pelos demais poderes e instituições existentes em todos os níveis da federação. Essas resoluções, por sinal, já foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 12. 

 Ressalta-se que o Ministério Público de Santa Cataria foi um dos pioneiros no combate a prática do nepotismo, proibindo-o expressamente por meio de sua Lei Orgânica Estadual (Lei Complementar Estadual 197/2000).

Portanto, a investidura no cargo em comissão de pessoa que ostente parentesco com quaisquer dos sujeitos que detêm parcela do poder constituído no âmbito do ente federado deve ser alvo da atuação prioritária do Ministério Público, pois é só assim que essa prática maléfica, aos poucos, será neutralizada e, quiçá, definitivamente extirpada do poder público.

Ademais, a proibição da contratação de parentes é medida pertinente e capaz de trazer inúmeras outras vantagens ao Estado brasileiro, tais como: a) reduzir focos de clientelismo; b) atenuar concessão de favores pessoais ilegais; c) restringir a excessiva politização e negociata no provimento de cargos públicos em comissão; d) incrementar a política de incentivo ao funcionalismo de carreira; e e) reforçar o combate à corrupção, que assola a Administração Pública.

Concluindo, importante registrar que a atuação do Ministério Público no combate ao nepotismo deve ser tanto preventiva quando repressiva. Pode-se começar pela emissão de recomendação, indicando a necessidade de abstenção na contratação de servidores enquadráveis nas hipóteses de nepotismo (ou exoneração daqueles que já estejam nos quadros). Inobservada tal orientação, imperativo será o ajuizamento de ação civil pública, a fim de que a observância dos princípios constitucionais da Administração Pública seja uma realidade concreta no nosso ordenamento jurídico. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

é o termo utilizado para designar o favorecimento de parentes em detrimento de pessoas mais qualificadas, especialmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos.

Originalmente a palavra aplicava-se exclusivamente ao âmbito das relações do papa com seus parentes, mas atualmente é utilizado como sinônimo da concessão de privilégios ou cargos a parentes no funcionalismo público. Distingue-se do favoritismo simples, que não implica relações familiares com o favorecido.

Nepotismo ocorre quando, por exemplo, um funcionário é promovido por ter relações de parentesco com aquele que o promove, havendo pessoas mais qualificadas e mais merecedoras da promoção. Alguns biólogos sustentam que o nepotismo pode ser instintivo, uma maneira de seleção familiar. Parentes próximos possuem genes compartilhados e protegê-los seria uma forma de garantir que os genes do próprio individuo tenha uma oportunidade a mais de sobreviver. Um grande nepotista foi Napoleão Bonaparte. Em 1809, 3 de seus irmãos eram reis de países ocupados por seu exército.

Outro exemplo (menos usual) ocorre quando, alguém é acusado de fazer fama, às custas de algum parente já famoso (especialmente, se for o pai, a mãe, ou algum tio ou avô). Por exemplo: Wanessa Camargo como filha de Zezé Di Camargo, Pedro e Thiago como filhos de Leandro e Leonardo, o KLB como filhos do ex-baixista e atual empresário musical Franco Scornavacca, Preta Gil como filha do cantor e ministro da cultura Gilberto Gil, etc.

 

 

49. 55. REFORMAS NO PROCESSO PENAL – MÁRCIA

 

As reformas recentemente produzidas pelas leis ns. 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008, que alteram dispositivos do Decreto-Lei n. 3.689/1941 – Código de Processo Penal (CPP), relativos ao Tribunal do Júri, às provas e à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli, visam dar mais celeridade, simplicidade e segurança ao processo penal e, com isso, alcançar a efetiva prestação jurisdicional.

A Lei n. 11.689/2008 alterou todos os dispositivos do Código de Processo Penal relativos ao Tribunal do Júri, ou seja, do artigo 406 ao 497, bem como artigo 581, dentre as quais se destacam:

1 – Foi dada nova redação ao Capítulo II do Título I do Livro II, denominando-o: "Do Procedimento Relativo aos Processos da Competência do Tribunal do Júri", bem como introduzindo novas subdivisões a este capítulo;

2 - Formação do Júri: idade mínima para participar como jurado cai de 21 para 18 anos;

3 - Recebida a denúncia, o juiz terá o prazo de 10 (dez) dias para ordenar a citação do acusado;

4 – O procedimento passa a ser agora condensado em uma única audiência de instrução, em que, se possível, será ouvido o ofendido em declarações, será tomado o depoimento das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa e haverá os esclarecimentos dos peritos, as acareações e o reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado, abrindo-se, por fim, oportunidade às partes para os debates orais, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez).

5 – Concluídos os debates, o juiz criminal proferirá a sua decisão “imediatamente” ou no prazo de 10 (dez) dias da decisão de pronúncia, se for o caso;

6 - Substituição da iudicium accusatione por uma fase contraditória preliminar, a ser encerrada em 90 dias;

7 - Vedação expressa da eloqüência acusatória na decisão de pronúncia;

8 - Ampliação das hipóteses de absolvição sumária; passando a fazer parte dessas hipóteses também o fato do juiz fundamentalmente absolver desde logo o acusado quando provada a inexistência do fato, provado não ser ele autor ou partícipe do fato, o fato não constituir infração penal e demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime;

9 - Recurso cabível contra as decisões de impronúncia e absolvição sumária: apelação (antes cabia RESE);

10 - Intimação da decisão de pronúncia: em se tratando de réu solto, que se oculta para não ser citado, passa a ser admitida a intimação por edital, com o normal prosseguimento do feito, o que colocou fim à chamada crise de instância;

11 - Desaforamento para a Comarca vizinha: quando o julgamento não for realizado nos 6 meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de pronúncia;

12 - Extinção do libelo acusatório;

13 - Impossibilidade de dupla recusa de jurados;

14 – Aumentou para 25 (vinte e cinco) o número dos jurados sorteados para a reunião periódica ou extraordinária, dos quais pelo menos 15 (quinze) deverão comparecer à sessão do júri para o sorteio dos 7 (sete) que constituirão o Conselho de Sentença;

15 – O julgamento não será adiado caso o réu solto não compareça à sessão do júri; passando a entender que o não comparecimento do réu manifesta-se pelo seu direito de silêncio. Anteriormente, o não comparecimento do réu adiava imediatamente o julgamento.

16 – O tempo destinado à acusação e à defesa em plenário foi reduzida em meia hora, anteriormente era de duas horas, passando agora para uma hora e meia para cada; já para réplica e para a tréplica, foi o tempo aumentado em meia hora para uma hora;

17 – No plenário, as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou o uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado, e tampouco ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo;

18 – Limitação na leitura de peças em plenário;

19 - Adoção da cross examination;

20 – Foram simplificados os quesitos a serem respondidos pelos jurados quando da deliberação do Conselho de Sentença. Os jurados deverão respondê-los de forma secreta, por meio de cédulas. O objetivo é diminuir a possibilidade de haver recursos para anular o julgamento, com base em erros na fase de questionamento dos jurados e eliminar as dificuldades dos jurados de responderem as perguntas técnicas;

21 - Extinção do Protesto por Novo Júri.

 

A Lei n. 11.690/08 modificou dispositivos do Código de Processo Penal relativos às provas, mencionados nos artigos 155; 156; 157; 159; 201; 210; 212; 217 e 386.

1 – Art. 155: ao prever que o juiz forme sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial e vedar que sua decisão seja fundamentada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, acaba positivando o entendimento doutrinário de que a investigação preliminar, é peça meramente informativa e com finalidade de instruir uma futura ação penal, portanto, sem valor probatório. Além disso, atribui valor judicial às provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, que terão seu contraditório diferido para a fase judicial;

2 – Art. 156: atribui ao juiz a faculdade de, de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

3 – Art. 157: traz à legislação infraconstitucional uma vedação já prevista no inciso LVI, art. 5º, da Constituição Federal, ou seja, a inadmissibilidade das provas ilícitas no processo, que deverão ser desentranhadas do processo;

O parágrafo 1º desse artigo cuida da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, consagrando a posição já consolidada no Supremo Tribunal Federal sob os frutos envenenados (fruit of poisonous tree). Contudo, há a ressalva dos casos em que não há a necessária correlação de causa e efeito entre a prova ilícita e a derivada ou, ainda, quando esta puder ser obtida por uma fonte independente das primeiras;

4 – Art. 159: favorece as comarcas menores e mais distantes, onde é recorrente a dificuldade em se conseguir 2 (dois) peritos oficiais, como exigia a antiga redação do Código, permitindo que o exame de corpo de delito e outras perícias sejam realizados por perito oficial, portador de diploma superior.

5 – Art. 201, § 2º: prevê a possibilidade de o ofendido ser comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.

O § 4º garante ao ofendido a reserva de um espaço separado para antes ou durante a audiência. O § 6º concede ao juiz a possibilidade de determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a respeito do ofendido, a fim de evitar sua exposição aos meios de comunicação, bem como adotar medidas para preservar direitos fundamentais, como intimidade, vida privada, honra e imagem;

6 – Art. 210, parágrafo único: garante a incomunicabilidade das testemunhas, prevendo a reserva de espaços separados para elas, antes e durante a audiência;

7 – Art. 212: inquirição direta das testemunhas pelos advogados;

8 – Art. 217: na busca pela celeridade, faz uso de métodos modernos e inclui na realização do depoimento, da testemunha ou do ofendido, a inquirição por videoconferência, nos casos em que a presença do réu causar humilhação, temor, ou sério constrangimento, de modo que prejudique a verdade do depoimento;

9 – Art. 386: novos incisos para o juiz absolver o réu:

IV – quando as provas demonstrarem que o acusado não cometeu o crime;

V – quando não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;

VI – quando o autor errar sobre a ilicitude do fato, mesmo conhecendo a lei; quando houver erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime que exclua o dolo, mas permita a punição por crime culposo; quando o fato for cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico; quando o agente praticar o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito; quando o agente tiver doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; e quando o agente praticar o crime estando com embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior.

 

Por fim a Lei n. 11.719/2008, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos, mencionados nos artigos 63, 257, 265, 362, 363, 366, 383, 384, 387, 394 a 405, 531 a 583.

1 – Foi acrescentado parágrafo único ao artigo 63 do CPP (que trata da reparação do dano causado pelo delito), determinando-se que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a execução pode ser efetuada pelo valor fixado pelo juiz na sentença, sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido;

2 – A redação do artigo 257 do CPP foi alterada para destacar as duas funções principais do Ministério Público no processo penal: promoção privativa da ação penal pública e a fiscalização da execução da lei;

3 – Alterou-se o artigo 265, caput, do CPP, substituindo-se a sanção de multa de cem a quinhentos réis por sanção de multa de 10 a 100 salários mínimos, para o defensor que abandona a causa, sem motivo imperioso. Trata-se apenas de atualização monetária. O parágrafo único do artigo 265 foi desdobrado nos §§ 1º e 2º, prevendo-se agora que, antes de designar defensor para o ato, o juiz deve aguardar, até o início da audiência, a apresentação da justificativa pelo advogado que não compareceu a ela, previsão que não existia antes – a ausência do defensor, ainda que motivada, ensejava a substituição por outro defensor, para o ato. Agora, somente se o defensor se ausentar sem apresentar justificativa até o início da audiência é que haverá a substituição do defensor.

4 – No caso de ocultação do réu para não ser citado, ao invés de se promover à citação por edital, com prazo de 5 dias, como ocorria antes, agora, por força da redação do artigo 362, caput, do CPP, será procedida a citação com hora certa, na forma estabelecida pelo Código de Processo Civil (CPC, arts. 227 a 229).

5 – O artigo 383, que trata da ementatio libbeli, manteve o mesmo sentido da redação anterior;

6 – O art. 384 estabelece a necessidade de aditamento da denúncia sempre que surgir prova nova a respeito do fato, independentemente de a nova definição jurídica do fato implicar aplicação de pena mais ou menos grave ao réu. Anteriormente, somente nos casos em que a pena cominada ao novo crime fosse mais grave é que o aditamento se impunha;

7 – Procedimentos: comum ou especial. O procedimento comum é aplicável a todos os processos, salvo disposições em contrário do CPP ou de leis extravagantes, e poderá ser: 

a) ordinário (art. 394, §1º, I): quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;

b) sumário (art. 394, §1º, II): quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; ou

c) sumaríssimo (art. 394, § 1º, III): para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei (Lei n. 9.099/1995, arts. 77-81);

8 – Art. 396: O juiz receberá a inicial e ordenará a citação do acusado, para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias. Em caso de citação por edital, o prazo para defesa começa a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído (parágrafo único);

9 – Art. 399: Se o juiz receber a denúncia ou queixa, designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação (o termo técnico mais preciso seria notificação, pois se trata de comunicação processual para ato futuro) do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.

Assim, ao receber a denúncia ou queixa, deverá o juiz fazer duas comunicações ao réu:

a) citação, para que tome conhecimento da imputação que lhe pesa sobre os ombros e para que apresente defesa resposta à acusação; e

b) intimação (notificação) para comparecimento à audiência, ocasião em que inclusive será interrogado;

10 – Art. 400: audiência única;

11 – Revogaram-se expressamente os seguintes dispositivos do CPP:

a) artigo 43, que tratava das condições da ação penal, tema agora tratado no art. 395;

b) artigo 362, que previa a citação por edital do réu que se ocultava para não ser citado, situação que agora enseja citação com hora certa, nos termos do artigo 362, caput e parágrafo único, do CPP;

c) artigo 398, que previa o número de 8 testemunhas para cada parte do procedimento regra para crimes apenados com reclusão, tema agora previsto no art. 401, caput, do CPP (procedimento ordinário: 8 / procedimento sumário: 5);

d) artigos 498, 499, 500, 501 e 502, que tratavam do requerimento de diligências, alegações finais e diligências de ofício determinadas pelo juiz antes da sentença, referentes ao procedimento dos crimes apenados com reclusão e de competência do juiz singular, tema tratado agora, com diversas modificações, no artigo 394 e seguintes, do CPP;

e) artigos 537, 539, 540, §§ 1º a 4º do artigo 533, §§ 1º e 2º do artigo 535 e §§ 1º a 4º do artigo 538, que tratavam do procedimento sumário, o qual, agora, é tratado no artigo 394, II, e nos artigos 531-538, com várias alterações;

f) artigo 594, que tratava da prisão para apelar;

g) §§ 1º e 2º do artigo 366, que tratavam da suspensão do processo quando o réu fosse citado por edital, tema agora abordado no art. 363.

 

50.    56. AÇÕES AFIRMATIVAS E POLÍTICA DE COTAS NA EDUCAÇÃO

 

O termo Ação Afirmativa refere-se a um conjunto de políticas públicas para proteger minorias e grupos que, em uma determinada sociedade, tenham sido discriminados no passado. A ação afirmativa visa remover barreiras, formais e informais, que impeçam o acesso de certos grupos ao mercado de trabalho, universidades e posições de liderança. Em termos práticos, as ações afirmativas incentivam as organizações a agir positivamente a fim de favorecer pessoas de segmentos sociais discriminados a terem oportunidade de ascender a postos de comando.

Originariamente, as ações afirmativas foram implementadas pelo governo dos Estados Unidos da América, a partir de meados do século XX, mormente com a promulgação das leis dos direitos civis (1964), e atingiram o seu ápice após intensa pressão dos grupos organizados da sociedade civil, especialmente os denominados “movimentos negros”, de variada forma de autuação, capitaneados por lideranças como Martin Luther King e Malcon X, ou grupos radicais como os "Panteras Negras", na luta pelos direitos civis dos afro-americanos. Daí esse conceito influenciou a Europa, onde tomou o nome de discriminação positiva.

A Ação Afirmativa, como forma de discriminação positiva, é uma política de aplicação prática e tem sido implementada em diversos países, variando o público a que se destina.

As cotas são uma segunda etapa das ações afirmativas. Constatada nos EUA a ineficácia dos procedimentos clássicos de combate à discriminação, deu-se início a um processo de alteração conceitual das ações afirmativas, que passou a ser associado à idéia, mais ousada, de realização da igualdade de oportunidades através da imposição de cotas rígidas de acesso de representantes de minorias a determinados setores do mercado de trabalho e a instituições educacionais.

No âmbito da educação, a política de discriminação positiva tem como alvo os alunos provenientes de meios socioculturais desprivilegiados, uma vez que o objetivo não deve ser aquele liberal da igualdade de acesso, mas igualdade de resultados, de tal modo que o contingente de mulheres, negros, operários, habitantes do campo deveria, em termos médios, apresentar o mesmo nível de escolaridade quando comparado à escolaridade média dos homens, dos brancos, dos funcionários e dos habitantes da cidade; caso contrário teria havido injustiça.

No Brasil, durante o ano de 2006, foram apresentados, ao Congresso Nacional, dois manifestos que, de certa forma, sintetizam os principais argumentos do debate sobre a questão de políticas afirmativas, principalmente no que diz respeito ao estabelecimento de cotas nas universidades públicas: o primeiro Todos têm direitos iguais na República Democrática posiciona-se contra, e, o segundo, Manifesto a favor da Lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial, a favor.

Aqueles que se posicionam contra baseiam sua argumentação no princípio da igualdade política e jurídica dos cidadãos, fundamento essencial da República alicerçado na Constituição brasileira. Para os defensores dessa corrente, a Lei de Cotas, além de representar uma ameaça a esse princípio, poderia até aumentar o racismo, dando respaldo legal ao conceito de raça. Como alternativo, apontam como caminho para o combate à exclusão social a construção de serviços públicos universais de qualidade em todos os setores importantes como educação, saúde, etc. Tal meta deve ser alcançada pelo esforço comum de cidadãos de todos os tons de pele contra privilégios que limitam o alcance do princípio republicano da igualdade política e jurídica.

Ainda, os que são contrários à política de cotas, apontam a dificuldade de se saber no Brasil quem é negro e quem não o é, já que somos uma sociedade muito mais miscigenada. Se fosse feita a auto-classificação, muitos se aproveitariam impropriamente dessa chance. Caso fossem criadas comissões para classificar as pessoas conforme a cor, estaria sendo dado ao estado um poder perigoso, que poderia ser usado para outros fins. Parece haver maior consenso entre os que são a favor das ações afirmativas do uso da auto classificação.

Outra crítica às ações afirmativas se refere ao fato de que elas, quando aplicadas preferencialmente para o ingresso nas universidades, podem deixar de lado a grande maioria de negros que apresenta uma inserção precária no mercado de trabalho. Seria como uma política “para inglês ver”, que esconderia os problemas mais profundos da maioria da população negra no Brasil.

O segundo documento encaminhado ao Congresso Nacional, por sua vez, apresenta manifestação a favor de cotas, identificando na aplicação de políticas públicas a única forma de combater a desigualdade racial no Brasil. Faz referência a estudos realizados por organismos estatais que apontam o fato de, por quatro gerações ininterruptas, pretos e pardos terem apresentado menor escolaridade, piores condições de moradia, maior taxa de desemprego quando comparados aos brancos e asiáticos. Mostra, ainda, que a ascensão social e econômica no Brasil passa, necessariamente, pelo acesso ao ensino superior. Ainda, faz crítica ao documento Todos têm direitos iguais na República Democrática, ponderando que a igualdade universal dentro da República não é um princípio vazio e sim uma meta a ser alcançada e que as ações afirmativas, baseadas na discriminação positiva daqueles lesados por processos históricos, são a figura jurídica criada pelas Nações Unidas para alcançar essa meta.

O estabelecimento de cotas no mercado de trabalho já existe no Brasil por mais de 15 anos, desde a Lei n. 8.213/91 que prevê a obrigatoriedade da contratação de pessoas portadoras de deficiência em empresas privadas. No entanto, o debate sobre políticas de ação afirmativa é relativamente recente em nosso país. Ele ganha mais repercussão social com a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em 2001, em Durban, África do Sul, em que o Brasil se posiciona a favor de políticas públicas que venham a favorecer grupos historicamente discriminados.

Em termos educacionais, há o programa de bolsa escola, que favorece as populações de mais baixa renda e incentiva as mesmas a manterem seus filhos estudando, buscando, dessa forma, combater o trabalho infantil. Nesse caso, é o critério econômico que serve de base para o estabelecimento da política.

Em nível de educação superior, não existe ainda um consenso sobre qual a melhor orientação a tomar. Em 20 de novembro de 2008, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 73/99. O texto determina que 50% das vagas das instituições federais sejam destinadas a alunos provenientes da escola pública. Dessas vagas, 50% serão preenchidas por estudantes de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo (R$ 622,50) por pessoa. Além das cotas sociais, a proposta exige que as vagas sejam destinadas a negros, pardos e indígenas em proporção igual a dessas populações no total de habitantes de cada estado. Estabelece ainda que a seleção dos alunos que terão direito ao ingresso na universidade por meio das cotas será feita a partir de um coeficiente de rendimento, obtido pelo cálculo da média aritmética das notas ou menções recebidas pelos alunos durante o Ensino Médio. As instituições privadas de ensino superior também poderão adotar as cotas para ingresso dos alunos. A proposta, no entanto, voltou para o Senado por causa da inclusão, pelos deputados, de critérios econômicos para a seleção dos alunos, e ainda está em análise pelos senadores da Comissão de Constituição e Justiça.

O Programa Universidades para Todos (PROUNI) também assegura a inclusão de alunos provenientes de escolas públicas em instituições privadas de educação superior, e entre esses alunos leva em consideração o percentual de negros e indígenas da população onde se encontra o estabelecimento de ensino.

Nada obstante os argumentos contrários à política de cotas, é certo que a adoção desse sistema visa a superação de desigualdades, na direção da conquista da igualdade material ou substancial, que é fruto do que se pode chamar de segunda geração de direitos fundamentais, pois ela absorve e amplia o direito processual.

Não basta, segundo esse novo paradigma de organização dos poderes públicos, garantir um Estado que seja cego para distinções arbitrárias. É insuficiente vedar que a lei condene o indivíduo com base no grupo em que este se insere segundo padrões naturais ou culturais. Faz-se necessário, implementar, por meio da lei e de instrumentos de políticas públicas, a igualdade de oportunidades, ainda que seja necessário estipular benefícios compensatórios a grupos historicamente discriminados. Da ótica ultrapassada do indivíduo genérico, desprovido de cor, sexo, idade, classe social entre outros critérios, agora se busca o indivíduo específico "historicamente situado", objetivando extinguir ou diminuir o peso das desigualdades impostas econômica e socialmente. A consagração normativa dessas políticas sociais representa, pois, um momento de ruptura na evolução do Estado moderno.

Cumpre enfatizar, por fim, que além do sistema de cotas, há outras opções que podem ser consideradas para a efetivação das ações afirmativas: o método do estabelecimento de preferências, o sistema de bônus e os incentivos fiscais (como instrumento de motivação do setor privado). De crucial importância é o uso do poder fiscal, não como mecanismo de aprofundamento da exclusão, como é da tradição brasileira, mas como instrumento de dissuasão da discriminação e de emulação de comportamentos (públicos e privados) voltados à erradicação dos efeitos da discriminação de cunho histórico.

 

FONTE:

http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/539/375

http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT11-2516--Int.pdf

http://www.ieps.org.br/ederson.pdf

http://www.jusbrasil.com.br/noticias/655008/especialistas-divergem-sobre-cotas-da-educacao-aprovadas-na-camara 

 

 

51. PLANO GERAL DA ATUAÇÃO

 

O Plano Geral de Atuação do Ministério Público de Santa Catarina está previsto nos arts. 80 e 81 da Lei Complementar Estudual nº 197/2000:

“Art. 80. A Atuação do Ministério Público deve levar em conta os objetivos e diretrizes institucionais estabelecidos anualmente no Plano Geral de Atuação, destinados a viabilizar a consecução de metas prioritárias nas diversas áreas de suas atribuições legais.

Art. 81. O Plano Geral de Atuação  será estabelecido pelo Procurador-Geral de Justiça, com a participação dos Centros de Apoio Operacional, Coordenadoria de Recursos, Procuradorias e Promotorias de Justiça, OUVIDO o Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais.

§ 1º Para execução do Plano Geral de Atuação serão estabelecidos:

I – Programas de Atuação das Promotorias de Justiça;

II – Programas de Atuação Integrada das Promotorias de Justiça;

III – Projetos Especiais.

§ 2º A composição e atribuições do Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais, bem como o procedimento de elaboração do Plano Geral de Atuação, dos programas de atuação e dos projetos especiais, serão disciplinados em ato do Procurador-Geral de Justiça.” (grifou-se)

Além da previsão legal supra, está em vigor o Ato 101/2007/PGJ (que revogou o Ato 066/2003/PGJ), que disciplina as atribuições do Procurador-Gral de Justiça e o procedimento para a formalização anual do Plano Geral de Atuação, considerando, para tanto, o Plano Geral de Atuação   como “um importante instrumento de democratização das decisões internas da Instituição, especialmente no que se refere à definição de prioridades, permitindo uma atuação eficaz e integrada de todos os órgãos da Instituição”. Alguns dos pontos importantes desse ato:

Art. 2º (...)

 § 1º São atribuições do Procurador-Geral de Justiça:

I - dar início ao procedimento de elaboração do Plano Geral de Atuação, sendo obedecidos os parâmetros do Plano Plurianual (PPA) e das leis orçamentárias; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)

 II - coletar sugestões dos Centros de Apoio Operacional e de seus respectivos Conselhos Consultivos; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)

III - elaborar o Anteprojeto do Plano Geral de Atuação; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)

IV - publicar o Anteprojeto do Plano Geral de Atuação em fórum eletrônico institucional para discussões; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)

V - realizar reuniões regionais para apresentação do Anteprojeto do Plano Geral de Atuação   e do fórum institucional. (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)

VI - elaborar o Projeto do Plano Geral de Atuação; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)

VII - remeter o Projeto do Plano Geral de Atuação  ao Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais para manifestação final; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)

VIII - editar ato instituindo o Plano Geral de Atuação; e (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)

IX - divulgar e distribuir o Plano Geral de Atuação . (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)

§ 2º Os Órgãos participantes poderão, nos prazos fixados pelo Procurador-Geral de Justiça, formular sugestões e propor emendas ao Anteprojeto, com vistas à elaboração do Projeto do Plano Geral de Atuação .

§ 3º O Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais, composto na forma estabelecida em ato específico, terá como atribuição a análise do Projeto do Plano Geral de Atuação  e formalização de possíveis sugestões ou emendas, as quais serão avaliadas pelo Procurador-Geral de Justiça. 

CAPÍTULO II

DO PROCEDIMENTO

Art. 3º Até o término do mês de maio de cada ano, o Procurador-Geral de Justiça deverá deflagrar o procedimento de elaboração do Plano Geral de Atuação.

Art. 4º O procedimento será deflagrado a partir da publicação do anteprojeto na intranet, para conhecimento e eventual manifestação dos Órgãos participantes, no prazo de 30 dias. (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)

Art. 5º Munido dos dados e das sugestões coletados, o Procurador-Geral de Justiça elaborará o Anteprojeto do Plano Geral de Atuação e o remeterá aos Órgãos participantes, para eventual manifestação, no prazo de 30 dias.

§ 1º Os Órgãos participantes realizarão, sempre que possível, audiências públicas, em conjunto com os demais membros do Ministério Público, visando a colher subsídios para elaboração do Plano Geral de Atuação .

§ 2º O Procurador-Geral de Justiça, de acordo com critérios de conveniência e oportunidade, poderá determinar a realização de pesquisas de opinião pública e consultas populares com a mesma finalidade do parágrafo anterior.

Art. 6º As propostas dos Órgãos participantes deverão ser apresentadas no prazo de 30 (trinta) dias, observando-se as normas técnicas estabelecidas pela Instituição.

Art. 7º À vista das propostas apresentadas, o Procurador-Geral de Justiça enviará, até o dia 15 de novembro de cada ano, Projeto do Plano Geral de Atuação  ao Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais, para, no prazo de 10 (dez) dias, a contar da data do envio por meio eletrônico, proceder a análises e apresentar sugestões. (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)

Art. 8º Após a manifestação do Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais, o Procurador-Geral de Justiça editará ato instituindo o Plano Geral de Atuação .

Parágrafo único. O ato mencionado no caput deste artigo deverá ser editado até o dia 30 de novembro de cada ano.

Art. 9º O Plano Geral de Atuação  será constituído por programas específicos para cada área de atuação do Ministério Público, além de prioridades, as quais poderão igualmente ser definidas por região, conforme peculiaridades locais, tais como: índices sócio-econômicos, geográficos, populacionais e outros determinados pelo próprio Plano.

Art. 10. Editado o ato, desde logo será dado conhecimento aos Órgãos de execução do Ministério Público, estabelecendo-se estratégias para o aprimoramento desses, visando, sempre, aos programas e às prioridades definidos no Plano.

Parágrafo único. As ações voltadas ao aprimoramento funcional serão realizadas sob a responsabilidade do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF), com apoio dos Centros de Apoio Operacional, dentre as quais figurará a Semana Anual do Ministério Público, a ser instituída em ATO próprio.

CAPÍTULO III

DA GESTÃO DE RESULTADOS

Art. 11. Encerrada a vigência do Plano Geral de Atuação, os Centros de Apoio Operacional, com auxílio do CEAF, procederão à coleta, nos Órgãos de Execução, dos dados de resultados obtidos, das ações propostas e dos problemas diagnosticados, lavrando-se relatório a ser entregue ao Procurador-Geral de Justiça, para subsidiar a deflagração do Plano Geral de Atuação  para o ano subseqüente àquele em curso.

Parágrafo único. Para fins de avaliação externa dos resultados, poder-se-á proceder na forma estabelecida nos §§ 1º e 2º do artigo 5º deste Ato.” (grifou-se)

Tendo em vista a não localização do “Plano Geral de Atuação  2009” (elaborado em 2008), colaciona-se, na seqüência, a apresentação do “Plano Geral de Atuação  2008” (elaborado em 2007), texto esse que visa a somar argumentos a respeito do plano geral da atuação do ministério público:

“Plano  geral de atuação 2008 - APRESENTAÇÃO

 Ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais relevantes, tarefa que lhe foi outorgada pela Constituição Federal de 1988 e para a qual ainda se busca a estruturação e o aprimoramento necessários a lhe dar plena satisfação.

Os Direitos Fundamentais que legitimam o Estado Democrático de Direito não são estanques e compõem uma crescente demanda que nos bate à porta diariamente, exigindo da Instituição esforço adicional para o cumprimento de suas atribuições. 

Voltar as atividades à resolução dos conflitos que dificultam ou impedem a universalização e a generalização dos Direitos Fundamentais é um dos caminhos que o Ministério Público pode tomar, aproximando-se das demandas sociais e do relevante mister que lhe foi outorgado pela Constituição. 

Estruturar os Órgãos de Execução, estimular iniciativas inovadoras e buscar incessantemente a ampliação do apoio operacional e o aperfeiçoamento funcional são algumas das várias ações que a Administração Superior pode empreender no sentido dessa aproximação entre o que nos está posto no ordenamento constitucional e a realidade que nos é apresentada. 

Para que se intervenha de maneira eficaz sobre a realidade, não basta ao Ministério Público a atuação processual, quer na qualidade de titular da ação, quer no exercício da função de custos legis. Há que se fazer uso dos instrumentos que nos legitimam a solucionar, pela via do inquérito civil público e do procedimento de investigação criminal, problemas como o saneamento básico, proteção dos recursos hídricos, combate à corrupção e ao crime organizado, intervindo não apenas em relação aos efeitos gerados por esses problemas, mas também no enfrentamento de suas causas. 

Neste passo, o aprimoramento do Plano Geral de Atuação (PGA) se mostra oportuno para um melhor desempenho na missão constitucional do Ministério Público, adotando um modelo que contemplará não apenas o revigoramento dos programas de atuação, projetos especiais e políticas institucionais, mas uma metodologia que permita a leitura de resultados que possam ser utilizados na constante evolução da Instituição e também apresentados à sociedade catarinense. 

Neste ano, houve uma participação maior dos integrantes dos Órgãos de Execução, com a realização de seis encontros regionais, nos quais os programas já existentes foram avaliados, assim como a definição de um plano estratégico para melhor cumprir as metas já estabelecidas nos planos anteriores, que, embora contemplassem ações a serem desenvolvidas a médio e longo prazo, ainda não contemplavam o detalhamento das ações que deveriam ser desenvolvidas no respectivo período, para se atingir os objetivos já explicitados. O desafio maior, portanto, uma vez que o Plano Geral já contempla estratégias consolidadas no que tange ao que deve ser feito, é o como fazer para atingir as metas fixadas. 

Assim, aproveitando-se as linhas gerais dos planos anteriores e acrescendo-se a elas o plano estratégico, pretende-se dar maior efetividade a este valioso instrumento de trabalho, coletivizando as ações e potencializando os resultados. 

Numa sociedade democrática em que todos devem ser co-responsáveis, esperamos que todas as vozes do Ministério Público sejam um uníssono em torno de nossos valores de independência, ética, legalidade, efetividade, moralidade, solidariedade, harmonia, transparência, justiça e confiança.” (disponível em: http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_detalhe.asp?Campo=7148&secao_id=5)

 

 

52. SANEAMENTO BÁSICO